Por Ulisses Capozzoli, jornalista, no Facebook –
A não ser que haja uma conquista ainda mais extraordinária, o que soa bem pouco provável, o Prêmio Nobel de Física deste ano já está definido. E irá homenagear os astrofísicos ligados ao “Event Horizon Telescope Project” (EHT) que fizeram, pela primeira vez, a imagem de uma região conhecida como “horizonte de eventos”, no interior do que está a garganta profunda de canibais cósmicos conhecidos como buracos negros.
Isso significa que a imagem, produzida por um conjunto de oito radiotelescópios operando em sintonia, refere-se não um buraco negro, como está sendo divulgado em alguns casos, mas ao anel do horizonte de eventos, que envolve um buraco negro, no interior da galáxia Messier 87 (M 87) a 53 milhões de anos-luz do Sistema Solar. Ao penetrar o horizonte de eventos, qualquer objeto, mesmo a luz, é engolida para seu interior sem perspectiva de retorno. E é exatamente isso, a absorção, inclusive da luz, que impede a observação da garganta de um buraco negro.
Na manhã de hoje (10/04), em entrevistas coletivas simultâneas em locais como Washington, Bruxelas, Shangai e Santiago, no Chile, participantes do projeto expuseram os procedimentos que permitiram a obtenção da imagem do exterior de um buraco negro situado no coração de M 87 a 53 milhões de anos-luz de distância. Um ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros, daí a razão de objetos celestes como galáxias serem referidos sempre com a unidade de ano-luz, em vez de quilômetros, o que produziria números praticamente incompreensíveis.
A conquista em M 87 só foi possível por uma conexão de oito radiotelescópios formando o que se chama de longa interferometria de base para permitir que um conjunto desses equipamentos atue como se fosse um único, no caso do Event Horizon Telescope Project, com um disco que teria o porte do diâmetro da Terra, algo como 12.800 quilômetros.
Não só radiotelescópios, que operam em comprimentos de onda mais longos que o da luz visível, mas também telescópios ópticos podem atuar em conjunto de forma a obter resultados parecidos ao de um único equipamento de enorme espelho da captação da luz, praticamente impossível de ser construído individualmente.
Os radiotelescópios que participaram do projeto estão distribuídos por diferentes regiões da Terra. Inclui, por exemplo, um conjunto de antenas (Projeto Alma), no Chile, outro no Novo México e um instrumento no Polo Sul, entre outros participantes internacionais.
A operação combinada dos radiotelescópios permite a composição de imagens que o Telescópio Espacial Hubble, em órbita da Terra, com espelho de 2,4 metros de diâmetro é incapaz de produzir. Buracos negros costumam ocultar-se em corações galácticos. A galáxia que abriga o Sistema Solar, a Via Láctea, tem um desses canibais, identificado como “Sagitarius A”, a 26 mil anos-luz da Terra.
Mas é minúsculo comparado ao que existe na gigantesca galáxia M-87, na constelação de Virgem, que hoje nasce no horizonte leste entre o fim da tarde e o início da noite. Por volta da meia-noite estará sobre a cabeça de um observador em praticamente todo o território nacional. M 87 é formada por trilhões de estrelas, muito maior que as estimadas 200 bilhões de estrelas da Via Láctea.
Por isso mesmo M 87 ancora, gravitacionalmente, perto de duas mil outras galáxias, compondo um aglomerado galáctico conhecido como Aglomerado de Virgem que é apenas um dos componentes do que é identificado como Super Aglomerado de Virgem. Galáxias são criaturas sociais e bailam em conjunto no amplo salão cósmico estimuladas por seus poderosos e interativos campos gravitacionais. Observações feitas com o Telescópio Espacial Hubble sugerem que o buraco negro que M 87 exibe em seu coração equivale entre 3 a 7 a bilhões de massas solares com interações complexas do ponto de vista astrofísico.
O que faz com esse canibal distante projete no espaço um jato de partículas de alta energia de 5 anos-luz de extensão. Uma espécie de sinal de sua presença no núcleo de M 87. O horizonte de eventos, o anel que envolve a garganta do buraco negro em M 87 tem diâmetro estimado em cinco sistemas solares. Pode parecer pouco, mas comparado a Sagitarius A novamente é gigantesco.
O diâmetro do horizonte do buraco negro da Via Láctea, com massa de 4 milhões de massas solares, equivale à distância entre a Terra e o Sol, ou 150 milhões de quilômetros. Mas, ainda assim, no caso da Via Láctea, o buraco negro seria suficiente para controlar a ritmo de nascimento de estrelas no corpo galáctico, de 100 mil anos-luz de diâmetro. Há basicamente dois tipos de buracos negros, os estelares e os primordiais.
No primeiro caso, um buraco negro resulta da morte de uma estrela de grande massa, algo próximo de 1,5 massa solar (Limite de Chandrasekhar). Ao final de sua vida, logo após sintetizar o ferro, que consome muita energia, a estrela explode e seu caroço colapsa sob ação de sua própria gravidade, compondo uma estrela de nêutrons que acabará perfurando a estrutura do espaço-tempo para produzir um buraco negro estelar.
Mas buracos negros ainda mais vorazes, como o que se aloja no coração de M 87, recentemente foram explicados como colapsos de gigantescas nuvens de hidrogênio, o gás mais abundante no Universo, que não se dividiu para formar estrelas individuais e, num corpo único, perfurou a estrutura do espaço-tempo para compor buracos negros primordiais.
Apesar de o termo “buraco-negro” ser recente, criado pelo físico americano John Wheeler (1911-2008), a ideia de que pudessem existir veio em seguida ao anuncio da gravitação universal por Isaac Newton (1643-1727), em 1686. Na superfície da Terra, por exemplo, a velocidade de escape de um corpo, como um foguete, para se liberar de seu campo gravitacional é de 11,2 km/segundo. Em Júpiter, o maior planeta do Sistema Solar, é de 59,5 km/segundo.
Em um corpo de enorme massa, equivalente a muitas vezes a massa solar, caso de um buraco negro, nem mesmo a luz teria velocidade suficiente para escapar e seria prisioneira desse exótico animal cósmico, o que fez com que, já no século 17, a presença deles em meio a uma infinidade de estrelas e galáxias pudesse ser antevista.
Imagem da capa:
Efeitos gravitacionais distorcem horizonte de eventos que delimita um buraco negro na galáxia M87