As ruínas da Lava Jato: Diogo Castor de Mattos demitido pelo Conselho do Ministério Público

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A Operação Lava Jato sofreu mais um duro golpe. Duríssimo, aliás. O Conselho Nacional do Ministério Público decidiu, por 6 votos a 5, demitir o procurador da República, Diogo Castor de Mattos, membro da força-tarefa responsável pela prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão da maioria dos conselheiros seguiu o entendimento da relatora, Fernanda Mariela de Sousa Santos.

Por René Russel, jornalista, Bem Blogado




O caso envolveu a instalação e pagamento de um outdoor, em Curitiba, onde aparece a imagem de dez procuradores federais, entre eles Castor de Mattos e Deltan Dallagnol. O painel foi estrategicamente exposto no acesso à saída do aeroporto Internacional Afonso Pena por onde trafegam diariamente milhares de pessoas.

O procurador demitido admitiu que efetuou o pagamento do outdoor, no valor de R$ 4 mil, com recursos próprios. “Bem-vindo à República de Curitiba, terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o País. Aqui a Lei se cumpre. O Brasil agradece” dizia a mensagem. Foram utilizados os dados pessoais do músico João Carlos Queiroz Barbosa para forjar o pagamento e autorização à instalação do outdoor. O músico nega autorização para isso.

Era março de 2019. O grupo dos Torquemadas das Araucárias completava cinco anos de caça às bruxas. Desde a patética sessão do PowerPoint, em setembro de 2016, quando o Ministério Público ofereceu a denúncia contra Lula “sem provas, mas por convicção” até o julgamento, onde Moro proferiu a sentença condenatória baseada “por atos de ofício indeterminados”, a trupe viveu seu apogeu.

Agora, o merchandising do entourage era parte da estratégia para camuflar os primeiros sintomas da derrocada de uma farsa, um conluio, cujo único objetivo fora impedir a candidatura de Lula à presidência da República.  

Moro já era ministro da Justiça. O acordo para eleger o ex-capitão Jair Bolsonaro fora bem sucedido e a primeira parcela do pagamento pela empreitada venal estava quitado.

A segunda, assegurar uma vaga ao dúctil ex-magistrado no Supremo Tribunal Federal, não se concretizou. A turma se esfacelou antes, naquela trágica reunião ministerial quando ficou acordado que era hora de abrir a porteira e “passar a boiada”.

Nestes dias, já transpiravam indícios que havia algo de podre no reino da República.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, havia concedido uma liminar que suspendia o acordo para criação de uma fundação bilionária, turbinada com recursos de multas aplicadas à Petrobras. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivara um pedido de suspeição apresentado pelos procuradores da Lava Jato contra o ministro Gilmar Mendes. A Operação começava a se esfarelar.

A penalidade não se deu apenas por violação dos deveres funcionais. “É fato insofismável a existência de peça publicitária (outdoor) com feições de promoção pessoal dos membros da FT da Lava Jato e em descompasso com a política de comunicação institucional do MPF”, diz a decisão do CNPM.

O Conselho, por corporativismo, sempre agiu de forma leniente com seus pares. Desde 2005, quando foi criado, Mattos é o segundo integrante do MP punido com demissão. A tradição é abrandar com suspensão ou advertências.

Mas neste caso, a dosimetria seria leve demais. O procurador da Lava Jato foi beneficiado pelos dados pessoais do músico João Carlos Queiroz Barbosa para forjar o pagamento e autorização à instalação do outdoor. Trata-se, em tese, de crime previsto nos artigos 299 e 304 do Código Penal que prevê detenção de três meses a um ano. Em entrevista à TV 247, J. C. Batera, como é conhecido no meio gospel, contou que foi surpreendido por uma ligação telefônica informando que seu nome constava em um processo contra a Força Tarefa.

Pernambucano de Caruaru, o baterista não tinha a menor noção do que se tratava. Em depoimento a Policia Federal, afirmou que não era filiado a nenhum partido político nem “fã de política”, além de “não ter qualquer posição, seja de esquerda, direita ou centro”. Disse ainda que “nunca contratou nenhuma empresa usando o CNPJ (…) e que possivelmente foi utilizado de forma fraudulenta para efetivar a contratação destacada”.

Halison Pontarolla, diretor-superintendente da Outdoormídia, empresa responsável pela produção e instalação do painel, convocado a depor não apresentou Nota Fiscal, apenas a Autorização de Veiculação de Lona. Aí, pela primeira vez, aparece o nome de João Carlos Barbosa. O pagamento, com vencimento em 8 de março de 2019, foi efetuado via boleto. O baterista foi usado como “laranja fantasma” pelo esquema da Lava Jato.

A gravidade do gesto pode ser mensurada na decisão final do Conselho, dado pelo voto de minerva do vice-procurador geral da República, Humberto Jaques. Durante a sessão, chegou a ser discutido a conversão da pena de demissão em suspensão, sugerida entre 16 e 90 dias. Um dos conselheiros propôs o pagamento de multa em quatro vezes, pelo valor atualizado do outdoor. Mas prevaleceu a tese da relatora, que conseguiu demonstrar que não havia possibilidade da conversão em suspensão.

Em fase anterior da ação, o então corregedor do MP, Oswaldo Barbosa, camuflou todas estas irregularidades quando decidiu arquivar o processo sem qualquer investigação formal. Graças às denuncias do hacker de Araraquara, Walter Delcatti, veio à tona uma série de áudios onde demostrava que o coordenador da Força Tarefa, Deltan Dallagnol, mesmo sabendo da confissão de culpa do colega articulou para esvaziar a denuncia contra Mattos.

Em uma das conversas, Barbosa sinaliza que iria suspender as apurações e manter o caso em segredo. Noutra, o corregedor pede a Dallagnol que a Força Tarefa retire a propaganda. “Deltan, verifique quem colocou esse outdoor sem autorização no órgão fiscalização, pois está repercutindo muito, inclusive no CNMP…” escreveu.

Na semana seguinte, Castor de Mattos se afastaria da Força Tarefa alegando “razões psiquiátricas”. Tramitam na Procuradoria Geral da República, desde agosto de 2020, duas notícias-crimes contra Dallagnol e Barbosa pela tentativa de acobertamento da ação.

Para a advogada Tânia Mandarino, integrante do Coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia, a decisão do CNMP representa a vitória da verdade sobre o engano, da ação contra a inércia e o triunfo da resistência. “Não vamos parar por aqui. Vamos apressar o inquérito que corre na PGR a passos de tartaruga. Precisamos buscar toda a verdade que se esconde por trás desta trama”.

Ainda segundo Mandarino, a rápida ação do Conselho pode ser uma tentativa de evitar que essas denuncias atinjam toda a turma. “Ao puxar o fio do novelo que enreda essa mixórdia, o resultado pode acabar no colo do Dallagnol ou até mesmo do Moro”, explica.

São muitas as dúvidas que ainda não foram sanadas. O Coletivo quer saber, por exemplo, quem é o sujeito oculto que criou um e-mail falso, em nome de João Carlos Barbosa? Em juízo, o Google informou que esse endereço não existe mais e que os rastros do IP do computador foram destruídos dias após o ingresso da representação no CNMP. Quem destruiu?

A advogada lembra a recente entrevista do ministro Gilmar Mendes, do STF, à revista IstoÉ, onde compara a Lava Jato ao esquadrão da morte “que buscava justiçamento atingindo quem se colocasse como obstáculo”.

Diz ainda que o esquadrão tinha funções decantadas de repressão ao crime, “mas se aproveitava disso e fazia dinheiro”.

Mandarino acredita que ainda existam muitas verdades encobertas pela Operação Lava Jato, que, em nome do combate à corrupção, se locupletou em favor de seus próprios interesses. “Precisamos estar atentos para que os envolvidos não fujam e se abriguem na imunidade parlamentar conferida a parlamentares, como parece pretender Dallagnol. Aliás, sem esquecer que Moro já se coloca abertamente como candidato a presidente da República”.

No que depender do CAAD, Coletivo de Advogadas e Advogados pela Democracia, os próximos capítulos deste enredo prometem fortes emoções.

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