Há uma longa luta pela frente, para recuperar a normalidade. Mas um pouco de aprofundamento intelectual da mídia ajudaria nessa caminhada.
Por Luis Nassif, compartilhado de seu Blog
Em seu “Como as democracias morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt acentuam o maior dos riscos democráticos. Dizem eles que as democracias contém vulnerabilidades óbvias, como os pactos partidários, o compartilhamento dos cargos públicos, a necessidade de financiamento das campanhas eleitorais. A democracia fica ameaçada quando se exploram essas vulnerabilidades no chamado “jogo duro constitucional” – que consiste não apenas em punir infratores, mas em levar aos limites as normas legais com o intuito de destruir o adversário, transformado em inimigo.
William Waack é um grande jornalista, um dos melhores do país. Por isso mesmo, é assustadora sua dificuldade em entender a lógica das democracias liberais, com seus vícios e virtudes, exposta de maneira didática e objetiva por Lula, na entrevista concedida à CNN.
Em um sistema democrático, a governabilidade depende de pactos políticos, de alianças. E a moeda de troca é o compartilhamento do poder. Por outro lado, o financiamento de campanhas induz ao uso da máquina pública em favor dos partidos do pacto.
Quando o aliado indica alguém para um cargo, compete ao presidente analisar seu conhecimento e sua idoneidade. E, depois, azeitar a fiscalização para coibir irregularidades.
No caso da Petrobras, os diretores indicados eram funcionários de carreira, com décadas de trabalho na empresa. Como lembrou Lula, nem a imprensa, nem o Ministério Público Federal, nem a Polícia Federal tinham qualquer registro negativo deles.
Provavelmente atuaram no governo Fernando Henrique Cardoso, alguns no governo Collor, passaram pelo governo Lula e chegaram a Dilma. O que a Lava Jato fez, com o endosso da mídia e do Supremo, foi praticar o “jogo duro institucional”. E qual o ponto de ebulição, a pior manifestação do “jogo duro institucional”: o impeachment. Essa declaração, aliás, foi dada pelos autores em palestra no próprio Instituto Fernando Henrique Cardoso.
A Lava Jato chegou onde chegou devido a um enorme conjunto de medidas tomadas nos governo Lula e Dilma, visando justamente o combate à corrupção. Lula listou todas as medidas e Waack deixou por isso.
Waack não ficou nisso. Para rebater os comentários sobre os prejuízos trazidos pela Lava Jato, quebrando empreiteiras e destruindo empregos, limitou-se a declarar que as empreiteiras brasileiras só conseguiam contratos através do suborno. Como pode um ex-correspondente internacional não saber das obras levantadas no exterior pelas empreiteiras brasileiras, nos aeroportos construídos nos Estados Unidos, nas hidrelétricas, nas disputas na África com empreiteiras chinesas.
Continuou com demonstrações nítidas de ignorância, ao insistir que Lula não foi inocentado, apenas as condenações foram anuladas. Ignora o princípio da presunção da inocência. Ignora também que mais de vinte processos de Lula foram transferidos para outros juízes – depois que o STF condenou a parcialidade do juiz Sérgio Moro -, com todas as provas levantadas pela Lava Jato. E, em todos os casos, os juízes não viram elementos que permitissem a condenação de Lula.
Finalmente, quando discute a política econômica de Lula, insiste em um bordão só aceito em jovens focas do jornalismo econômicos: a ideia de que não pode haver investimento público enquanto não houver equilíbrio fiscal. Como ele imagina que se consegue aumento de arrecadação? Efetuando cortes? Eliminando empregos? Cortando recursos sociais? Não há nenhum esforço em entender a lógica da economia, a relação entre investimento e poupança. Basta repetir bordões.
E comete uma desonestidade intelectual – não por culpa dele, mas pelo hábito de aceitar como verdade acabada qualquer declaração de economistas ortodoxos – ao debitar a Lula os problemas ocorridos no governo Dilma. Ora, Lula deixou o país com superávit fiscal, com crescimento econômico, com reservas cambiais robustas. É falsificação intelectual estabelecer relações de causalidade entre as medidas que salvaram o país da crise de 2008 e a crise de 2015.
Não se ficou nisso.
Alguns analistas da CNN apontavam o erro fatal do BNDES ao praticar taxas abaixo da Selic, como se a distorção estivesse nas taxas do BNDES e não na Selic. Desde sempre, as taxas do BNDES procuravam seguir os padrões internacionais de financiamento de longo prazo, para conferir um mínimo de isonomia às empresas brasileiras. Segundo os bravos analistas da CNN, ao operar assim, o Banco Central atrapalhava os negócios do mercado – mercado é meio; BNDES é meio; investimento é fim.
Depois insistem que “nós” pagamos a diferença entre as taxas do BNDES e as taxas Selic (que remuneram a dívida pública), como se o normal fosse a Selic. Há uma longa luta pela frente, para recuperar a normalidade. Mas um pouco de aprofundamento intelectual da mídia ajudaria nessa caminhada.