Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
É inegável que existe inquietação, ainda que visivelmente minoritária, no PT e em outros setores de esquerda com as movimentações de Lula em direção ao centro e mesmo à centro-direita para articular candidatura e posterior governabilidade na Presidência da República. Lula escancarou, para quem fingia não acreditar, que quer o ex-governador paulista Geraldo Alckmin como seu companheiro de chapa. E assim será, salvo em caso de imenso imprevisto.
Longe de ser imune ao erro, como todo ser humano é, mais uma vez o ex-presidente da República parece que acerta. Lula é craque em sentir a direção do vento e as mais recentes eleições em outros países indica que o caminho a seguir não é o da radicalização utópica.
Comecemos aqui mais de perto, no Chile. O jovem Gabriel Boric derrotou os partidos tradicionais e a extrema-direita com um leque de apoios que foi do tradicionalíssimo Partido Comunista Chileno, mais duro, até o moderadíssimo Partido Socialista Chileno dos tempos atuais. A adesão do PS foi muito importante no segundo turno para enfrentar a ameaça da volta do pinochetismo.
Lembra alguma coisa do embate próximo com o governo genocida aqui, não? É verdade que a candidatura de Boric nasceu embalada pela aliança de partidos de origem diversas, mas sempre de esquerda, com movimentos sociais e o PC, mas Boric revelou-se, mesmo jovem, mestre na arte de aglutinar todos aqueles que não queriam o retrocesso medieval no Chile.
Domingo, foi a vez dos portugueses irem às urnas, após a fratura da “Geringonça”, um ajuntamento do PS com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português que garantia a governabilidade do PS.
O desacordo sobre o Orçamento proposto pelo PS forçou a antecipação da eleição legislativa. E, ao contrário do que supunham BE e PC e mesmo os institutos de pesquisa, o PS obteve uma vitória esmagadora, que lhe permite maioria absoluta no Parlamento.
O eleitorado português, diante da possibilidade de a direita convencional retomar a direção do país, optou por manter a esquerda de tinturas suaves. Perderam a direita tradicional, a custo também do crescimento numérico do partido fascista Chega, e as agremiações mais à esquerda no espectro politico, notadamente o Partido Comunista.
É lógico que cada País tem a sua especificidade política, principalmente em se comparando Europa e América do Sul, e por isso é indevido transplantar automaticamente situações de um para outro. Mas é inegável também que as antigas fórmulas dos partidos tradicionais de esquerda agonizam em muitos lugares em que foram uma fortaleza.
Os Partidos Comunistas clássicos de Portugal, Espanha, França e Itália, por exemplo, são hoje forças laterais no tabuleiro de seus países. Históricos, heróicos em muitos momentos, mas superados no mundo que mudou.
O PT, embora abrigue ainda saudosistas de um tempo que não existe mais, não nasceu com os vícios da ortodoxia, pelo contrário, inovou na prática da democracia interna e sempre abrigou correntes que assumem o compromisso de marchar com a decisão da maioria e, principalmente, orbita em função de Lula ser o único líder popular que tem inserção no Brasil inteiro.
Lula sabe que reconstruir o Brasil depois da destruição civilizatória promovida pelo governo genocida será ainda mais difícil do que a tarefa assumida em seu primeiro triunfo presidencial.
Sim, o País está em frangalhos em todas as áreas, a fome vencida nos governos petistas desgraçadamente voltou para muitos milhões de compatriotas. Entre os vários “sem” que povoam o Brasil, a existência dos “sem prato” envergonha a consciência nacional.
Sozinha, a esquerda, infelizmente, não tem como recobrar a cidadania que a extrema-direita tomou de muitos. Todos aqueles que concordam com um programa de reconstrução cabem no projeto de Lula.
Aos 76 anos, o homem está sintonizado como sempre nas necessidades de seu povo e nos ventos lá fora.
Foto: Ricardo Stuckert. Lula na votação municipal de 2020, São Bernardo do Campo.