Por Bepe Damasco, compartilhado de seu Blog –
Em sua insana cavalgada, ora mais explícita, ora mais velada, para tentar emplacar no Brasil um regime autoritário, Bolsonaro sabe que terá de remover os obstáculos que estão ao seu alcance no STF, bem como em outras instâncias do Judiciário e no MP. Sua estratégia é minar o sistema de freios e contrapesos próprio da democracia.
Witzel, o governador afastado do Rio, é um notório militante da extrema direita obscurantista. “Atirar na cabecinha” do povo e sacudir a pança em plena Ponte Rio-Niterói para comemorar a execução de um criminoso são episódios reveladores do ódio que ele devota aos pobres e excluídos. E, muito provavelmente, Witzel está metido até o pescoço no crime hediondo de desvio de dinheiro público da saúde em plena pandemia de coronavírus.
Contudo, a mais elementar convicção democrática aponta o óbvio: a destituição de um governante eleito pelo voto popular como Witzel, através de decisão monocrática de um magistrado, seja ele de que tribunal for, constitui-se em grave violação da Constituição da República ao atingir um de seus principais pilares, que é a soberania popular. De tão violenta, a decisão ignorou até mesmo o processo de impeachment do governador que tramitava na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
Olhando para um contexto mais amplo e para o impacto da decisão do ministro Benedito Golçalves, do STJ, no cenário político nacional, é impossível não deparamos com a movimentação de Bolsonaro para ocupar espaços em postos-chave do judiciário e no MP, garantindo assim a impunidade de seu clã de olho na eleição de 2022.
Gestada na PGR, onde o atual chefe Augusto Aras age a céu aberto como se fora advogado de defesa do presidente da República, a operação desnuda a ofensiva de Bolsonaro visando neutralizar as ações do judiciário e de setores do MP contra suas inclinações totalitárias. A saber:
1) Usando como moeda de troca o aceno com a indicação para a vaga do ministro Celso de Melo no Supremo, em novembro próximo, Bolsonaro vem ampliando sua influência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o segundo tribunal na hierarquia do Judiciário. Primeiro o ministro Noronha, como todos sabem, cuidou de tirar Queiroz da cadeia e mandá-lo para casa. E, nesta sexta-feira, 28/8, foi a vez do ministro Benedito, com uma canetada, atender aos interesses da família Bolsonaro e afastar um mandatário que de aliado figadal se transformou em adversário do presidente, desde que assumiu ser candidato ao Planalto.
2) O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio recentemente decidiu por dois votos a um que Flávio Bolsonaro tem direito a foro especial no processo das rachadinhas, afrontando resolução do STF segundo a qual a prerrogativa de foro cessa ao fim do mandato. E Flávio engordava seus ganhos com o dinheiro dos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual, mandato que se encerrou em 31 de dezembro de 2018. Os dois votos a favor do hoje senador foram dados por juízes tidos e havidos como bolsonaristas.
3) No fim deste ano, caberá ao governador do Rio (que ninguém sabe quem será, pois o interino Cláudio Castro e o presidente da Alerj, Andre Ceciliano, também foram alvos de mandados de busca e apreensão) a nomeação do chefe do ministério público estadual. Como a investigação das rachadinhas vem sendo conduzida pelo MP fluminense, um novo procurador-geral da confiança dos Bolsonaro certamente varreria o caso do senador Flávio para debaixo do tapete.
4) É difícil acreditar em coincidências na política. Por isso, dá para imaginar o cardápio do almoço de Cláudio Castro com membros da família Boslonaro, em Brasília, na véspera do afastamento de Witzel.
5) Mas o melhor cenário para Bolsonaro seria a posse como governador do presidente do TJ-RJ, desembargador Cláudio de Mello Tavares, o próximo e derradeiro nome da linha sucessória e pessoa de confiança do clã. Mello Tavares ostenta em seu currículo, por exemplo, a censura de publicações na última bienal do livro.
Para piorar, o garantista Celso de Melo será substituído dentro de dois meses por um fundamentalista de direita, fazendo a balança do Supremo pender para o lado do punitivismo seletivo e conservador.