Assédio virtual sofrido por mulheres é mais agressivo

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Traduzido por  Fernanda Lizardo,  da edição de Leticia Nunes. Com informações de Catherine Buni e Soraya Chemaly [“The Unsafety Net: How Social Media Turned Against Women”, The Atlantic, 9/10/14] e Rebecca Leber [“For Women, The Internet Can Be a Scary Place”, New Republic, 24/10/14], publicado no Observatório da Imprensa – 

 

Certa vez, o famoso filósofo e teórico da comunicação Marshall McLuhan disse que a televisão trouxe a brutalidade da guerra às salas de estar das pessoas. Se ainda estivesse vivo, McLuhan provavelmente diria que a Internet está sendo responsável por trazer a violência cotidiana para a vida delas. Especialmente a violência contra mulheres.




Diariamente, sites e plataformas de mídias sociais são invadidos por comentários machistas, perseguições, ameaças, fotografias e vídeos de estupro e violência contra a mulher. A questão é tão pontual que algumas ocorrências ganham até alcunhas oficiais – caso do “revenge porn”, termo usado para caracterizar um vídeo ou fotografia de terceiros publicado na rede sem consentimento como forma de vingança (no caso, as mulheres são as maiores vítimas, pois recebem xingamentos impublicáveis quando aparecem nesse tipo de material).

Assédio mapeado

O instituto de pesquisa americano Pew Research Center publicou pela primeira vez umrelatório que detalha o nível e os tipos de assédio online. A pesquisa, que contou com a participação de quase três mil usuários de internet, deixou claro que as mulheres sofrem mais com assédio virtual do que homens, mas que a maioria dos indivíduos não se dá conta disso.

Embora 44% dos homens tenham relatado sofrer assédio na Internet em geral (em comparação a 37% das mulheres), a proporção muda quando se concentra nas redes sociais: 73% das mulheres são assediadas (contra 59% dos homens). As mulheres também tendem a enfrentar tipos mais graves de assédio, como perseguição e assédio sexual, enquanto os homens geralmente enfrentam problemas mais leves, como xingamentos e constrangimento público. As mulheres jovens (entre 18 e 24 anos) são as mais propensas a experimentar ofensas graves.

Curiosamente, mais de três quartos dos entrevistados declararam enxergar as plataformas online (como redes sociais, seções de comentários e fóruns) como igualmente acolhedoras para homens e mulheres. E 18% chegaram a declarar que redes sociais eram mais acolhedoras para mulheres do que para homens; apenas 5% dos entrevistados acha o oposto. A grande exceção veio na comunidade de jogos: 44% consideram que o universo de jogos online é feito e moldado para homens.

Um relatório intitulado “misoginia no Twitter”, publicado pela organização de políticas públicas Demos em junho de 2014, encontrou mais de seis milhões de ocorrências para as palavras “slut” e “whore” (“puta”, “prostituta”…) no Twitter entre 26 de dezembro de 2013 e 9 de Fevereiro de 2014. Outro estudo da mesma organização mostrou que, embora figuras públicas do sexo masculino enfrentem maior probabilidade de hostilidade online, as mulheres são significativamente mais propensas a sofrer especificamente assédio. Para as mulheres de cor ou membros da comunidade LGBT, o assédio é amplificado.

Danielle Keats Citron, professora de Direito na Universidade de Maryland e autora do livroHate Crimes in Cyberspace (Crimes de ódio no Ciberespaço), constatou que 90% dos alvos de ataques na rede eram mulheres. E que 70% das mulheres que escolhiam jogar em partidas de videogame online optavam por criar personagens do sexo masculino a fim de evitar assédio sexual.

Uma pesquisa realizada em 2012 pela NNEDV – National Network to End Domestic Violence (Rede Nacional pelo Fim da Violência Doméstica) constatou que 89% dos programas locais de violência doméstica continham vítimas de violência virtual, muitas vezes através de múltiplas plataformas.

Intervenção mira nos anunciantes

Algumas empresas responsáveis por plataformas de mídia social têm políticas abertas para evitar assédio. O Twitter possui um botão para reportar abusos, mas sua utilidade é extremamente limitada: ela exige que cada tuíte seja notificado separadamente e não fornece campo para comentários, de forma que o usuário fica impossibilitado de explicar que é alvo de perturbação contínua.

O Facebook também possui um local para reportar abusos, mas nem sempre remove os perfis de abusadores (seja porque trabalha com algoritmos passíveis de falha, seja por falta de critério dos humanos responsáveis pelas avaliações de conteúdo inapropriado).

Sendo assim, quando as empresas de mídias sociais não conseguem responder às reclamações e solicitações, as vítimas de assédio online frequentemente se voltam para entidades que podem divulgar seus casos.

Uma delas é a Women, Action, and the Media, que optou por mirar nos anunciantes (principal fonte de lucro das redes sociais) a fim de conseguir medidas reais contra o assédio virtual. Uma das primeiras medidas foi entrar em contato com várias empresas para apontar as falhas do Facebook no combate ao assédio virtual. A fabricante de veículos Nissan foi a primeira empresa a retirar por completo suas verbas publicitárias do Facebook. Em seguida, outras 15 empresas aderiram à campanha.

A ação deu resultado perante o próprio Facebook, que se manifestou com uma resposta pública: “Recentemente, ficou claro que nossos sistemas para identificar e eliminar o discurso de ódio não conseguiram trabalhar de forma tão eficaz como gostaríamos (…) Temos nos esforçado para melhorar nossos sistemas para reagir a denúncias de violações de nossas políticas de uso, porém as diretrizes utilizadas por tais sistemas não conseguiram capturar todo o conteúdo indevido. Precisamos melhorar – e melhoraremos”.

De fato, o Facebook vem fazendo mais do que a maioria das empresas para enfrentar a agressão online contra mulheres. Cindy Southworth, vice-presidente de desenvolvimento e inovação na NNEDV, colabora com o comitê consultivo de segurança do Facebook desde 2010. Segundo ela, a NNEDV já entrou em contato com o Google, o Twitter e a Microsoft, mas apenas o Facebook e o AirBnB, um site de classificados de aluguel por temporada, se dispuseram a colocar membros da rede contra violência doméstica em seus comitês.

Cindy diz que, ao convidar especialistas que compreendem as raízes da violência contra mulheres e crianças, e se familiarizarem com as estratégias para evitá-la, as empresas têm mais chances de promover melhorias nesse sentido.

Hegemonia masculina

Outro problema é que a maioria dos funcionários do setor de tecnologia são homens – cerca de 90%. Nos níveis mais altos da hierarquia, este número sobe para 96%. Pesquisadores e especialistas do ramo estão começando a considerar os efeitos desta proporção.

Muitos líderes do Vale do Silício, tais como o co-fundador do Twitter, Jack Dorsey, reconhecem que há uma “crise de liderança” que exclui naturalmente as mulheres; para tentar amenizá-la, muitas companhias têm tentado criar programas de incentivo para a adesão feminina. No entanto, o fato de as empresas tentarem compreender a necessidade de incentivar a entrada de mulheres no meio não significa necessariamente que elas são bem-vindas. De acordo com um estudo recente, 56% das mulheres que entram no ramo da tecnologia abandonam a indústria, muitas vezes afirmando que são estimuladas a sair por causa do machismo. Esta taxa de atrito é duas vezes maior do que a de seus equivalentes do sexo masculino.

Especialistas concordam que as empresas têm a responsabilidade de proporcionar maior transparência no trato com as mulheres; que também precisam dedicar mais pessoal para a avaliação de conteúdo ofensivo; que, além disso, necessitam atrair e reter engenheiras, programadoras e gerentes do sexo feminino; e que precisam convidar especialistas em prevenção da violência para seus comitês. Caso contrário, o sexo feminino continuará reforçado por estigmas e confirmará a máxima da escritora Roxanne Gay em um artigo para o jornal britânico The Guardian: “O que as pessoas estão fazendo é lembrar às mulheres que, não importa quem elas sejam, elas ainda são mulheres. Elas são eternamente vulneráveis”.

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