As palavras brotam de mim, as palavras escorrem pelos meus dedos, as palavras me cercam

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Por Thelma Kai, Facebook – 

Era algo entre uma criança e uma adolescente, não me lembro ao certo, quando ouvi falar disso pela primeira vez. Alguma mulher (que não me lembro se vidente ou psicóloga ou pedagoga) disse à minha mãe que quando eu tivesse 16 anos, um talento iria desabrochar em mim.




O tempo passou e nada do tal talento, pensava comigo. Segui a vida. Estudando – o que basicamente se resumia a ler e a escrever. Sim, escrever, de tudo: respostas de Biologia, fórmulas de equações (milhares de vezes, meu Deus), resumos. Mas o que fazia meus olhos brilharem era escrever redação. As de tema livre, principalmente. Gostava de criar histórias, criar pessoas e descrever as coisas como sensações – de uma maneira que pudessem sentir o aroma do café do meu conto, se ele estivesse citado ali.

Natural, pois, que tivesse escolhido o Jornalismo como carreira. Na faculdade, passei voando pelo rádio e pela TV – não me interessavam. Desesperada por escrever. Angustiada.

Passou também a faculdade e então eu teria que viver disso, das palavras que eu escrevesse. Durante muito tempo escrevi para um jornal. Depois durante muito tempo escrevi para uma empresa. Dois lados diversos, quase antagônicos, mas da mesma moeda: textos sobre economia, bem comum, sociedade, necessidades das pessoas – e tudo permeado pela política.

Nas correrias da vida, pouco tempo tive para escrever o que eu realmente queria. Somente às vezes, quando a angústia era imensa, eu acabava escrevendo – textões para as amigas. E-mails longos, gostosos de escrever. Menos sobre fatos e mais sobre sensações, aromas, toques. As pessoas que liam esses textos sempre comentavam que eu deveria escrever mais. Nos últimos 18 meses, essa frase se tornou mais frequente. Por que você não escreve? E eu pensava: “mas eu escrevo o tempo todo, é tudo o que eu faço!”.

Há cinco dias pedi demissão. Sempre lembrando de uma expressão que ouvi ainda nos tempos de redação: pena alugada, pena alugada. Muitas vezes falei, em bate-papos de mesas de bar, sobre como o jornalismo é de certa forma uma prostituição – você vende sua habilidade de escrita, de argumentação lógica, de convencimento, para alguém que não possui essa habilidade e está disposto a pagar por ela. Mas era, na minha mente, uma prostituição “do bem” – só escrevo se estiver de acordo, se não me contrariar ideologicamente.

Há cinco dias entendi que não. Ser pena alugada, de certa forma, é como ser violentada. É deixar que uma ideia penetre em sua alma, seja acalentada e se torne um texto seu. É parir uma ideia alheia.

Entre as centenas de mensagens que chegaram até mim por causa de dois textos que escrevi – em uma sentada rápida, fácil como brincadeira de criança -, vislumbrei a motivação, a energia, a reflexão e até mesmo a decisão de mudança. Tive um certo medo – dá medo ler mensagens em que as pessoas dizem que vão fazer coisas inspiradas pelas suas palavras. Ainda mais coisas sérias, com reflexos na vida financeira delas.

Revi frases que me foram ditas em minha história, a respeito de poder. “Você não sabe o poder que tem”. “Se você soubesse o poder que possui”. Coisas assim. Que poder seria esse, afinal?

E de repente – como sempre é -, eu vi. O tal talento, o tal poder. Que estranho alguém rotular desse modo. Porque é algo simples: as palavras brotam de mim, as palavras escorrem pelos meus dedos, as palavras me cercam. A escrita é meu talento, é meu poder? Sim. E além. É minha necessidade.

Relembrei o documentário sobre Amy Winehouse, o trecho em que ela afirma ter sorte, porque pode fazer música para, de alguma forma, se libertar – e que muitas pessoas não tinham essa sorte. Me lembro de ter pensado: eu gostaria de poder fazer isso também, expiar as dores da alma por meio de algum talento.

Enfim, ao final dos cinco dias, decidi fazer duas coisas. A primeira é escrever profissionalmente o que me dá prazer – buscar escrever sobre as coisas que amo. A segunda é escrever. Ponto. Escrever, ponto. Sobre o que der na minha telha. Como as pessoas me dizem há tempos para fazer.

Sempre pensei: mas quem é que está interessado? De vez em quando vejo textos por aí, as pessoas criando crônicas do dia a dia. Raramente chego à metade – há exceções muito boas, textos deliciosos, que leio até o final, que mesmo sendo sobre a manhã de outro alguém, dialogam comigo, são textos saborosos, deliciosos – e, não deve ser por acaso, são textos de pessoas que concluíram a saudosa Unesp Bauru no ano de 1997 também.

Bom, acho que realmente interessa a alguém, pelo que pude ver nos últimos cinco dias. Foi lindo perceber como consigo, verdadeiramente, tocar alguma parte profunda das pessoas por meio das palavras que me brotam.

Então vou escrever. Já tenho pedidos sobre os textos que andei escrevendo nos últimos anos, que estão soltos por aí. Vou buscá-los também. Só estou organizando a forma disso tudo.

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