Por Daniel S. Mayor Fabre em Justificando –
É de conhecimento de qualquer bacharel que o direito ao contraditório e à ampla defesa configuram o núcleo do direito processual, estando inclusive disposto no rol de direitos fundamentais da Constituição Federal em seu artigo 5º, LV. Estes são os institutos que nutrem e que se irradiam por todos os demais, dando os contornos básicos do moderno direito processual e colocando as partes em igualdade e liberdade formais perante a Justiça. Nesse sentido, as peças de acusação e defesa são o substrato material que dão contornos à lide, na qual o Estado, na figura do magistrado, irá intervir com a devida prestação jurisdicional.
Na Justiça do Trabalho, por força do art. 849 da CLT, as audiências, em regra, concentram todos os atos processuais: conciliação, recebimento da defesa, saneamento, instrução e julgamento, e por isso mesmo são denominadas usualmente como “audiência una”. Dessa forma, salvo em processos que envolvam produção de provas periciais ou em casos de adiamento, a parte autora apenas toma conhecimento do teor da defesa na própria audiência, minutos antes da instrução processual, quando serão produzidas provas testemunhais através dos depoimentos das partes e das testemunhas.
Ora, se o réu toma conhecimento das alegações da acusação e tem ao menos o quinquídio legal (art. 841 CLT) ou, por vezes, meses a fio para preparar sua defesa, o mesmo não ocorre com o autor, que toma conhecimento das alegações da defesa apenas no momento da primeira audiência, que é, como dito, em regra, una. Tendo como base este cenário, como fica o direito constitucional ao contraditório e a ampla defesa, se a parte autora toma conhecimento do teor da defesa, apenas minutos antes da instrução processual? Como pode o advogado do reclamante prestar seu serviço técnico com zelo e eficiência sem tempo hábil para tomar conhecimento da matéria controvertida?
Se por um lado as audiências “unas” pretendem atender ao princípio da concentração dos atos processuais (art. 843 e seguintes) e da duração razoável do processo (art. 5, LXXVIII, CF) – o que na prática não se verifica -, por outro prejudicam diretamente o direito ao contraditório e à ampla defesa do autor, que nas relações trabalhistas é, usualmente, o trabalhador, a parte considerada hipossuficiente na relação.
A construção e estabilização da lide se dá com o recebimento da acusação e da defesa. É com base nas contradições surgidas entre as peças que o juiz estabelecerá a matéria controvertida e conduzirá a instrução processual, realizando na prática o contraditório e possibilitando a ampla defesa. Assim, não faz o menor sentido que a justiça do trabalho, edificada sobre a desigualdade inerente das partes na relação de emprego, sirva para prejudicar a parte mais fraca, privando-a do acesso às alegações da defesa em tempo hábil para a devida instrução.
Dessa forma, termina-se em uma completa inversão do direito trabalhista. Ao invés de atender ao princípio da proteção do hipossuficiente, eixo de todo o direito do trabalho, o que se tem é a proteção do hiperssuficiente, brindando-lhe com um processo no qual somente uma das partes tem acesso antecipado às informações necessárias para gozar de seu direito ao contraditório e à ampla defesa.
Nesse sentido, é reprovável o mandamento legal pelas audiências unas. Seria preferível, ao menos, a disponibilização da defesa antes da audiência, apesar de potencialmente desestruturar institutos como o do aditamento ou da emenda da inicial, dispostos no art. 329 do CPC, por exemplo. De qualquer modo, o que não pode prosperar é a vantagem comparativa de que dispõe o empregador na constituição das provas no processo trabalhista, a ele outorgada pelas audiências “unas”.
Daniel S. Mayor Fabre é advogado de Crivelli Advogados Associados e Mestrando de Filosofia do Direito pela USP.