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“Ministros não reconhecem a emboscada que armaram para o STF. Seu caricato apego à liturgia atrapalha a visão (a deles, não só a nossa)”
Jornal GGN – “Interpretação jurídica e jurisprudência podem ser o produto de um esforço intelectual sincero e sedimentar uma tradição. Ou podem ser uma farsa. Entre a farsa e a integridade judicial reside a possibilidade do Estado de Direito”.
O alerta é de Hübner Mendes para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no artigo “STF: criticar para defender”, publicado nesta terça-feira (27), na Folha de S.Paulo. Hübner é professor de direito constitucional da USP, doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt no Brasil.
Para o professor, “é urgente observar ‘como’ o STF decide, além de discutir ‘o que’ decide”. “O ‘como’ do STF é arbitrário porque o humor ou interesse oculto de um ministro bastam para obstruir, por anos a fio, o plenário e a esfera pública; porque qualquer frase de efeito ou anedota pode passar por ‘argumento jurídico’ e ‘evidência’”, explica.
“É irresponsável porque não presta contas nem explica os critérios de suas escolhas e prioridades; porque viola regras da ética e decoro judicial; porque faz da obscuridade seu manto de proteção contra o escrutínio público. Parece mera etiqueta, porém nada é mais importante para a sobrevivência do STF”, completa.
Entre os exemplos dessa arbitrariedade destaca: “o caso sobre a Lei de Drogas, de 2011, que sofre seguidos adiamentos como se nada estivesse acontecendo (e a crise das prisões pudesse esperar); as liminares monocráticas que suspendem leis e voltam para a gaveta; os pedidos de vista que agridem o colegiado e postergam por tempo indefinido a solução do problema”.
“O compasso do STF não está em sintonia com o interesse público. Tampouco com a virtude da espera”, conclui o professor e pesquisador. Entre os exemplos recentes negativos dessa arbitrariedade, aponta, está o pagamento ilegal de auxílio-moradia para juízes.
“Por cinco anos, uma liminar precária de Fux garantiu que o ‘plus’ de R$ 5 bilhões, não reembolsados, fosse gasto com a magistocracia. Só cancelou a mesada quando o aumento salarial concedido pelo Congresso caiu na conta bancária. Uma ‘permuta’”, relembra.
Hübner inclui ainda entre “as façanhas interpretativas e manipulações procedimentais”, o caso da execução provisória de pena. Em 2016, o Supremo entendeu que não feria a Constituição o fato de um réu passar a cumprir pena após condenação em segunda instância e, cerca de três anos depois, agora, em novembro de 2019, voltou a barrar a prisão antes de esgotados todos os recursos na Justiça. “[Essas alterações no entendimento] tornaram qualquer resultado merecedor de justa desconfiança”, reforça o professor.
Outro exemplo negativo é o inquérito policial aberto pelo STF para apurar fake news que ameaçam integrantes do tribunal. “[Para instaurar a ação, a Corte] burlou sorteio entre ministros e fez do gabinete pré-selecionado uma delegacia contra os inimigos da corte”, destaca Hübner Mendes.
“O STF, em resumo, erra até quando acerta. É um erro de segunda ordem, que tem a ver com sua forma de agir, não com o conteúdo. Por trás da solenidade, há quase sempre um grau de lambança que infecta a autoridade de suas decisões”, pontua. “Boas ou más, [as decisões] tornam-se imprestáveis, indignas de respeito. Na sala de aula de faculdades de direito dos anos 2000, decisões do STF eram recebidas com deferência e curiosidade. Na década seguinte, passaram a ser lidas com incredulidade e escárnio”, prossegue.
“Interpretação jurídica e jurisprudência podem ser o produto de um esforço intelectual sincero e sedimentar uma tradição. Ou podem ser uma farsa. Entre a farsa e a integridade judicial reside a possibilidade do Estado de Direito”, reforça.
“Ministros não reconhecem a emboscada que armaram para o STF. Seu caricato apego à liturgia atrapalha a visão (a deles, não só a nossa). Podem entrar para a história como os que empurraram o STF ao baixo clero dos Poderes. Ou podem fazer alguma coisa em nome das liberdades, mesmo que seja tarde demais”, pondera.