Por José Dias do Nascimento e colaboradores, compartilhado de Jornal GGN –
Uma questão relevante e científica, neste momento, é estudar os efeitos coletivos emanados dos decretos nas redes de contágio do COVID-19 e, apesar das limitações já conhecidas, da taxa de transmissibilidade R(T).
Pesquisadores Envolvidos Dr. José Dias do Nascimento (Física — UFRN); Dr. César Rennó-Costa (IMD-UFRN); MsC Leandro Almeida (Física — UFRN); Dr. Renan Cipriano Moioli (IMD — UFRN), Dr. José Soares (Física — UFC), Dr. Humberto Carmona (Física — UFC), Dr. Wladimir Lyra (NM, USA). Dr. Ion de Andrade (SESAP/RN)
Nas últimas semanas passamos por processo de flexibilização das condições de isolamento e reabertura do comércio em um momento onde, índices objetivos de ocupação de UTI e de transmissibilidade R(T), não comportavam uma decisão nesse sentido. Uma questão relevante e científica, neste momento, é estudar os efeitos coletivos emanados dos decretos nas redes de contágio do COVID-19 e, apesar das limitações já conhecidas, da taxa de transmissibilidade R(T). A mesma, se mostra fiel aos movimentos representativos de efeito coletivo que impactam no andamento da epidemia.
As atividades de mitigação da comunidade (também chamadas de intervenções não farmacêuticas) são ações que pessoas e comunidades podem adotar para retardar a propagação de doenças infecciosas e os decretos visam a imposição das medidas pelos gestores.
Neste momento, a abordagem da maioria dos estados produz uma da gangorra, que tem sido chamada de “o martelo e a dança” (Tomas Pueyo — Medium), onde “o martelo” interrompe tudo por meio de bloqueios apresentados por decretos e “a dança” aceita um número relativamente grande de mortes, enquanto mantém a economia funcionando e a R(T) variando de forma sinuosa. A ideia de alguns é de continuar alternando o martelo e a dança, até que uma vacina seja desenvolvida, é humanamente inaceitável.
As marteladas dos decretos, quando absorvidos pela população, devem funcionar como impacto preciso, batendo na curva da transmissibilidade para dobrá-la no sentido do controle do contágio e R(T) < 1. Chegando-se a esta fase, deve-se monitorar índices que representam uma estabilização do espalhamento. Na fase da dança, a transmissibilidade R(T) reflete as contaminações geradas por movimentos periódicos como finais de semana ou feriados prolongados, porém uma dança com R(T) acima de 1 é letal.
E este R(T)? A origem do R, R0 e R(T) é uma só. Utilizado há quase um século na demografia, R originalmente mediu a reprodução de pessoas para informar se se uma população estava crescendo ou não. Na epidemiologia, o mesmo princípio se aplica, mas mede a propagação da infecção em uma população. Se R for dois, duas pessoas contaminadas infectarão, em média, outras quatro, que infectarão outras oito, e assim por diante. A medida permite que os modeladores calculem a extensão da propagação, mas não a velocidade com que a infecção cresce. Somente em situações de testagem regular da população de um país inteiro é que poder-se-ia dizer algo seguro sobre o R0. Logo, na maioria dos casos os epidemiologistas não podem medir R diretamente. Por isso, é geralmente estimado retrospectivamente.
Uma variante de R, R0 assume que todos na população são suscetíveis à infecção. Isso geralmente não é verdade, mas pode ocorrer quando um novo vírus, como o SARS-CoV-2, surge. No entanto, nos dias de hoje quando se análise uma epidemia que ainda não terminou, os cientistas usam outra variante chamada de Rt (às vezes chamada Re, ou ‘R efetivo’), que é calculada ao longo do tempo à medida que um surto se propaga. É preciso lembrar que Rt e R0 são indicadores calculados a partir do número de casos ou óbitos, e dependendo do modelo obviamente não leva em conta algumas variáveis complexas da dinâmica social de uma população (geografia, aspectos culturais, entre outros). Porém, em populações tipicamente homogêneas pode ser sim um indicador bastante útil. No nosso caso, usamos R(T) como o índice de transmissibilidade efetiva, com média de 20 dias e de 7 dias.
Na nossa análise do R(T), o que vemos é um efeito rápido, pontual em torno das datas de vencimento dos decretos, que funciona como um martelo naquele ponto. Apesar de contraintuitiva, o que denominamos aqui de “efeito ricochete” é decorrente do efeito coletivo pré renovação e pós renovação do decretos que aumenta a circulação e, consequentemente, o contágio.
Desta forma, quanto mais curto o tempo entre os decretos, menor sua eficacia. Em resumo, várias marteladas leves, não substitui uma martelada forte e são as atuações via decreto que causa a sinuosidade da curva de contágio numa espécie de dança em torno do R(T) médio, como mostrados nas Figuras abaixo para todo o estado do Rio Grande do Norte e do Ceará, assim como, para as cidades de Natal, Mossoró e Fortaleza.
Conclusões
- Diferente do Efeito Boomerang que acontece como uma segunda onda em escalas de tempo maiores, registramos aqui o efeito por nós denominamos de “efeito ricochete” que é de curta frequência decorrente do ação coletiva pre, e pós decreto na população do RN e do CE. Isto é valido para praticamente todos os estados do Nordeste do Brasil. O vai e vêm de contágios em curto espaço de tempo é como uma pedra que recocheteia na superfície da água quando lançada em alta velocidade. O Primeiro salta é maior e depois os saltos menores, e ai outra pedra é lançada e sempre aparece um novo ricochete.
- As pressões pela retomada das atividades no RN e em outros estados, seja pelos setores econômicos ou pela sociedade em geral, representa um evento de ruptura quebrando o ciclo do efeito ricochete estabelecido. É o que devemos observar nos próximos dias do mês de Julho de 2020 no RN.
- O teste aqui feito foi crucial para entender que a R(T) da forma que nós estamos calculando no MOSAIC (UFRN) recupera eventos de curta e longa duração. Isto fortalece nosso procedimento de cálculo.
- Decretos curtos não surtem efeitos positivos e podem piorar a situação.
- A preparação educacional de saída do decreto é um ponto crítico.
- Os decretos modificaram muito mais a transmissibilidade nas capitais. A curva R(T) para Natal apresenta sinuosidade maior que Mossoró. Efeitos da mesma natureza foram encontrados no CE com relação a Fortaleza
Referências
- The state decrees hammering and the dance of COVID-19 transmissibility https://medium.com/@jd.donascimento/the-state-hammering-decrees-and-the-dance-of-covid-19-transmissibility-93578903f399
- Coronavirus Articles: Endorsements and public shares https://medium.com/@wlyra/coronav%C3%ADrus-porque-o-isolamento-por-idade-n%C3%A3o-funciona-898d0a4a0d5b
- Coronavírus: Por que o isolamento por idade não funciona MOISAIC Code: https://medium.com/@wlyra/coronav%C3%ADrus-porque-o-isolamento-por-idade-n%C3%A3o-funciona-898d0a4a0d5b
- COVID-19 pandemics modeling with SEIR(+CAQH), social distancing, and age stratification. The effect of vertical confinement and release in Brazil. Wladimir Lyra, Jose Dias do Nascimento, Jaber Belkhiria, Leandro de Almeida, Pedro Paulo Chrispim, Ion de Andrade doi: https://doi.org/10.1101/2020.04.09.20060053