A situação da pandemia de covid-19 na Europa, o surgimento de novas variantes (como a Ômicron), a quantidade de cidadãos vulneráveis e a baixa taxa de vacinação na América do Sul devem servir de alerta para o Brasil durante os próximos meses.
Por André Biernath, compartilhado de BBC News Brasil em São Paulo
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Essa é a avaliação feita pelo médico sanitarista Jurandi Frutuoso, secretário executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Conass.
Mestre em saúde coletiva pela Universidade de Brasília e secretário de Saúde do Ceará entre 2003 e 2006, o especialista reforça a necessidade de prudência com o coronavírus, mesmo que a situação do país tenha melhorado durante os últimos meses.
“É natural que, após dois anos de completa inatividade de alguns setores, exista agora uma ansiedade pelo retorno à vida normal. Mas precisamos tomar cuidado, pois vários sinais amarelos foram ligados em algumas partes do mundo recentemente”, analisa.
Frutuoso entende que é preciso ter cautela com alguns eventos que estão por vir, como as festas de final de ano e o Carnaval. O temor é que elas estimulem o trânsito de turistas e causem aglomerações, que são um dos principais focos de transmissão do coronavírus.
“A entrada de turistas e as viagens internas entre cidades e Estados aumentam a possibilidade de aglomerações. E isso pode vulnerabilizar mais uma vez a nossa situação”, avalia.
Um passo para frente, dois para trás
Na avaliação de Frutuoso, o avanço da vacinação contra a covid-19 permitiu que o Brasil “ficasse numa situação mais tranquila”, com quedas nas médias móveis de casos e mortes pela doença desde o começo do segundo semestre de 2021.
“Mas nós ainda temos cerca de 30% da população que não está com o esquema completo ou não recebeu nenhuma dose”, calcula.
“Isso nos preocupa, pois falamos de milhões de pessoas mais vulneráveis”, complementa.
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Nessa conta, entram todas as faixas etárias, incluindo as crianças, cuja vacinação contra a covid-19 ainda não está liberada pelas autoridades brasileiras.
Se considerarmos apenas o público-alvo da campanha nacional, quase 90% dos indivíduos receberam a primeira dose e 75% estão com o esquema vacinal completo.
O médico sanitarista também chama a atenção para a baixa cobertura vacinal em outros países da América do Sul que fazem fronteira com o Brasil.
Enquanto Uruguai tem 76% da população completamente vacinada e Argentina está com 64% dos cidadãos mais protegidos, em outros países da região a campanha está bem mais atrasada. É o caso de Suriname (com 37% de indivíduos com as duas doses), Guiana (35%), Paraguai (35%) e Bolívia (33%). Os números são do site Our World In Data, que compila informações e estatísticas sobre a pandemia.
Na visão do secretário do Conass, isso representa uma segunda ameaça para o Brasil: o fluxo constante de pessoas pode fazer a situação piorar, a começar pelo aumento da taxa de transmissão do coronavírus em regiões e cidades fronteiriças.
O terceiro elemento que sinaliza um alerta para nosso país é a nova onda de covid-19 que acomete a Europa. Nas últimas semanas, esse continente foi classificado como novo epicentro da pandemia pela Organização Mundial da Saúde e alguns países tiveram que reintroduzir algumas restrições e até o lockdown.
Frutuoso lembra que, há alguns meses, a situação europeia havia ficado mais tranquila — o que, inclusive, motivou o abandono de algumas medidas, como o uso de máscaras e a prevenção de aglomerações.
“E, para completar, tivemos agora mais recentemente a descoberta da variante Ômicron na África do Sul, que traz uma constelação de mutações que ainda precisam ser estudadas, mas que podem afetar a imunidade prévia”, observa o especialista.https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/brasil-59470264/p0b6mwq0/pt-BRLegenda do vídeo,
Ômicron: por que variante detectada na África do Sul causa tanta preocupação
O que fazer agora?
E é justamente para evitar que esses fatores afetem o Brasil e façam a pandemia piorar novamente por aqui que o Conass pede prudência e cautela aos gestores públicos.
Em cartas publicadas nos últimos dias, a entidade faz dois apelos principais. Primeiro, que o Governo Federal coloque em prática a exigência de comprovante de vacinação para a entrada de viajantes no Brasil, como orientado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por ora, os passageiros que desembarcam aqui precisam apresentar apenas um teste PCR negativo para covid e uma declaração sobre o estado de saúde.
Segundo, que os gestores de cidades e Estados evitem grandes festas e aglomerações pelos próximos meses, especialmente o Réveillon e o Carnaval.
“Não é possível adotar uma decisão única para os mais de 5 mil municípios brasileiros. Mas os responsáveis pelas políticas públicas precisam considerar a realidade epidemiológica local e alguns indicadores, como a taxa de transmissão do coronavírus, o índice de vacinação e a ocupação de leitos hospitalares”, analisa Frutuoso.
“Também é importante que os gestores continuem com a vacinação e estimulem as medidas não farmacológicas para controle da pandemia, como o uso de máscara, a lavagem das mãos e a redução de aglomerações quando possível.”
“Resumindo, precisamos colocar em prática dois termos muito importantes: bom senso e responsabilidade. Todas as decisões precisam estar baseadas nas evidências científicas e seguir critérios técnicos”, completa o sanitarista.
Dois pesos, duas medidas?
Por fim, Frutuoso entende que a decisão de cancelar ou não o Carnaval, que tem gerado debates acalorados nas redes sociais, precisa estar alinhada com as demais medidas de restrição — de nada adianta uma cidade não realizar as festividades em fevereiro enquanto permite que shows, cultos e jogos de futebol com público aconteçam a todo vapor no final de 2021 e no início de 2022, por exemplo.
De acordo com notícias divulgadas nos últimos dias, mais de 70 cidades do interior e do litoral de São Paulo decidiram não realizar o Carnaval no próximo ano.
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“Se um município libera tudo e quer proibir apenas o Carnaval, isso é temerário e fragiliza a decisão”, contrapõe o secretário.
“Não se pode abrir mão das máscaras e permitir aglomerações agora se você está preocupado com o que vai acontecer em fevereiro”, avalia.
O especialista reforça que todas as políticas públicas para conter a pandemia devem ser feitas com prudência, lucidez e critérios técnicos.
“Todos nós sabemos o quanto esses dois últimos anos foram dolorosos e desgastantes. Mas o que podemos fazer, agora que chegamos até aqui?”, questiona.
“São justamente esses cuidados que ajudam a evitar que o sinal amarelo de outras partes do mundo também se acenda aqui no Brasil”, conclui.