Aragão: “ Quando a coisa ficar insustentável, eles terão que liberar o Lula”

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Em Portugal, ex-ministro da Justiça fala da Lava-Jato e do Intercept




Eugênio Aragão (Foto: Roberto Jayme/TSE )

Bruno Falci, correspondente dos Jornalistas Livres, em Lisboa

Encontramos o jurista Eugênio Aragão em uma pequena e bucólica praça de Carcavelos, cidade situada a poucos quilômetros de Lisboa. Trata-se de um cenário muito especial em sua vida. Por isso, ele sempre retorna ao lugar. Antes da entrevista, em uma rápida conversa, Aragão disse que, quando era jovem, viveu três anos em Carcavelos. Sendo filho de pai diplomata, sempre viajou muito e, foi nessa época, que morou em Portugal, sendo perceptíveis seus laços afetivos com o país.

Ele fala de um imenso galpão, que pode ser visto, no vídeo abaixo, ao fundo da praça verdejante, em pleno verão europeu, e faz  um paralelo com a narrativa nostálgica do filme Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, Esse galpão, diz Aragão, era um cinema típico de bairro, que ele frequentava assiduamente e que hoje não existe mais, sendo transformado em um centro cultural. Neste espaço tranquilo, tendo ao fundo o “Cinema Paradiso” dos seus tempos juvenis, sentados em um banco da praça, realizamos nossa entrevista que é dedicada às turbulências políticas do Brasil atual.

            Eugênio Aragão, professor titular de Direito Internacional da Universidade de Brasília e doutor em Direito pela Universidade de Ruhr de Bochum (Alemanha), foi  membro do Ministério Público Federal, de 1987 a 2017, e Ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016. No momento, a atuação de Aragão, que está em Portugal para participar de diversas atividades em seu campo de conhecimento, tem se destacado pela firme defesa dos valores democráticos e dos direitos jurídicos e coinstitucionais, diante dos discursos de intolerância que caracterizam o governo brasileiro. Inicialmente, ele destaca “a importância da entrevista para explicar esse momento insólito, tão extraordinariamente degradante do país, que necessita de uma explicação, pois as pessoas não entendem o que está se passando”. Hoje, Aragão esteve também em um debate na Casa Ninja de Lisboa, organizado em Conjunto com o Dialogo e Ação Petista de Lisboa.

“A Lava Jato é liderada por um pessoal de baixa qualificação”

Nesse contexto, Aragão analisa o papel do The Intercept, que tem divulgado a colaboração ilegal entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato:

“ Tudo isso divulgado hoje, de alguma forma já intuíamos, para  nós não chegou a ser uma novidade. O novo é que pela primeira vez nós temos esses fatos provados, essa combinação entre o juiz e o Ministério Público acusador, que prejudicou a defesa. Isso não tem nem nome porque o processo penal hoje é visto por si só como uma atividade de grande risco do Estado. O processo penal manipula  aquilo que chamamos monopólio da violência do Estado. Então o Estado tem que se conter. O Direito Penal não é uma arma contra o cidadão, ele é para proteger determinados bens jurídicos que são caros para aquilo que se denomina sociedade e para proteger aquele que é acusado em ataque ou investida injusta contra ele. Não é transformar uma persecução em um show, como eles têm feito. Isso degrada o Direito Penal e vai contra a presunção de inocência. Isso é um  dos valores mais caros do Direito Penal.

Aragão esclarece:

“Todo mundo é presumido inocente até o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória. No caso do Lula, a sentença sobre o triplex nem transitou em julgado. Nós temos uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça bastante criticada porque não adentrou nenhuma das questões levantadas pela defesa e apenas se limitou a  discutir a dosimetria, ou seja, só reduzir a pena do Lula. Vê-se claramente uma má vontade do STF em relação ao Lula. Isso, de certa forma, é o que acompanhou esse processo desde o início. Uma profunda má vontade de ouvir e levar a sério a versão da defesa. É como se tudo estivesse previamente liquidado. Lula seria condenado de qualquer jeito e seria excluído do processo eleitoral. O mais importante foi não permitir ao PT voltar a governar o país. E isso que estava em jogo”.

Segundo Aragão, vê-se isso claramente graças aos vazamentos do The  Intercept:

“Os procuradores dizendo sem nenhum tipo de pejo que o importante é o Lula não voltar e o Haddad não ser eleito. Aquilo que nós já desconfiávamos agora está provado, mas provado de uma maneira tão sórdida – essa conversinha do juiz debochando da defesa, chamando de showzinho da defesa é algo realmente chocante. As provas ilícitas (do The Intercept) servem para a defesa, mas não servem para acusar. Elas servem para  provar que o processo contra Lula foi um engodo”.

Indagado sobre a possibilidade da Lava Jato ser não ser somente um ataque ao PT e às esquerdas no Brasil, mas também contra as esquerdas latino-americanas, Aragão afirma:

“Se ela é isso, não sei. A Lava Jato é liderada por um pessoal de baixa qualificação. Nem Moro, nem Dallagnol são pessoas que têm um vasto conhecimento jurídico do processo penal. Não acredito que eles tenham capacidade de montar uma operação para acabar com as esquerdas latino-americanas. Não está na capacidade deles isso. Agora, eles abriram um flanco enorme com a PTfobia deles e que foi aproveitada por outros. Num momento em que o corpo está doente, as bactérias oportunistas tomam conta e as bactérias oportunistas, neste caso, são os  interesses americanos. Já há muito tempo,, desde 2004, 2005, venho percebendo essa aproximação muito pouca republicana entre setores do Ministério Público brasileiro e o Ministério Público americano, de Nova York e Miami. Quando trabalhei na Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República já observava que essas ligações não me agradavam, essas intimidades com seus equivalentes americanos”.

Agenda anti-corrupção sempre foi do PT”.             

Descrevendo a trajetória do golpe, Aragão aponta que a corrupção foi um discurso que pegou na sociedade brasileira, graças à mídia que queria atingir o governo do PT:

“Desde 2013 o combate a corrupção passou a ser uma agenda de acusações para atingir o PT, com muito mais ênfase que antes. Desde a época do mensalão que tentavam atingir o partido, mas 2013 foi o auge, quando o STF começou seus julgamentos em sessões extremamente estrondosas presididas por Joaquim Barbosa, e isso junto com as manifestações de rua. A Rede Globo rapidamente junta a agenda do STF contra a corrupção com a agenda das ruas. Aquilo que era um movimento seu rumo, no início, rapidamente tomou o significado da luta contra a corrupção. Com a PEC 37 o Ministério Público selou seu acordo com a mídia para um grande projeto de derrubada do governo, através da chamada agenda anticorrupção”

Aragão acentua que a agenda anticorrupção sempre foi do PT:

“Criamos todos os instrumentos legislativos que hoje existem para combater a corrupção, começando pela delação premiada e a ficha limpa. O partido nunca fugiu dessa discussão e nunca a utilizou como arma política. Dilma, quando assumiu em 2011, entrou limpando tudo o que ela pode. Colocou a Graça Foster na Petrobras porque não confiava em ninguém para desmontar os esquemas de corrupção. Na hora em que começou a fechar as portas, Dilma começou a se fragilizar e a preparar com isso a sua derrocada”.

“Moro jamais  poderia ser sido juiz de Lula”

A prisão do Presidente Lula é, para Aragão, a síntese do processo da Java Jato. A propósito das denúncias publicadas pelo The Intercept e difundidas pela Folha de S. Paulo e a  revista Veja, o jurista é cético quando analisa o comportamento do judiciário:

“O judiciário, o STF não são instâncias de garantias fundamentais do indivíduo. O STF foi o grande omisso em todas essas barbaridades cometidas pela operação Lava Jato. Eu não acredito que eles queiram dar a mão à palmatória. Sou muito cético em relação a isso. É claro que, em algum momento, eles vão soltar o Lula, mas não se sabe quando. A coisa vai ficar insustentável. Aí eles terão que liberar o Lula”.

Aragão conclui:

“Vamos precisar, na 2ª Turma, pelo menos do Ministro Celso de Mello para assumir claramente esse papel de defender o devido processo legal e reconhecer que Moro jamais poderia ser sido juiz de Lula. Se ele fizer isso, estaremos bem e Lula poderá ser solto e o processo anulado. Se ele não fizer, a luta continua. Nós vamos demonstrar que tudo isso foi um grande engodo. Vai chegar uma hora que vai ficar insustentável”.

Veja entrevista na íntegra:

Agradecimentos pela colaboração de Caroline Cicarello e Rayra Fortunato no auxilio técnico da entrevista

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