Por qual sorte de perversão linguística ou síndrome de Estocolmo continuamos chamando de ‘elites’ a esse amálgama heteróclito de sanguessugas?
CARLOS FERREIRA MARTINS, compartilhado de Opera Mundi
Ser professor e professora no Brasil destes tristes anos é uma experiência que poderá ser matéria de investigações sociopsicológicas no futuro, se ainda houver investigações ou, mais direto à raiz, se ainda houver Brasil e se a ideia de futuro ainda fizer algum sentido.
O contraste entre o que significam professores(as) e pesquisadores(as) para qualquer país que pretenda uma inserção menos subalterna no sistema econômico internacional e a forma como os poderosos deste país os estão tratando é um dos mais explícitos sintomas da nossa crise civilizatória.
Na semana em que deveríamos comemorar o nosso Dia, somos premiados com a decisão do desgoverno federal de retirar os últimos restos de recursos para a pesquisa do MCT, com a conivência do vendedor de travesseiros de sorriso abobalhado.
Mas é muito fácil – e equivocado – atribuir as responsabilidades pelo processo sistemático de destruição de todo o imenso parque de ensino público e pesquisa de qualidade que o país ainda tem, aos facínoras do círculo íntimo do capitão expulso do exército por terrorismo.
Esse genocídio político e intelectual teve e continuará tendo o aval da maioria dos “representantes do povo”, satisfeitos com a movimentação de recursos que saem do futuro do país para o futuro mais próximo das suas pretendidas reeleições, irrigadas pela desfaçatez do orçamento oculto de 3 bilhões de reais para “emendas parlamentares”. Cinco vezes mais do que o valor recém surrupiado da ciência, da tecnologia e da inovação e, portanto, do futuro da nação!
Teve também o apoio, por ação ou óbvia omissão, dos milhares de oficiais militares que estão incrustrados no aparelho estatal, alguns deles recebendo mensalmente 50 ou 100 vezes o piso salarial de um professor da rede fundamental do estado mais rico da federação.
Teve e provavelmente continuará tendo o apoio, na melhor das hipóteses por omissão, mas em geral por opção mesmo, dos homens e mulheres mais ricos do país, aqueles da lista Forbes, que não investem, não patrocinam nem apoiam as universidades brasileiras, mas criam fundações para levar oferecer bolsas nas universidades do centro do império. Que fazem doações milionárias para a reconstrução da Notre Dame de Paris e ignoram o incêndio do Museu Nacional.
Continuará tendo o apoio daqueles setores dos estamentos do judiciário e do ministério público que inventaram a falácia da Escola sem Partido para impor sua visão retrógrada e obscurantista. Que mandaram perseguir e denunciar professores. Que levaram um reitor ao suicídio enquanto alegremente falsificavam depoimentos inexistentes.
Por qual sorte de perversão linguística ou síndrome de Estocolmo continuamos chamando de “elites” a esse amálgama heteróclito de sanguessugas?
Vamos celebrar, sim, os que resistem a ser mortos de fome ou domesticados. Que o professor Renato Janine Ribeiro lembra que, em mais de 80%, são mulheres.
Então, Feliz Dia das Professoras para todos os que sabem que todo dia é dia D.
*Carlos Ferreira Martins é professor, com muito orgulho, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos