Atraso, o outro nome do Brasil

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Sociedade brasileira não aprende as seguidas lições e mantém a escolha por mazelas como a exclusão e o patrimonialismo. Está difícil para os otimistas

Por Aydano André Motta, compartilhado de Projeto Colabora




No dia seguinte, o Agostinho acordou revigorado e saiu pela rua a desfilar seu otimismo inegociável, sob o sol do outono. Certeza. Mas, ainda que por um momento, nem ele resistiu a tanto atraso, o outro nome do Brasil. A sociedade que floresceu aqui após a invasão portuguesa escolhe sempre o equívoco, por estar assentada em mazelas invencíveis. Segue assim, sem se incomodar com as evidências nem se empenhar pelas mudanças necessárias.

O Brasil parece aquele paciente que se recusa a reconhecer a enfermidade – passo essencial para começar qualquer tratamento. Ao contrário, está viciado na inescapável rota do erro, via de mão única na direção do fracasso. No bojo, desperdiça seguidas oportunidades para se tornar um lugar melhor. As evidências gritam, os exemplos pululam, os clamores se intensificam – tudo em vão.

Ah, peraí, colunista: e a eleição de 2002? De fato, o país até ensaiou sopro de esperança, ao chutar o criminoso capitão que estava aboletado na cadeira presidencial. Inegável – mas acaba como exceção que confirma a regra. O atraso mora em nosso DNA. Conformamo-nos com a desigualdade, convivemos com o racismo, aceitamos o machismo, suportamos à LGBTfobia, nos rendemos à violência, nos habituamos à exclusão, toleramos a desigualdade.

Mesmo o novo governo, empossado numa lufada de alívio e alegria, se deixou envenenar rapidamente. Agora, está contaminado pelo mofo da negociação mesquinha com o desclassificado Congresso, aglomerado de homens brancos conservadores, corolário das escolhas e convicções nacionais. Pagam o pato os de sempre: pobres, pretos, indígenas, minorias, o andar de baixo dessa sociedade lamentável.

É uma turma desprovida de empatia. O governo não vai dar poder? Então, bora aprovar o Marco Temporal, barbaridade que ameaça os indígenas e a floresta. Na sua crueldade, os parlamentares sequer devem achar grave – o próprio Lula, afinal, sobe no muro sobre temas como a surrealista exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Em vez de um não rotundo (viva Brizola!), se esconde num “tem que ver isso daí” de triste e recente memória. Sim, em pleno 2023, o Brasil ainda mira no combustível fóssil e bem ali, ao lado da floresta.

Foz do Amazonas, no Amapá: biomas variados, como mangues e florestas tropicais, e o Recife de Corais da Foz do Amazonas, recém-descoberto e já ameaçado pela exploração de petróleo. Foto Victor Moriyama/Greenpeace
Foz do Amazonas, no Amapá: biomas variados, como mangues e florestas tropicais, e o Recife de Corais da Foz do Amazonas, recém-descoberto e já ameaçado pela exploração de petróleo. Foto Victor Moriyama/Greenpeace

Independentemente de levar ou não adiante a aventura petrolífero-amazônica, o simbolismo da conversa grita ao mundo. A ideia deveria ter sido tratada como absurdo intolerável pelo governo, cláusula pétrea para um presidente que se elegeu com a bandeira da ecologia erguida lá no alto. Assim como o golpe dado no Ministério do Meio Ambiente por causa da negociação no Congresso. Numa demonstração de grandeza, a ministra Marina Silva não pediu demissão e o Brasil escapou de vexame ainda maior. Mas, de novo, as perspectivas são um desalento.

Como as doenças mais terríveis, o desapego ao meio ambiente se espalha pelo corpo, contaminando tudo. O país se conforma em ser mero vendedor de commodities e, com isso, mantém o agronegócio como protagonista econômico. As fronteiras da monocultura agrícola e da pecuária alargam-se floresta adentro, derrubando a vegetação, matando os animais e secando os mananciais hídricos. Afora as vítimas, ninguém dá a mínima.

E os barões do agro vivem metidos em denúncias de trabalho análogo à escravidão, além de ser publicamente contra a preservação ambiental. Usam e abusam de agrotóxicos – muitos deles proscritos em locais mais civilizados – em suas plantações, ignorando a vizinhança. Posam de celeiro do Brasil para ganhar empréstimos generosos, anistias a calotes frequentes e incentivos fiscais de governantes alienados.

Na verdade, colaboram nada na luta contra fome, porque miram somente a exportação. Só quem se alimenta do que o agronegócio produz são chineses, americanos, europeus.

Surdo aos gritos de dor da floresta, o BNDES segue como principal acionista da JBS – lembra dela, a gigante da proteína animal que mantinha uns políticos no bolso? –, ignorando o desmatamento. Enquanto isso, a agricultura familiar e os assentamentos são criminalizados na pantomima sem graça da CPI do MST.

Em outra visita ao passado, o governo anuncia programa para baratear a compra de carros, num incentivo à antediluviana indústria automobilística. Automóveis, a essa altura do campeonato! Não há sinal de incentivo ao transporte de massa, tampouco em infraestrutura ferroviária. Mobilidade individual, contemporâneo como uma termelétrica.

Mas o problema está longe de ser o governo – ao contrário, ele é apenas reflexo de toda uma sociedade. Quem aí pratica consumo consciente? Quem abandonou sacola plástica? Quem se revolta para valer contra os 50 mil assassinatos por ano, a crescente população de rua, a fome que atinge milhões?

Conceitos como o da floresta em pé – mais lucrativo do que a devastação – viram platitudes, diante do patrimonialismo que nos envenena como povo. A pandemia evocou o sonho de humanos menos egoístas e mais tolerantes, mas ficou no terreno dos delírios. A concentração de renda mantém-se vigorosa e, de novo, passamos olhando para outro lado de miséria obscena das comunidades mais pobres.

Por fim, está chegando a temporada de queimadas na Amazônia e no Pantanal. O que você aí acha que vai acontecer?

Estamos todos no mesmo barco da vergonha. Nele, anda difícil qualquer viagem com otimismo.

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