Por Cecília Olliveira, Leandro Demori, compartilhado de The Intercept –
Rodamos as ruas do Rio de Janeiro depois de tiroteios e achamos balas fabricadas até na Europa da Guerra Fria
Rio de Janeiro nunca soube a procedência de todas as balas que matam quase 1.500 pessoas por ano. Agora sabe. No ano passado, durante 100 dias, nós começamos um trabalho jornalístico inédito: rodamos por 27 bairros da cidade nos instantes posteriores a trocas de tiros e coletamos do chão 137 cápsulas de munição para responder, afinal, de onde vêm as balas que empilham corpos pela cidade das operações sanguinolentas e dos inquéritos intoxicados?
Encontramos ainda quentes os cartuchos do mesmo lote de fabricação que matou Marielle Franco, mas não só. Também estavam pelas vielas munições fabricadas na China, nos EUA, na Rússia, na Bósnia – a maior parte delas é proibida no Brasil. Além de munição de última geração produzida por fábricas globais, achamos ainda, surpreendentemente, cápsulas fabricadas quatro décadas atrás na Bélgica, onde pode-se ver nitidamente a marcação da Organização do Tratado do Atlântico Norte. O lote foi produzido para ser usado durante a Guerra Fria.
A partir desse levantamento do Intercept, não há dúvida: o conflito armado no Rio de Janeiro é uma carnificina de responsabilidade global.
VARRENDO AS RUAS
Era o segundo dia consecutivo de operação das Forças Armadas no Complexo do Alemão quando coletamos, em agosto de 2018, dez cápsulas de balas. A intervenção federal na cidade mostrava serviço.
Uma delas, de calibre 7,62, pertencia ao lote UZZ-18, fabricado pela Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC. Era um código familiar.
Do UZZ-18, também saíram as 13 balas 9mm que mataram a vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Pedro Gomes, em março de 2018.
Em 2015, a munição do UZZ-18 já havia matado 19 pessoas em uma chacina em Osasco e dois traficantes em São Gonçalo.