Por Luís Eduardo Gomes, compartilhado de Sul 21 –
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) foi criada oficialmente na quinta-feira (8), em reunião que formalizou Gustavo como presidente e Paola como vice. Gustavo explica que os grupos de WhatsApp que debatem o tema reúnem mais de 50 pessoas, das quais cerca de 20 se associaram formalmente na quinta.
Italira Falcetta da Silva, 81 anos, deu entrada no Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, no dia 18 de janeiro, para fazer uma cirurgia vascular nas pernas. O procedimento foi realizado com sucesso no dia 27 de fevereiro, uma quinta-feira. No dia seguinte, ela foi liberada para ir para um quarto, onde poderia ser acompanhada por familiares. Filha de Italira, Paola Falcetta, conta que, naquela sexta-feira, a família recebeu a notícia de que um médico residente que participou do tratamento não poderia visitar a mãe na semana seguinte porque tinha testado positivo para a covid-19.
Paola foi a primeira a apresentar sintomas da doença, na segunda-feira seguinte, mas a mãe logo adoeceria também.
“Na verdade, no final de semana, ela já estava com sintomas, mas como ela tossia por causa de um enfisema, não se deram conta. Fizeram um exame de sangue e deu que ela estava com algum tipo de vírus e começaram a dar um antibiótico”, diz Paola. Apenas na quarta-feira posterior, Italira fez o teste de covid, que também teve resultado positivo. “A gente desconfia que ela pegou dele [do médico], e que eu, a minha irmã e o meu sobrinho pegamos dela”.
Italira foi então para o isolamento no dia 3 de fevereiro. “Aí que veio a decaída da saúde da minha mãe. Ficar isolada, sozinha, começou a ver um monte de gente morrer. E aí veio a óbito no dia 2 de março”, diz.
A passagem da Italira pelo hospital coincidiu com o período de crescimento das internações por covid-19 em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul, quando os hospitais superaram 100% de ocupação por semanas consecutivas. Durante os mais de 20 dias que a mãe esteve internada no isolamento para covid-19, Paola conta que via pessoas que estavam internadas ao lado de sua mãe morrendo quase diariamente.
Após passar alguns dias processando a morte da mãe, Paola, que é assistente social e ativista dos direitos humanos, ligou para um amigo que já havia atuado na militância dos direitos da população portadora de HIV, com o objetivo de compreender o que poderia ser feito para cobrar responsabilidades do poder público pelo que considerou ser descaso perante as mortes.
“É inconcebível estar morrendo essa quantidade de gente e ninguém estar fazendo nada. Eu falei para ele: ‘me dá uma ajuda, me diz que o que a gente pode fazer, porque eu não sei para onde recorrer’. Se a gente não fizer nada agora, não conseguir pressionar o Estado, os órgãos de controle, seja MP, Defensoria ou Tribunal de Haia, vai continuar morrendo milhares de pessoas por dia. Já são mais de de 340 mil [o número de vítimas fatais da Covid-19 chegou a 348.718 nesta sexta-feira]”, conta Paola.
Esse amigo era o advogado e ativista Gustavo Bernardes, que já tinha tido uma experiência pessoal com a Covid-19 no final de 2020. Ele passou cerca de 20 dias hospitalizado, dos quais 10 intubado na UTI. “Eu tive muitas sequelas depois. Levei quase três meses para me recuperar”, diz.
Gustavo salienta que teve a sorte de ter um trabalho em que foi possível tirar uma licença para cuidar da saúde e ir retornando aos poucos, mas que ficava pensando nas pessoas que não tiveram a mesma oportunidades e não têm apoio do governo. “Eu estava assistindo um documentário sobre Covid que falava sobre uma associação de moradores da Itália que resolveu cobrar no Judiciário uma responsabilidade do governo pelas mortes”, diz.
Ele resolveu então colocar o tema para debate no Facebook. Inicialmente, foram criados grupos de WhatsApp reunindo os interessados. Quando perceberam que a ideia vinha atraindo pessoas de diversas partes do País, que compartilhavam da ideia ou simplesmente queriam falar sobre suas experiências com a doença, resolveram criar a associação.
“As pessoas, por exemplo, estão sofrendo com o luto, não têm acolhimento e não têm a quem recorrer. São muitas pessoas passando pelas mesmas situações, pelos mesmos sintomas. A gente acha que tem que contribuir com essa discussão, com essa pauta na sociedade. Acho que não se pode reduzir a um debate médico-científico e às autoridades.
A população que está sofrendo na pele, no dia a dia, as consequências, precisa também opinar”, afirma Gustavo. “A partir do número de pessoas que começou a aparecer do nada, a gente notou que as pessoas estão querendo opinar, estão querendo falar, estão querendo fazer alguma coisa. A gente tem um potencial enorme de pessoas que estão querendo contribuir de alguma forma e esse potencial está sendo desperdiçado, porque elas não sabem como fazer, não sabem a quem recorrer”, complementa.
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico) foi criada oficialmente nesta quinta-feira (8), em reunião que formalizou Gustavo como presidente e Paola como vice. Gustavo explica que os grupos de WhatsApp que debatem o tema reúnem mais de 50 pessoas, das quais cerca de 20 se associaram formalmente na quinta.
Agora, eles estão no processo de formalização do registo e de criação de um CNPJ para a entidade. “A partir disso, vamos começar a trabalhar. Eu acho que essa associação veio para botar o pé na porta, para dizer ‘olha, vocês estão falando de nós, mas não sem nós’”, diz.
A Avico tem como objetivo representar os interesses dos associados, promovendo apoio jurídico, social e psicológico para vítimas e familiares de vítimas da Covid-19, além de poder ajuizar ações judiciais quando entender que direitos de seus associados estejam em risco.
A associação pretende ainda promover debates sobre a doença e as consequências físicas, psicológicas e cognitivas deixadas por ela, bem como defender a saúde pública, o SUS, a vacinação em massa e apoiar a pesquisa e desenvolvimento de ações de enfrentamento à covid-19. “Nós queremos também a possibilidade de ações coletivas para responsabilização de autoridades que se omitem diante da pandemia”, afirma Gustavo.
O advogado destaca que a ideia é que a entidade, além de dar apoio e suporte para os afetados pela Covid-19, também atue no controle social, pressionando o poder público a adotar ações para o enfrentamento da Covid-19. Gustavo destaca que, no enfrentamento à epidemia de HIV, pauta que militou no passado, muitos resultados e políticas públicas só foram conquistadas a partir da mobilização social.
“Nós temos consciência de que a pandemia vai ter consequências duradouras, ela não vai terminar de uma hora para outra. Nós vamos ter pessoas com sequelas, pessoas desempregadas, pessoas desassistidas e nós queremos que o Estado esteja preparado para receber essas pessoas. Então, nós vamos fazer, além de ações de apoio, vamos ter uma atuação bem importante no controle social.
Nós precisamos de mais recursos para o SUS, mais recursos para o SUAS, uma atuação mais importante do INSS, das pessoas que não vão conseguir voltar ao trabalho. Nós precisamos dar apoio a essas pessoas e esse é o nosso desafio”, afirma.
A Avico não é a primeira entidade que representa vítimas de covid-19. Há pelo menos mais uma, a Associação Brasileira das Vítimas da Covid-19 (Abravico), que foi fundada em Dourados (MS) em outubro do ano passado e tem realizado ações naquele Estado.