Por Malu Delgado, da DW Brasil publicado pela RBA –
Em portal do Senado, cidadãos sugerem centenas de questões ao indicado de Temer para o cargo de ministro do STF. Preocupação central é imparcialidade no julgamento da Operação Lava Jato
DW Brasil – “O senhor terá imparcialidade para julgar os que estarão o sabatinando se por ventura eles forem indiciados na Lava Jato?”, diz uma das centenas de perguntas direcionadas ao ex-ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e encaminhadas ao portal e-Cidadania, do Senado. “De qual lado ficará? Do povo, que não aguenta mais essa roubalheira dos cofres públicos, ou os protegerá com a impunidade que assola este país?”
A plataforma abriu espaço para os cidadãos sugerirem assuntos a serem abordados por senadores na sabatina de Moraes, indicado pelo presidente da República, Michel Temer, para ocupar a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Até o início da tarde de ontem (20), a maior parte dos que se manifestaram no portal mostrava preocupação com a isenção e a imparcialidade do ex-ministro da Justiça para conduzir julgamentos da Lava Jato no plenário do STF.
“Vai defender os interesses de toda nação ou dos membros do governo que estão envolvidos em esquema de corrupção na Lava Jato e de outros ainda não descobertos?”, questionou um cidadão.
Alguns optaram por comentários irônicos ou até mesmo pouco respeitosos. “Jura por tudo o que é mais sagrado que não será capacho do Executivo?”, escreveu um usuário do portal.
Confira as questões mais abordadas pelos usuários:
1) Lava Jato: vai proteger os políticos?
A grande preocupação da sociedade é com o conflito de interesses, já que Moraes teve, até o momento, forte atuação político-partidária. Foi filiado ao DEM, ao PMDB e ao PSDB. É amigo de Temer e ocupava o cargo de ministro da Justiça.
– “Como ser totalmente isento para julgar políticos que são seus amigos envolvidos em crimes de corrupção e que estão lhe indicando justamente para o lugar de relator da Lava Jato? Não concorda que isto já o deixa inapto para esta função?”
– “O senhor votará de acordo com a Constituição ou de acordo com a vontade de Temer?”
2) Indicado com cargo de confiança pode ir para o STF?
Há muitas críticas ao fato de Moraes, como jurista e professor de Direito, ter defendido na tese de doutorado, em 2000, que ocupantes de cargo de confiança não pudessem ser indicados para o Supremo.
“É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, (…) de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”, diz a tese.
– “Por que não se declara inabilitado ao cargo, uma vez que em seu doutorado posicionou-se contrariamente a nomeação de ministros de governo ao Supremo?”
– “Como o senhor vê a contradição entre sua tese defendida na USP e aceitar o convite para ser ministro do STF? Não há, claramente, uma arranjo político?”
– “Em sua tese de doutorado defendia que não poderia ser nomeado para o Supremo quem tivesse cargo de confiança no governo. Queremos saber se mudou de opinião, ou considera, também, a exemplo da nomeação do ministro Moreira Franco, seu caso uma exceção às regras?”
3) Fez plágio?
Há inúmeras perguntas sobre o trecho de um livro de Moraes que é cópia da obra do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente (1930-2016), segundo revelou a Folha de S.Paulo.
– “Você poderia explicar por que fez plágio do livro espanhol? Isso não depõe contra a exigência de notável saber para assumir o posto que pretende?”
4) Foi indicado por que ajudou Marcela Temer?
Quando era secretário de Segurança Pública de São Paulo, Moraes assumiu a condução da investigação para descobrir e prender o hacker que teve acesso aos dados do celular da primeira-dama.
– “A indicação feita pelo presidente Temer foi a forma encontrada para retribuir o pedido de ajuda no caso das fotos vazadas da Marcela Temer? Em quais circunstâncias ocorreram o acordo?”
– “O vazamento de dados do celular da primeira-dama, além de possíveis fotos, teria também áudio e vídeo que comprometiam o presidente. O secretário de segurança Moraes liderou o desmonte da extorsão e logo foi nomeado ministro, e depois para o STF. Não existe troca de favores?”
5) Por que se encontrou com senadores num barco?
Depois de indicado, Moraes participou de um encontro com oito senadores, segundo revelações da mídia brasileira, em um barco do senador Wilder Moraes (PP-GO). Teria sido uma “sabatina informal”.
– “Gostaria de saber se quando for julgar algum senador, ele aceitará o convite para um passeio de barco feito por investigados?”
6) O sr. já defendeu empresa ligada ao PCC?
– “O que o sr. ministro tem a esclarecer sobre esse fato? Para mim da maior importância tem um Juiz do Supremo longe de quaisquer suspeitas. O Brasil precisa ser passado a limpo e saber que honestidade é a base de um país.”
– “Nas redes sociais circulam ‘notícias’ dando conta de que o senhor Alexandre de Moraes foi advogado da facção criminosa PCC. Gostaria de saber se tais notícias são verdadeiras ou falsas.”
7) Foro privilegiado
– ” Qual o seu posicionamento sobre foro privilegiado?”
8) Caixa dois é crime?
– “Como o senhor entende a anistia ao caixa dois? O senhor entende como crime o caixa dois ou como chamam de caixa não contabilizado?”
9) O que pensa sobre uso de drogas, aborto e homofobia?
– “Qual o posicionamento do senhor com relação à liberação da maconha, principalmente no que tange ao cultivo caseiro da planta?”
– “Qual a opinião do indicado sobre a atual política de Portugal relacionada a drogas lícitas e ilícitas?”
– “Gostaria que o senhor falasse acerca de sua posição sobre a descriminalização do aborto em caso de fetos acometidos pelo vírus zika. O tema estará em breve em discussão no STF, e qual a sua posição?
– “Como ele se posiciona sobre os direitos LGBT? Há uma lei que criminaliza a homofobia parada no Senado e uma Adin por omissão no STF. Eu queria saber a posição dele com relação a esse tema.”
– “Dr. Alexandre de Moraes, o art. 226, § 3º da Constituição Federal reconhece a união estável entre o HOMEM e a MULHER como entidade familiar. Se à época do julgamento de ação que autorizou o CASAMENTO entre pessoas do mesmo sexo, V. Ex.a fosse Ministro do STF, como votaria?”
10) Independência entre os Poderes / Judicialização da política
– “Que análise o senhor faz acerca das recentes decisões do Judiciário que, de certa maneira, usurpam do Legislativo a função típica de legislar? Qual sua opinião para frear a ingerência do Judiciário perante a casa legislativa democraticamente eleita pela sociedade brasileira?”
Aval da CCJ
Moraes será sabatinado nesta terça-feira (21) pelos senadores que fazem parte da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Se sua indicação for aprovada na comissão e, em seguida, no plenário do Senado, o indicado vai assumir a função de relator da Lava Jato no Supremo.
O alvo central dos questionamentos da população a Moraes é a Lava Jato. Para avaliar o grau de independência política do indicado, usuários também perguntaram sobre as opiniões de Moraes em relação ao foro privilegiado para ministros e parlamentares, à prisão de réu após julgamento em segunda instância, ao segredo de sigilo para delações premiadas da Lava Jato e à criminalização de caixa dois.
Há também uma avalanche de perguntas sobre o que Moraes pensa de pautas comportamentais, como aborto, descriminalização de drogas, legalização da maconha, casamento homossexual, porte de armas e pesquisas com células-tronco.
Triagem das questões
O senador Eduardo Braga (PMDB-PA), que é o relator da indicação de Moraes na CCJ, fará uma triagem e levará em consideração as sugestões da população na sabatina, afirmou a assessoria do parlamentar à DW Brasil. Todos os senadores podem acolher as sugestões de perguntas enviadas ao Senado pelo portal e-Cidadania.
Os “sabatinadores” da sociedade foram implacáveis também com os parlamentares. “Consta que dos 13 sabatinadores, dez estão enrolados na Lava Jato”, pontuou um cidadão.
O presidente da CCJ, Edison Lobão (PMDB-MA), é citado em três inquéritos no Supremo que apuram fatos relacionados à Lava Jato, como pagamento de propina e irregularidades na construção da Usina Belo Monte e fraudes na Eletrobras. Há dúvida se o político – que foi ministro de Minas e Energia nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) – conduzirá a sabatina de Moraes.
No e-Cidadania, houve também espaço para conselhos a Moraes. “Alexandre, é tempo de sair fora antes que o caldo derrame”, disse um cidadão, afirmando que tudo no Brasil não passa de um “jogo de cartas marcadas”.