Por Claudio Lovato, jornalista e escritor –
Meu amigo Percival Motorista, veterano guerreiro das redações, telefona para contar que tem encontrado muita gente arrependida.
“Antecipada ou tardiamente arrependida, tanto faz”, ele diz, filosófico e enigmático como de costume.
“Como é que é isso, Percival?”, pergunto a ele.
“É o pessoal que, sabe como é, queria porque queria remover do poder a mandatária democraticamente eleita, mas, quando se deu conta de quem assumiria o lugar dela e, principalmente, do papel que estava fazendo no tal circo em que alguns querem botar fogo, passou, vamos dizer assim, a rever sua posição”. Percival está inspirado.
“Sei”.
“Algumas fichas caindo”.
“Talvez tenham começado a atentar para um detalhezinho besta chamado ‘legalidade’”.
Ele riu. Riu com vontade.
“É? Você acha mesmo?”, ele diz então, com a habitual entonação calma e o proverbial tom cáustico. “Pode crer que não é isso, não. Esse tema nunca esteve na ordem do dia para eles”.
“Um reposicionamento sem efeito retroativo, seria isso?”
“Por aí. Não dá para passar a borracha no que se disse ou no que se escreveu, não é? Mas de repente dá para tentar novas versões. Revisão e edição, você sabe do que estou falando. Vão ter que suar em cima de seus smartphones para reescrever suas historinhas.” Percival sem dúvida está inspirado.
“No Código Penal existe a figura do ‘arrependimento eficaz’, se me lembro bem”.
“Você e a sua nostalgia dos tempos de repórter policial, hein? Só que esse arrependimento eficaz chegou meio tarde. Vamos dizer que, de eficaz, não tem muito. E que, de antecipado, tem menos ainda”.
“Bom, e agora, Percival?”
“Muitos deles, na triste hipótese de o afastamento da líder eleita e não investigada acontecer, vão começar fazendo críticas leves e eventuais aos substitutos… ‘Substitutos’! Isso é um tremendo eufemismo, não é, compadre? A palavra é ‘golpistas’! Bom, mas essas críticas, como eu ia dizendo, essas críticas vão ficar mais frequentes e iradas, e aí vão dizer que o país não tem jeito mesmo, e vão tentar fazer de conta que não ajudaram a criar o monstro que está lá com a faixa no peito”.
“E depois…”
“Alguns vão dizer ‘errei, admito’, vão fazer o famoso ‘mea culpa’ e evitar o espelho por algum tempo. Outros, sei lá, vão posar de decepcionados e dizer que, “bom, tentei fazer a minha parte” ou então que a culpa é do Estado Islâmico, que ainda não mandou o Congresso Nacional pelos ares. ‘O problema é a classe política, não eu!’, sabe como é.”
“Esse arrependimento antecipado, ou tardio, já não sei mais, poderia ajudar é lá na Câmara, domingo, não é, Percival?”
“Esquece, irmão”, ele me diz e depois me oferece sua melhor tosse de ex-fumante recente. “Arrependimento é coisa para quem tem consciência, pelo menos um pouco”.