Por Ulisses Capozzoli, jornalista, Facebook
É possível viajar no tempo, ainda que isso possa parecer fantasioso. Pode-se viajar no tempo sem ao menos perceber e justificar uma experiência incomum com qualquer uma das muitas explicações ortodoxas cotidianas. Para a maior parte das pessoas certamente é um procedimento mais confortável. Ontem, quarta-feira (16/10), eu não deveria estar em casa. Teria de fazer uma palestra em Presidente Prudente, a convite de Cristiana Pasquini, a Cris, responsável pelo projeto Associação Escola Aberta no Galpão. Quando a Amanda Rosin me ligou, no entanto, por volta das 13h30, eu continuava em casa. E a Cris me esperava no aeroporto, a 600 km de São Paulo. A palestra, com boa divulgação, estava prevista para as 19h30.
Foi um forte golpe no estômago quando ela disse que a palestra estava marcada para ontem e não para hoje, como meu cérebro insistia em afirmar. Fiquei aflitíssimo. Sou um tipo de compromissos. Detesto atrasar em encontros ou esperar pessoas atrasadas. Disse a elas que pegaria o carro e iria até Presidente Prudente. Tolice. Não teria como vencer a distância e chegar a tempo para a palestra.
Malice, também aflita e preocupada comigo, sugeriu pegar um voo que sairia de Campinas, às 17h00 e com isso chegaria a tempo. Do outro lado da linha, quando consegui falar com ela, Cris me disse para relaxar. Não teria como, ao menos neste caso, vencer a barreira do tempo. Eu acabaria chegando atrasado e provocando confusão maior que o equívoco que meu cérebro havia engendrado.
O que aconteceu e por que me equivoquei com uma data que jurava ter marcado na agenda? Vou dar uma explicação, ainda que muita gente possa discordar dela. Ou não compreender bem meu propósito com esta narrativa.
Tenho vivido a vida em alta velocidade nas últimas semanas. Pulando da cama antes das 6h00 e trabalhando duro na natureza, num projeto que pode ser dos últimos nesta passagem pela Terra. Alta velocidade, ao menos no mundo físico, mas talvez de alguma forma ele também se aplique ao mental, implica na alteração do fluxo do tempo.
Para um observador viajando a frações da velocidade da luz, o tempo flui mais lentamente, comparado a um observador em repouso referencial.
Na verdade, nem isso. Se você pegar um avião para uma viagem, digamos, de travessia do Atlântico, seu tempo escoará mais lentamente, comparado ao tempo de quem permaneceu em terra. Frações minúsculas de segundos, mas algo tão real quanto a luz do Sol.
Devo dizer que o fato de estar em um avião, mais distante do centro da Terra, faz com que o tempo de um passageiro flua mais rapidamente. Mas a velocidade de um jato, ainda assim, faz com que um viajante tenha vantagens no fluxo do tempo comparado a quem permaneceu em terra.
Minha velocidade mental alterou meu relógio interior e reduziu o fluxo do meu tempo psicológico? É o que estou tentando dizer. Mas o tempo da Cris, da Amanda e das pessoas que me esperavam em Presidente Prudente não se alterou e acabei entrando em descompasso com elas e os que me esperavam. Exagero? Claro. Algum exagero, mas desconfio que isso aconteceu e em seguida vou me referir a um outro paradoxo.
Paradoxos nos cercam por todos os lados e fugimos deles como o rato corre do gato. Um exemplo. Você joga um balde de água numa varanda, por exemplo, e ela escorre para um ponto mais baixo. Por que? Porque sim, claro, a água corre para os lugares mais baixos, dizem as pessoas. Mas, por que isso acontece? “Porque sim” não é resposta, por ser incapaz de fornecer explicação para uma constatação.
Vou dizer porque acontece isso com a água do balde. Porque o ponto mais baixo está mais próximo do centro da Terra e ali a gravidade é mais intensa. E essa leitura deve ser combinada com o fato de que, na superfície de uma esfera, todos os pontos estão à mesma distância do centro. “Mas tem distorção”, argumentaria alguém.
Claro, a Terra é mais bojuda no equador, por efeito da força centrífuga ligada à rotação e que afeta a atração gravitacional: a curvatura do espaço-tempo. Do espaço-tempo e não só do espaço ou do tempo, porque espaço-tempo são como irmãos siameses, um agarrado ao outro.
Sou obcecado por esses pequenos fenômenos da vida diária e às vezes mergulho neles e me esqueço de onde deixei o sapato, a carteira e especialmente as chaves. Perco as chaves dia-sim-dia-não, ainda que algumas perdas possam durar semanas.
Ainda ontem, quarta-feira, a Cris me ligou para dizer que minha palestra foi remarcada, para a quarta-feira próxima, dia 23. Abri a agenda para registrar e me garantir de que não vou me confundir mais uma vez. E, para a minha surpresa, na página do dia 23, a próxima quarta-feira, estava escrito, com a minha própria letra: “Palestra na Associação Escola Aberta no Galpão, às 19h30”.