Por Kennedy Alencar em seu Blog –
Numa palestra ontem em Washington, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que o Programa Bolsa Família “escraviza” as pessoas por gerar “dependência”.
“Criar um programa para escravizar as pessoas não é um bom programa social. O programa bom é onde você inclui a pessoa e dá condições para que ela volte à sociedade e possa, com suas próprias pernas, conseguir um emprego”, afirmou o presidente da Câmara.
Esse tipo de declaração dificulta muito o êxito de qualquer candidatura presidencial. Maia tem se movimentado para tentar se viabilizar como postulante do DEM ao Palácio do Planalto.
Em eleições passadas, candidatos do PSDB sofreram danos políticos diante da suspeita de que poderiam modificar ou acabar com o Bolsa Família. Aliados do PSDB à época, como políticos do DEM e do PMDB, fizeram críticas duras, parecidas com essa de Rodrigo Maia.
O efeito sempre foi negativo, porque o Brasil é um país com enorme desigualdade social. Essas críticas sempre beneficiaram o PT nas eleições.
Nos últimos anos, com o encolhimento da economia, a miséria voltou a crescer. Bater no Bolsa Família é repetir um erro que outros políticos já cometeram, pois se trata de um programa que faz parte do colchão social brasileiro e tem muita eficiência no combate à miséria _tanto que é tido como exemplar por organismos internacionais.
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Público alvo
A única explicação lógica para um ataque desse tipo ao Bolsa Família vindo de um político com a experiência do Rodrigo Maia é encontrar eco num setor da sociedade que sempre criticou as políticas sociais dos governos Lula e Dilma. Ou seja, falar para uma faixa do eleitorado de direita e centro-direita que vê o Bolsa Família com preconceito.
No passado, críticas de tucanos ao Bolsa Família eram sempre feitas de modo tímido, indireto, com medo do efeito eleitoral. Para um segmento do eleitorado de direita e centro-direita, um candidato que ataque abertamente o Bolsa Família pode ser bem visto.
Neste momento da campanha, outros possíveis candidatos do campo de direita e centro-direita têm obtido baixa intenção de voto. O deputado federal Jair Bolsonaro, candidato de direita e extrema-direita, sofre com o escrutínio da imprensa a respeito da formação do seu patrimônio.
Além de refletir o que Maia realmente pensa sobre o Bolsa Família, esse ataque ao programa pode ser uma forma de falar para esses setores mais conservadores e tentar crescer nas pesquisas a fim de viabilizar a largada na corrida presidencial. No entanto, é uma declaração que dificilmente vai assegurar o primeiro lugar na linha de chegada.
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Um excelente programa
O Bolsa Família não escraviza ninguém. O que escraviza as pessoas é a miséria. O Bolsa Família combate a miséria.
É um programa barato. Custou R$ 28,5 bilhões em 2016 e atendeu cerca de 12 milhões de famílias, o que equivale a quase 50 milhões de pessoas.
Têm direito ao benefício famílias com renda per capita de até R$ 85,01 por mês. Em outubro do ano passado, o valor do benefício médio recebido pelas famílias era de apenas R$ 179,34. Não é possível ver isso como uma forma de abuso ou de dependência.
Falar em porta de saída para o Bolsa Família é puro preconceito. Algumas famílias não têm nenhuma outra saída. É um programa focado no combate à miséria. Outros programas, outras iniciativas do governo e da sociedade podem oferecer caminhos de saída.
É preciso compreender que há uma geração que talvez não consiga deixar o Bolsa Família. Por isso, há condicionantes, como exigir que os filhos em idade escolar estejam estudando.
Cerca de 90% das pessoas que recebem os benefícios são mulheres, a grande maioria chefes de família. Dos beneficiados, 69% vivem áreas urbanas. Apesar do peso na área rural, o programa ameniza o sofrimento da miséria nas grandes cidades.
As fraudes são baixas levando em conta o número de pessoas atendidas. No início deste ano, a Controladoria Geral da União divulgou estudo que apontaria fraude em benefícios a 395 mil famílias. Isso dá cerca de 2,5% do total de famílias. É uma taxa baixa de desvio, isso se todas as suspeitas forem comprovadas. Logo, há formas de reduzir fraudes e de melhorar a qualidade do cadastro.
Quem é a favor de ensinar a pescar no lugar de dar o peixe deveria estar mais preocupado em combater o auxílio-moradia de juízes, procuradores e altos servidores do Executivo e do Legislativo. Parece existir dependência de certas pessoas em relação ao auxílio-moradia. Quem é a favor de ensinar a pescar no lugar de dar o peixe deveria trabalhar para acabar com os supersalários do funcionalismo que furam o teto constitucional, reduzindo os privilégios dos mais ricos.
Mas, no Brasil, sempre é mais fácil jogar a conta da crise no colo dos mais pobres e cortar no andar de baixo.