Por Carlos Eduardo Alves –
Naquela mesa tá faltando ele
Sei que o dia não é o ideal, muita gente triste desde ontem, outros comemorando títulos ou lamentando vices nos campos brasileiros, mas cometerei a imprudência de um texto mais longo em domingo especial. O tema tornou-se inevitável: a ausência e a quase egípcia de Ciro Gomes no episódio Lula.
Alguns dos que acompanham o boteco aqui há mais tempo podem se recordar de um post, há uns 4 ou 5 meses, em que apontava, depois de uma atuação quase heroica contra o golpe, uma inflexão de Ciro para a, digamos, centro-esquerda. Os analistas da grande imprensa não notaram o deslocamento pq. hoje triunfa lá, com poucas e honradíssimas exceções, o padrão merval de rebaixamento, um Jornalismo político lastreado em off de STF, PGR e PF e do mundo encantado da cleptocracia do Vampirão;
Antes de seguir, uma premissa: já era conhecido o tipo de petista religioso, que não admite sequer que se discuta os evidentes erros do partido. Existe também o psolista sectário, que tem na obsessão de combater o lulismo a prioridade na atuação política. Felizmente, são minorias em seus universos. Surgiu agora outro tipo de devoto, o cirista. Se você faz um post sobre a previsão do tempo na Austrália, lá vem ele e consegue incluir no comentário a tese, sem comprovação estatística alguma, da inevitabilidade de ser Ciro o único nome das esquerdas que teria chance de ir ao segundo turno.
Premissa e habeas corpus preventivo requisitado, sigamos. Não venham, por favor, com a desculpa que Ciro não foi a São Bernardo por ter compromissos no Exterior. Nada foi mais importante, do ponto de vista democrático, do que a mobilização unitária das esquerdas em termos de solidariedade e generosidade. O PT terá que fazer muitos gestos grandiosos para retribuir a mão amiga de PSOL e PC do B. Não pensem que é fácil no PSOL, por exemplo, vencer a verdadeira aversão que muitos de lá têm a Lula. Mas a direção e a maioria dos quadros do partido entenderam o que estava em jogo.
Ciro não foi pq. quer, na verdade, não se “contaminar” com a imensa rejeição que Lula enfrenta na classe média. Imagina que pode chegar ao segundo turno contra um nome da direita e que aí será inevitável o aval das outras esquerdas. É disso que se trata. Como o boteco não teve coragem de cravar na ocasião, ainda pode ser uma jogada de mestre ou uma burrada do ponto de vista eleitoral. É difícil, por exemplo, que numa campanha em que TUDO DÊ ERRADO um candidato apoiado por Lula não tenha no mínimo 15% dos votos. É esperar a campanha começar para comprovar.
Ciro tem obviamente todo direito de escolher seus caminhos e existe mesmo hoje um vazio no verdadeiro centro. Nem a direita tradicional está preenchida ainda dada a dificuldade de Alckmin. É possível mesmo que chegue ao segundo turno com essa postura, digamos, mais pragmática. Mas sofreria com a relutância do eleitorado mais orgânico do PT e com a maioria dos psolistas (o PC do B é sempre mais a vida como ela é). É uma aposta arriscada, que no limite pode ser interpretada como esperteza, essa inflexão agora escancarada. Ciro é inteligente, orador brilhante e só um sectário poderia não incluí-lo, nas duas últimas décadas, no terreno progressista. Não é e nunca se tentou vender como “revolucionário”, mas é democrata. Mas que ele cada vez mais quer se tornar o candidato cordato, próximo mas nem tanto das outras esquerdas, ah, isso está mesmo.