As leis que Tarcísio de Freitas desrespeitou ao tentar substituir livros do MEC por conteúdo digital

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O GGN recebeu, com exclusividade, os argumentos do Ministério Público Estadual sobre a digitalização de livros didáticos para alunos da rede pública.

Por Camila Bezerra, compartilhado de Jornal GGN




Crédito: Marco Galvão/ Alesp

Desde 1º de agosto, quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), decidiu deixar o Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) para digitalizar o material escolar destinado aos estudantes da rede pública, uma grande polêmica se formou sobre o assunto.

A medida, tomada sem debates com docentes, virou alvo de críticas da comunidade acadêmica e foi parar nos tribunais. Na última quarta-feira (16), o juiz Antonio Galvão de França, do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que o governo de São Paulo use os livros didáticos do MEC, em resposta ao pedido protocolado por deputados e vereador o PSOL [Confira a notícia aqui].

Tarcísio, finalmente, recuou e cancelou a compra de 200 milhões de acessos a 68 títulos digitais, que seriam entregues pela empresa Bookwire.

Porém, mesmo que o governador não tivesse desistido da ideia, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) protocolou uma ação civil pública, com pedido de liminar para anular a decisão, visto que a decisão de gabinete é inconstitucional e “afronta a dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, desrespeita metas e estratégias vinculadoras do Plano Nacional de Educação (Lei Federal 13.005/2014) e do Plano Estadual de Educação (Lei Estadual 16.279/2016), além de violar outros dispositivos legais”, informou o órgão”, em razão de suposta “superficialidade” do material didático disponibilizado pelo MEC e o desejo de substituição por material exclusivamente digital, padronizado, produzido pela própria Secretaria Estadual de Educação”.

Exclusão imotivada

Ao longo do documento de 73 páginas, o MPSP reitera, diversas vezes, a falta de pesquisas que justifiquem a decisão, caracterizando-se como uma “exclusão imotivada”. Assim como ressalta a qualidade das obras selecionadas, avaliadas e adquiridas pela pelo MEC, que tem uma metodologia para tanto.

“Não há registro, portanto, de procedimento administrativo prévio a justificar decisão que afeta milhões de estudantes e milhares profissionais da educação, com análises formais sobre os impactos do PNLD na política educacional paulista e, consequentemente, dos impactos decorrentes de sua supressão. Não há,
do mesmo modo, procedimento administrativo que documente a existência de debate e/ou consulta devidamente esclarecida à rede pública de ensino paulista sobre a interrupção de programa historicamente consolidado e sobre sua substituição por novo modelo”.

Até o pedido de exclusão do Estado no PNLD não está em conformidade legal. De acordo com o Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, a solicitação para que o governo de São Paulo deixasse o programa deveria ser feita por ofício.

“Por qualquer ângulo que se analise o ato administrativo da Secretaria Estadual de Educação que excluiu a rede pública de ensino do Programa Nacional de Livros Didáticos, evidencia-se sua inconstitucionalidade, ilegalidade e consequente nulidade, notadamente diante da ausência de adequada motivação do ato administrativo e de válida formação da decisão final”, afirmam os promotores de justiça e desembargadores que assinam a ação.

Educação democrática e plural

O documento cita, ainda, o artigo 206 da Constituição, que garante o princípio da gestão democrática do ensino público, presente também na Lei de Diretrizes e Bases (arts. 3º, VIII e 14), no Plano Nacional de Educação (arts. 2º, VI, e 9º da Lei 13.005/2014) e no Plano Estadual de Educação de São Paulo (art. 2º, VI, da Lei 16.279/2016).

Tanto o Plano Nacional quanto o paulista de Educação determinam um prazo de dois anos para tamanha mudança, que deve ser embasada por critérios técnicos de mérito e desempenho e participação da comunidade escolar em tais situações.

Já aos profissionais de educação está assegurado o direito de ter liberdade de escolha sobre o uso de materiais e de procedimentos didáticos, conforme a Lei Complementar 444/1985, no artigo 61. Até o conselho escolar tem o direito de opinar sobre o material didático disponibilizado ao aluno.

O MPE aponta ainda que, conforme a Constituição Federal, artigo 3º, consta a “exigência de planejamento, organização colaborativa e em sistema nacional guarda relação direta com os objetivos constitucionais da República, especialmente aqueles de redução das desigualdades sociais e regionais e de desenvolvimento nacional”.

“Assim, a educação brasileira não é organizada em regime de competição e ranqueamento a partir de avaliações padronizadas de ampla escala, mas em regime de colaboração e sistema capaz de organizar a atuação dos entes federados para assegurar o que seja de interesse comum em âmbito nacional.”

Liberdade de aprender

Ao optar por um material padronizado e digital, Tarcísio suprimiu o direito de escolha dos educadores e impôs uma restrição ao acesso a materias didáticos e diversificados dos alunos, causando assim uma violação a princípios contitucionais e legais “que asseguram liberdade de cátedra, liberdade de ensinar, aprender e pesquisar, além de contrariar os ditames de pluralismo de ideias e concepções
pedagógicas”.

“Não se pode privar o estudante, inclusive, de analisar criticamente o conteúdo apresentado de forma esquematizada e digital, sendo certo que, para tanto, o material didático diversificado, também para uso individual, é ferramenta fundamental”, informa o documento. “Ao fim e ao cabo o que se tem é uma decisão vertical que, injustificadamente, impede alunos e professores de acessarem e utilizarem material
didático garantido por uma política pública federal no processo ensino-aprendizagem deixando em seu lugar um conjunto de slides de qualidade duvidosa, alvo de críticas por especialistas no tema.”

A ação mostra ainda o posicionamento da Sociedade Brasileira de Ciências, que aponta os prejuízos causados por um ensino exclusivamente digital, critica o fato de que o governo desconsiderou experiências internacionais depaíses desistiram da educação 100% digital devido à queda de aprendizagem dos alunos, e também a negligência em relação às desigualdades que conteúdos digitais provocam, tanto no fato de que alunos até o quinto ano permaneceriam com acesso ao material do MEC, enquanto os discentes do nono ano em diante não, quanto às necessidades individuais. Nem todas as escolas têm acesso à internet e muitos alunos também não contam com ferramentas digitais para dar continuidade aos estudos em casa, como já mostrou o ensino à distância praticado durante o isolamento social na pandemia de Covid-19.

Confira o documento na íntegra:

Ação Civil Ministério Público de São Paulo

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