As jogadas do Jaburu
Por Marco Aurélio Vasconcelos, cantor e compositor gaúcho
Dorval foi meu amigo de adolescência, embora um pouco mais velho do que eu. Gaúcho de Porto Alegre, era conhecido como Jaburu e entregava viandas para uma fornecedora de comida da Travessa 24 de Maio, onde jogávamos futebol com bola de meia.
Ele já era um astro: ninguém conseguia tirar a bola dele, que fazia filas e marcava com facilidade os seus gols. Formamos um time para jogarmos contra um outro da Travessa Tuiuti, onde havia um terreno baldio.
Como o Jaburu jogava muito e desequilibrava a nosso favor uma pelada de bola, o pessoal da Tuiuti não permitiu mais que ele jogasse na “linha”. Só como goleiro. Mesmo assim, ele fechava o arco e cada passe que ele nos dava lá na frente era meio gol. E dificilmente perdíamos.
Não demorou muito tempo ele foi jogar nos juvenis do Grêmio e dali foi para o primeiro time do hoje extinto FORÇA LUZ, de onde foi direto para o Santos, já com o nome de Dorval, formando com Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe um dos melhores ataques que o Brasil já teve.
Trago comigo grandes recordações do Jaburu-Dorval e estou super pesaroso com sua partida pelo túnel da vida.
O Enviado da Legalidade
Por José Carlos Cotta, enviado pelo amigo João Lopes via WhatsApp
” Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe formaram a mais famosa linha de ataque de um clube da história do futebol. Mas poucos conhecem o drible involuntário que fez de Dorval o pivô acidental de um decisivo episódio político do Brasil. Em 1961, o país assistiu perplexo à renúncia do presidente Jânio Quadros.
Primeiro na linha de sucessão, o vice João Goulart era malvisto pelos militares e conservadores, que o acusavam de ser comunista. Para reforçar as suspeitas, Jango se encontrava em viagem à China no momento da renúncia do presidente.Para resistir ao golpe em gestação, o governador do RG do Sul, Leonel Brizola, convocou a população para lutar pelo cumprimento da Constituição e, por tabela, por Jango.
Para divulgar a resistência, Brizola criou a Rede da Legalidade, formada por centenas de emissoras de rádio, com sinal irradiado a partir do Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho. Mas o movimento era desconhecido acima do Paraná. Até que o time do Santos passou por Curitiba.
Sabendo disso, um brizolista voou até lá. Ele conhecia o também gaúcho Dorval. Naquele momento, todas as comunicações a partir do Sul estavam interrompidas. E todas as bagagens rumo ao sudeste ou a outras regiões eram minuciosamente revistadas. Menos, claro, as de celebridades como eram os jogadores do Peixe.
Foi então que o emissário de Brizola abordou o ponta-direita da famosa linha. Ele pediu a Dorval que transportasse algumas caixas para São Paulo. No desembarque, uma pessoa retiraria a encomenda. Assim foi feito. Sem saber o conteúdo, Dorval trouxe para São Paulo filmes, fotos, jornais e relatos da resistência em favor de Jango.
Dias depois, o vice era empossado. Para driblar as suspeitas em relação a ele, o país implantou um sistema parlamentarista, de duração bem efêmera.
Meio século mais tarde, o Santos de Neymar decidiu a Libertadores contra o Peñarol no Pacaembu. Dorval estava lá. Ao encontrá-lo, não resisti e fui checar com ele a incrível história.
E a resposta foi como um drible daqueles que Dorval usava para entortar marcadores. “Meu filho, lembro das caixas. Mas se lá dentro tinha jornal, fotografia ou maconha, nunca fiquei sabendo”.