As noites de Sara

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Por Rene Ruschel, Carta Capital – 

Obrigada a evitar a luz do sol, a menina sonha em escrever um livro e visitar Paris




Sara
“Não fui feita para estar lá fora, mas aqui dentro”, resigna-se Sara do Nascimento, que portadora de uma doença rara chamada xeroderma pigmentosa

O sol nasce para todos, menos em Aventureiro, periferia de Joinville, nordeste de Santa Catarina. Aos 14 anos, estudante do 9º ano do ensino fundamental, Sara do Nascimento não vive a rotina da maioria de seus vizinhos, guiada pela trajetória do astro que os gregos acreditavam ser uma biga conduzida pelo deus Apolo. Portadora de uma patologia rara, xeroderma pigmentoso, também conhecida por XP, a garota vive a maior parte do dia entre quatro paredes, protegida do sol e da luz ultravioleta.

Os portadores de XP têm alta susceptibilidade ao câncer de pele e extrema sensibilidade à luz solar. O corpo não consegue corrigir os danos na molécula de DNA causados pelos raios ultravioleta. Essas lesões acarretam a morte das células ou geram mutações, que se acumulam no material genético do paciente e podem levar ao aparecimento de câncer nas regiões da pele expostas ao sol. Nas situações mais graves, é necessário evitar por completo a exposição, caso de Sara.

Os primeiros sintomas apareceram aos 2 meses de vida. A mãe percebeu que pequenas manchas brotavam na pele ressecada do bebê e os olhos da criança lacrimejavam com facilidade quando expostos à luz. Aos 11 meses veio o diagnóstico. Desde então, Sara vive em um mundo particular e único, praticamente sem ver a luz do sol.

Até agora foram nove cirurgias para a remoção dos carcinomas de pele. A cada 60 dias a menina realiza exames onde cada milímetro do corpo é vistoriado e examinado. Há dois anos não aparecem marca ou sinal estranhos. Na residência da família, presente de um programa de televisão, os vidros das janelas são cobertos por uma película escura e reforçadas por grossas cortinas. Além das visitas ao hospital, Sara só deixa sua casa para ir à escola. O corpo é completamente umedecido com fortes camadas de protetor solar e coberto com roupas especiais, além de luvas, chapéu e óculos escuros. As salas de aula e de informática e a biblioteca do colégio foram adaptadas às necessidades da estudante. Películas, cortinas permanentemente fechadas e o ar condicionado recriam o ambiente ideal. Dispensada das atividades de educação física ou externas, ela corre para a biblioteca, seu local preferido.

Apesar das limitações e de outro drama familiar, Sara parece feliz. A única irmã, Maria, de 9 anos, possui deficiência global neurológica e psicomotora, associada a crises convulsivas. “Maria é o meu melhor presente. Tê-la comigo 24 horas como irmã, companheira e amiga é maravilhoso.” Ambas frequentam a Escola Municipal Profª Eladir Skibinski, há menos de 500 metros da residência, uma das referências nacionais no ensino inclusivo.

Como qualquer adolescente, Sara sonha e faz planos para o futuro. Leitora voraz, nos últimos 45 dias leu nove livros. “Adoro estar em uma biblioteca. Na escola, sei onde está cada livro e conheço todas as estantes.” Ela evita, no entanto, ler a respeito da doença. O que sabe veio das explicações dos médicos. Cinéfila, assiste o que pode pela internet, onde mantém um blog para contar sua rotina, publicar sinopses de livros e escrever sobre a vida (www.ssaraaas.blogspot.com).  Sonha em estudar letras, filosofia e teologia, e elabora o esboço e roteiro do livro que pretende publicar. A história se passa no século XVIII e tem como protagonista Alexia, menina de 16 anos que vive na companhia do tio e perde a memória. Alexia culpa o tio pela amnésia. E este, apesar de não ser o culpado, deseja que a sobrinha não recupere a memória e se lembre de um passado de dor e sofrimento.

Sara também sonha conhecer Paris. Duas miniaturas da Torre Eiffel enfeitam a cabeceira da sua cama e sustentam sua esperança de um dia cruzar o Atlântico até a cidade de Balzac e da baguete. Quanto ao fato de viver isolada do mundo exterior, exibe resignação e resiliência: “Não fui feita para estar lá fora, mas aqui dentro”. Os colegas de escola são os únicos contatos fora do núcleo familiar. Ela sabe da existência de alguns vizinhos, mas não os visita, e à exceção dos parentes, pouco recebe em sua casa. Prestes a completar 15 anos, fez apenas um pedido aos pais: em comemoração, quer sair de casa, se expor à luz sem nenhuma proteção, nem que seja por alguns segundos, e se deixar fotografar com a família. “Será o dia mais feliz da minha vida.” Neste momento seus olhos brilham como o sol em um dia de verão.

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