A queda das folhinhas do calendário

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E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, na coluna “A César o que é de Cícero”, lembra das folhinhas de calendário, daquelas cujos dias caiam como as folhas de uma amendoeira. E as folhas vão caindo cada vez mais rápidas. O César, que é mais jovem (ronda os 50) achou que 2024 se arrastou. Não vi assim. Achei que 2024 passou com tanta velocidade que deveria ser multado (Washington Araújo).

Será que ainda existem aqueles calendários de folhinhas? Não me refiro apenas aos mais simples, que tinham apenas uma ilustração e os meses dos anos impressos na cartolina, misto de calendário e publicidade. Alguns anos atrás ganhei um desses no açougue perto de casa, acho que foi a última vez que vi desses artigos por aqui. Agora os calendários são imantados, servem para ficar nas geladeiras.





Eu me refiro aos calendários que vinham com uma espécie de bloquinho. Cada dia você retirava uma folha e assim se sucediam os dias, os meses, o ano. Era engraçado ler as biografias dos santos, essas coisas. “Santa Edwiges, a padroeira dos endividados”, “Santo Onofre, o padroeiro da fortuna”. Valei-me, Deus.


E assim se percebia a passagem do tempo de uma maneira bem peculiar, fora da hora dos relógios, dos apitos das fábricas, dos sinais das escolas. Lia-se o passar do tempo, além da noção dos tempos idos.


De vez em quando o pessoal lá de casa se esquecia de arrancar as folhinhas. Para acertar o passo com o tempo a gente era obrigado a arrancar umas cinco de uma vez, deixando passar com o gesto a biografia de um santo menor, a chegada da lua cheia, o início das marés, uma curiosidade de um dia de não sei quem.


2024 está quase no fim. Houve momentos em que duvidei que o ano viria a se findar. Eu brincava e dizia que era mais fácil se chegar a 2027 do que ao fim de 2024. No exagero, como sempre, havia um fundo de verdade. Agora só faltam umas sete folhinhas, pelas minhas contas.
Felicce 2025!
Deixo a vocês este poema.

Retrospectiva Introspectiva 2024

Eita ano esquisito este de 2024
Encompridou-se, não quis descer do palco
Mas com tudo é finito, tal qual as dores e os amores
Este ano, mesmo taludo, foi perdendo as cores
E em breve virá a vida nova!

2024 não pode ser esquecido, entretanto
Foi o ano em que Eduardo Paes, o que nunca foi santo
Exagerou na malandragem
E no apagar das luzes de 2024 passou com folga
O seu pacote de maldades

E a greve bateu na trave
E as trevas soaram graves
E os professores com as notas no sistema
Já lançadas
Não pudemos fazer quase nada
Engolimos sapos como rabanadas

Cá entre nós, quanto mais se fala em Educação assim por cima
Menos se respeita o profissional da educação aqui por baixo (dane-se a rima!)
Até que um dia, nós, cansados de tanta lida
Pensemos apenas em desfrutarmos a aposentadoria

Mas esta situação não é de hoje nem de ontem e não mudará amanhã
E lutar com palavras é luta tão vã!

E no plano pessoal
Pela primeira vez rondou-me um câncer
De pele, simples, mas câncer (dane-se a rima!)
Foi-se o tempo em que eu podia
Morrer aos poucos com bebida
Morrer aos poucos com cigarro
Já não consigo, já não quero
Falo como Falstaff ou como qualquer membro do staff dos falsários:
Deem-me vida!
E um novo calendário!

E que o ano de 2025
Venha nos trinques
Venha nos trincos
A furar o teto do nosso barracão de zinco

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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