Por Zeca Ferreira, cineasta
Em momentos extremos – e vamos combinar que estamos (sobre)vivendo em um momento extremo prolongado – me chama a atenção a nossa incapacidade de chamar as coisas pelo nome. Na manhã seguinte ao terrível assassinato em Sergipe, passei pelos sites dos grandes jornais e as manchetes eram curiosas, na linha de: policiais prendem homem em porta mala com gás e ele morre. Não era textualmente isso, mas o sentido tá aí.
Parece “chatura” minha, mas não é. Os policiais prendiam o homem, jogavam gás, mas quem morria é ele. Morrer era uma ação do homem, não o resultado de uma sessão de tortura que acabou em assassinato.
Demorou quase 48 horas para que palavrinhas como tortura, câmara de gás, etc começassem a surgir na tal da grande mídia.
Também essa semana, tentando me informar sobre a chacina da Vila Cruzeiro, e, mesmo entre articulistas mais progressistas, o ponto a se destacar é que, entre as 25 vítimas conhecidas, “haviam morrido inocentes”.
Tem que ver isso aí. É claro que alguém estar em casa e morrer com um tiro que atravessou a sua parede é uma tragédia inominável, mas isso só aconteceu porque as forças do Estado se sentem autorizadas a entrar em uma comunidade e executar pessoas.
De certa maneira, quando passamos por cima disso, assinamos em baixo da máxima de que “bandido tem que morrer”.
Para o pessoal que adora reforma, ou o Brasil passa por uma reforma civilizatória ou a coisa aqui vai ficar irrespirável, mais do que já está.
E, por mais que essa reforma precise passar necessariamente pelas polícias e por esse cancro que é o exército brasileiro, é importante que ela passe por nós também.