As Águas e Maio

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Marco Aurélio Vasconcellos, artista dos mais considerados do Rio Grande do Sul, fez o relato abaixo a pedido do Bem Blogado sobre os tristes, trágicos acontecimentos em Porto Alegre e na maioria do território do seu estado natal.

Veja como o também artista das letras fala sobre uma tragédia anunciadas há 83 anos. Desgraça anunciada e postergada por aqueles que deveriam ser acurados gestores do bem público.




O pior já passou, mas estes que fecharam os olhos para a manutenção, aqueles que só visam o lucro fácil em prejuízo à natureza, infelizmente, continuam. Que não permaneceçam e que o Rio Grande do Sul seja prontamente restaurado e mantido com apuro.

Veja abaixo do texto vídeos do estado do Aeroporto. do artista gaúcho cantando sobre o acontecido e link da CNN, comparando as enchentes de 1941 como as deste ano (Washington Araújo, editor do Bem Blogado).

Por Marco Aurelio Vasconcellos, compositor e cantor regional

“Há exatamente 83 anos as águas circundantes invadiram Porto Alegre numa enchente nunca vista, agora renovada, passado tanto tempo, registrando o maior cataclismo hídrico da história de nosso país.

Muito se teve notícia da terrível enchente de 1941, cujo ápice de inundação ocorreu no dia 8 de maio daquele ano. A perspectiva temerosa de outras inundações gerou preocupação dos políticos gestores que foram se sucedendo, mas somente 33 anos depois (1974) é que foi ultimado o denominado MURO DA MAUÁ, com  extensão de 2.647 metros e 5 metros de altura, separando a Avenida Mauá dos armazéns do cais do porto, com 14 comportas e 19 casas de bombas. Estas, surpreendentemente, foram colocadas em plano baixo em relação ao Rio Guaíba, hoje denominado Lago, nomenclatura polêmica e injustificável, porque lago não possui correnteza e o Guaíba tem.

Por outro lado, ao longo do tempo, as comportas, com seu mecanismo de fechamento, e as casas de bombas jamais foram testadas. Manutenção zero. Incúria dos governos municipais responsáveis pela capital gaúcha a partir de 1974.

O incrível é que o atual prefeito da cidade, na sua plataforma de candidato ao cargo, veiculou por vídeo sua inconformidade com a gestão anterior, que teria sido contemplada com 21 milhões de Reais para obras de contenção de eventuais enchentes, não as fez e que ele as faria, o que também não aconteceu.

E no primeiro terço do mês de maio do corrente ano um dilúvio nunca visto se abateu sobre Porto Alegre, inundando bairros, ruas, casas, linha do Trensurb e até mesmo o Aeroporto Salgado Filho, que ficará inoperante, segundo previsões otimistas, até o mês de

dezembro do corrente ano.

Mas essa tragédia não foi só na capital do Estado. Várias

    cidades próximas e até não tão próximas foram devastadas, como foram os casos de Canoas, São Leopoldo, Eldorado do Sul, Estrela, Lajeado, Muçum e Roca Sales. E muitas outras seriamente afetadas, cerca de 90% de municípios, 452 cidades de um total de 497. Algo jamais visto ou sequer imaginado.

Porto Alegre, na sua porção norte, recebe um estuário de 4 rios: Jacuí, Sinos, Gravataí e Caí, que convergem para o Guaíba e este direciona o fluxo hídrico para a Lagoa dos Patos (com 265 km de comprimento e 45 km de largura média). E esta escoa para o Oceano Atlântico por um canal de 20 km de largura, entre os municípios de Rio Grande e São José do Norte. O fluxo de água é imenso para esse expressivo afunilamento.

Ao longo do tempo, a partir do século 19 e até a década de 70, foram realizados diversos e esparsos aterros em Porto Alegre, devorando-se areia das profundezas do Rio Guaíba e depositando-as nas suas margens, numa relação “antropofágica” que fez com que a cidade crescesse diante da apropriação de boa parte da enseada.

Com isso houve uma expressiva alteração topográfica. No passado as denominações de Rua da Praia e Avenida Praia de Belas tinham justificável sentido por se acharem às margens do Rio Guaíba. Hoje dele estão bem afastadas, ao ponto de um antigo compositor (Alberto do Canto) ter melodiado seus lindos versos, evocando um panorama antigo:

RUA DA PRAIA QUE NÃO TEM PRAIA, QUE NÃO TEM RIO/ONDE AS SEREIAS ANDAM DE SAIA E NÃO DE MAIÔ/ RUA DA PRAIA DO JORNALEIRO, DO CAMELÔ/ DO ESTUDANTE QUE A AULA DA TARDE GAZEOU.

Tudo isso, aliado às chuvas intensas, ao vento sul que represa o fluxo da Lagoa dos Patos e faz expandir o Guaíba, e ao descaso das autoridades governantes, norteou um hidrólogo a afirmar que o Rio Guaíba, por se encontrar comprimido, está querendo, por obra da natureza, retomar ao seu leito originário. Afirmativa de expressivo sentido.

E as águas de maio do corrente ano chegaram com uma força avassaladora. As imagens televisivas dão apenas uma ideia do acontecido. As imagens reais são aterradoras. Autênticos cenários de guerra. Após serenarem as chuvas e decrescer o acúmulo hídrico, pode se ver, na zona Norte de Porto Alegre, marcas de barro com 2 metros de altura nos prédios domiciliares (casas e edifícios) e empresas comerciais e industriais, o que também pode ser visto na vizinha Eldorado do Sul. Os entulhos de móveis, utensílios e até mesmo de máquinas não tão pesadas elevam-se a 3 metros altura.

Incontável o número de desabrigados no RS. Estima-se em cerca de 537 mil. O número de mortos é de 175 e 89 desaparecidos. Oito mil carros restaram totalmente submersos, sendo considerado como de perda total.

Na empresa Localiza, junto ao Aeroporto Salgado Filho, cerca de 100 veículos ficaram submersos quase até o início das capotas. Todos sem seguro, porque este só é feito quando se concretiza a locação deles. Uma gaúcha que residia em New Orleans por ocasião da devastação provocada pelo furacão Katrina e que presentemente mora em Porto Alegre, afirmou que a destruição da cidade americana foi bem inferior à acontecida em Porto Alegre, e que a reconstrução daquela demandou 10 anos. Isso dá uma ideia do que nos espera pela frente.

Esse o panorama sobre o infausto acontecido na extremidade sul do país e, especialmente, num Porto Alegre, agora triste!

Com o denodo, valentia e perseverança que sempre caracterizaram nosso povo, haveremos de nos reerguer e recolocar nosso amado Rio Grande do Sul no cenário produtivo do país.

Para ilustrar parte do conteúdo aqui textualizado, ajuntarei pelo menos dois vídeos aéreos da devastação ocorrida na capital gaúcha e em suas cercanias.”

Marco Aurélio canta aqui o triste acontecimento.

Imagens do Aeroporto Salgado Filho, Porto Alebre, em 21 de maio

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