Ataques ao SUS e a política nacional de saúde demonstram interesse do capital privado por mais recursos públicos e por ampliar espaço no setor

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Para estudiosos e trabalhadores, argumentações ambíguas de Armínio Fraga, em entrevista sobre a situação da saúde no país, visam a defesa do aumento do capital privado no setor

Por Maria Aparecida Faria, compartilhado de CNTSS




As investidas cada vez mais vorazes e intensas por parte dos setores empresariais nacional e transnacional de saúde para abocanhar mais recursos destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e contra a política nacional de saúde receberam portentoso alento com a divulgação das opiniões do ex-presidente do Banco Central no governo FHC durante o período de 1999/2003 e sócio fundador da Gávea Investimentos, o economista e banqueiro Armínio Fraga, expoente do malfadado neoliberalismo, que, em entrevista à Folha de S.Paulo, sob o título “Não é possível voltar ao modelo original do SUS”, tenta demonstrar que a saída é abrir o sistema para o capital privado.

Os ataques permanentes destes setores, abençoados e enaltecidos pela mídia privada, tentam descaracterizar o SUS como foi proposto na Constituição Federal de 1988: uma política pública cujos princípios constitutivos estão na universalidade, equidade e integridade no atendimento prestado a todo cidadão e cidadã, pautado no preceito constitucional do direito à saúde como um dever do Estado. É consenso entre aqueles que defendem a saúde pública que a disputa entre mercado e Estado acontece desde o nascimento do SUS.

Como política pública inquestionavelmente exitosa, o SUS demonstrou ainda mais sua importância e vitalidade durante a pandemia de Covid-19. Este momento doloroso reafirmou a importância do SUS como sistema público universal, com um leque amplo de ações em saúde e que está presente em todo o país, além do valoroso papel desempenhado por seus trabalhadores e trabalhadoras. Também para o mundo, a pandemia reiterou o caráter estratégico das políticas pública em saúde.

Sobre a recente entrevista à Folha, não é de hoje que Fraga, apegando-se ao fato de ser fundador do Instituto de Estudo para Políticas de Saúde (IEPS), tenta apresentar-se como estudioso do tema. Os conceitos colocados na entrevista estão em consonância com a pesquisa tornada pública neste mês pelo Instituto sobre o título “Setor Privado e Relações Público-Privadas da Saúde no Brasil em busca do seguro perdido”. Para estudiosos, as afirmações do banqueiro se sustentam em inúmeras ambiguidades.

Como a raposa que se traveste de cordeiro, Fraga inicia suas argumentações fazendo um malabarismo para tirar o foco da situação do acorrentamento dos investimentos a uma política de Arcabouço Fiscal imposta pelo mercado, ao mesmo tempo que aponta o aumento dos gastos públicos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).  Assim, sinaliza suas reais intensões: quer que o governo reveja suas prioridades.

Os setores progressistas críticos ao Arcabouço Fiscal já denunciavam que a limitação imposta prejudicaria os investimentos sociais. Como também indicam que é preciso fazer o embate contra a defesa feita pelo mercado e a mídia com referência ao cumprimento da meta de superávit primário. A retirada de recursos para investimentos nas áreas sociais para pagamento de juros da dívida pública favorece os cerca de 0,1% mais ricos da população em detrimento da manutenção dos direitos dos demais cidadãos e cidadãs.

Fraga assume que faltam recursos para o SUS. Mas diferentemente das defesas feitas pelos trabalhadores por mais investimentos públicos para contrapor a política de desfinanciamento presente nos governos Temer e Bolsonaro, algo em torno de R$ 70 bilhões naquele período, como por uma ação contra a sonegação e o controle rígido das emendas parlamentares que, neste caso, de 2008 a 2013 representaram cerca de R$ 1 bilhão e em 2023 atingiram cerca de R$ 16 bilhões, Fraga mira no próprio espelho e aponta a iniciativa privada como a solução.

O banqueiro sugere aquilo que chama de “governança única dos setores público e privado”, acreditando na tese de que “uma coisa é o Estado bancar certos custos, outra é o Estado fazer a gestão”. Para ele, a fórmula mágica está em terceirizar e delegar. Ilustra sua argumentação com o caminho adotado nos governos do PSDB em São Paulo do uso de Organizações Sociais de Saúde (OSSs). Só quem vive em São Paulo ou trabalha no setor de saúde sabe o descalabro decorrente desta opção feita pelos tucanos.

Foi enfático em afirmar que não é possível assegurar todos os direitos em saúde para todos. Chega ao ponto de propor a criação de planos básicos para atendimento em saúde pública, assim como celebra as megas fusões no setor privado de saúde, quase sempre efetivadas por transnacionais, que potencializa a verticalização do sistema. Fraga sinaliza que o SUS seria utilizado pelo segmento social que não pode pagar por seguros e planos de saúde, os demais extratos sociais ficariam à mercê do setor privado.

Esta seria uma das formas encontradas para sanar, segundo ele afirma, a crise estrutural pela qual passa o setor de seguro saúde no país, à semelhança do setor estatal por conta da restrição fiscal. O quadro destacado por ele para o setor privado não parece alicerçado na realidade. Números apresentados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no início de setembro apontam que apenas no primeiro semestre deste ano, o setor de planos de saúde e administradoras de benefícios registrou lucro líquido de R$ 5,6 bilhões, o que dá 3,27% da receita total acumulada de R$ 170 bilhões.

Armínio Fraga destaca que o financiamento público já não é mais capaz de atender as demandas crescentes em saúde da população. Para os críticos dos postulados feitos por Fraga, o que ele está propondo, de forma perigosa, é um modelo híbrido de gestão e participação pública/privada. Aos poucos a raposa vai perdendo a vergonha.

O estudo do IEPS aponta que o país utiliza cerca de 4% do PIB para financiar o SUS, enquanto 6% vão para a saúde privada. Atualmente 75% da população é dependente do SUS, ou seja, usa exclusivamente o sistema; e o SUS recebe 40% do total do gasto público em saúde, sendo que os outros 25% da população, que possuem planos de saúde, abocanham os outros 60% dos gastos em saúde. Estudiosos apontam aqui outra contradição do pensamento de Fraga, pois os dados acima demonstram que o setor privado é extremamente dependente dos recursos públicos e o SUS, por sua vez, faz bem mais com bem menos recursos.

Os pesquisadores apontam dados de outros países que demonstram que a migração de recursos públicos da saúde para o setor privado comprometeu os sistemas nacionais, desmantelou suas estruturas e não trouxe melhora ou aumento nos atendimentos às suas populações. Um modelo híbrido, como o proposto por Fraga, se apresenta dentro do jargão conservador como o “abrir da porteira para passar a boiada”, ou seja, uma forma de atacar brutalmente as políticas públicas de Estado e apropriar-se de seus recursos. Para os trabalhadores e estudiosos, propostas como estas só trarão a fragmentação do Sistema e a ampliação do setor privado.

É preciso lutar contra medidas deste tipo, assim como aquelas defendidas por setores privados da saúde e da mídia, que sinalizam perigosamente para a desvinculação ou redução do piso constitucional da Saúde, e o da Educação, como forma de se fazer cumprir as metas estabelecidas no Arcabouço Fiscal.

Assim como o Arcabouço estabelece o patamar de crescimento das despesas em até 2,5% ao ano, há setores que indicaram um limite de gastos para as áreas sociais, inclusive com anuência do Ministério da Fazenda, que voltou atrás na propositura. Dados da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) destacam que se a medida estivesse valendo para 2024, a Saúde perderia cerca de R$ 24 bilhões.

Outro grande golpe foi aventado com a possibilidade de mudar o conceito de Receita Liquida Corrente (RCL). A Constituição Federal estabelece que os recursos destinados à Saúde devem ser de, no mínimo, 15% da RCL da União. O atual governo retomou este patamar em 2024. Assim, o orçamento da Saúde foi para R$ 218 bilhões, que representou uma elevação de R$ 68 bilhões sobre o montante de 2022. Dados da ABrES apontam que se adaptado o novo conceito da RLC o setor perderia R$ 30 bilhões.

A título de ilustração, o montante destinado à saúde para este ano é cerca de 3,6 vezes menor do que foi pago de juros da dívida pública no período de abril 2023 ao mesmo mês de 2024, que chegou a estratosférica quantia de R$ 776,3 bilhões, uma ciranda financeira que beneficia apenas, como já mencionamos, os 0,1% mais ricos da população brasileira.

Em tempos de ataques sistemáticos ao SUS, aos seus profissionais e à política nacional de saúde pública é fundamental que os trabalhadores, os setores sociais e as Instituições progressistas atuem firmemente na defesa de mais investimentos para o SUS e para a consolidação de uma política pública de saúde que possa atender com cada vez mais qualidade as demandas da população brasileira. É preciso, também, incentivar e fortalecer os mecanismos de Controle Social.

Maria Aparecida Faria, secretária de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS/CUT); presidenta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE)

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