Avião lançava agrotóxicos em lavoura e em trabalhadores, denuncia resgatado no RS

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Uma chuva de produto químico caiu sobre uma equipe de 20 trabalhadores que atuava na lavoura, sem nenhum equipamento de proteção individual

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Escrito por: CUT-RS DIVULGAÇÃO/POLÍCIA FEDERAL

Um dos 82 trabalhadores resgatados na sexta-feira (10) em fazendas de arroz, em Uruguaiana, na fronteira Oeste do Rio Grande do Sul (RS), denunciou que um avião lançou agrotóxicos sobre a plantação, ao menos duas vezes, enquanto trabalhavam no solo.

Uma chuva de produto químico caiu sobre uma equipe de 20 trabalhadores que atuava na lavoura, sem nenhum equipamento de proteção individual, no corte do arroz vermelho, que é uma planta daninha que cresce mais do que o grão cultivado e limita o rendimento das lavouras. 

“Foram passar veneno na lavoura e jogaram em nós. De avião. Estávamos trabalhando, e jogaram em cima. Com a minha equipe, ocorreu duas vezes. Dos 20, uns 10 ficaram doentes. Tiveram feridas, saíram bolhas nos braços, dor de garganta e de cabeça”, contou o resgatado, segundo reportagem de GZH nesta quarta-feira (15). A identidade foi preservada por motivo de segurança.

Chuva de agrotóxico

O trabalhador disse que o primeiro caso de chuva de agrotóxico foi relatado ao recrutador, a quem chamavam de “empreiteiro”, e ao agrônomo que fiscalizava o trabalho na plantação. “Falaram que não iria mais acontecer, mas, uma semana depois, aconteceu de novo”, contou. 

O homem trabalhou por cerca de 45 dias na estância São Joaquim, uma das duas em que 82 pessoas, incluindo 11 menores de 18 anos, foram resgatadas em operação conjunta entre o Ministério do Trabalho e Empreo (MTE), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal (PF). A outra estância é a Santa Adelaide.

O resgatado afirmou que soube do trabalho por um sobrinho, que, por sua vez, tinha recebido o convite de outro morador do bairro deles em Uruguaiana. Era tudo de boca em boca. Eles tinham como referência para conseguir uma vaga o homem a quem chamavam de “empreiteiro”.

“Empreiteiro era o senhor que conseguia serviço para todos”, destacou. 

Após ter sido inserido na rotina da fazenda, o resgatado revelou que passou a ser incentivado pelo “empreiteiro” a chamar mais pessoas do seu bairro para o trabalho, com o objetivo de acelerar o corte do arroz vermelho.

“O empreiteiro ganhava por pessoa. Quanto mais pessoas eram levadas, mais ele ganhava. É o senhor que foi preso. Ele pedia que eu levasse mais gente”, explicou. 

Aliciador foi preso e solto após pagar fiança

No dia da operação, um homem apontado como aliciador da mão de obra reduzida à condição análoga à escravidão foi preso em flagrante.

O ato foi homologado pela Justiça Federal, que concedeu liberdade provisória mediante pagamento de fiança e cumprimento de outras obrigações.

Os órgãos envolvidos na operação não revelaram o nome do detido nem dos produtores rurais e da empresa de sementes sob suspeita de responsabilidade pelos fatos, alegando que o objetivo é preservar a investigação. 

O resgatado contou que o “empreiteiro” não comparecia à lavoura. Os trabalhadores pegavam uma van nas suas regiões de residência às 5h. O veículo os levava em seguida até a frente de uma residência que seria do aliciador, onde eram embarcados em um ônibus superlotado rumo às lavouras. 

“Não tenho noção se ele tem empresa (de serviços terceirizados). Não aparentava ter empresa nenhuma. Parecia uma pessoa simples. Onde ele sempre estava, era uma casinha simples”, disse o resgatado. 

Comida azeda

Os homens chegavam pouco antes das 7h nas plantações e começavam o corte do arroz vermelho, o que prosseguia até as 11h. Eles tinham de levar a comida e a água de casa. Como não havia local adequado para acondicionar, deixavam em mochilas ou sacolas debaixo de árvores. 

“A comida estragava por causa do mormaço do sol. Volta e meia tinha alguém sem alimento. A gente se dividia para não deixar um companheiro com fome. Teve quem comeu comida azeda. Eu mesmo, duas vezes. Não tinha nada mais o que comer. Deu um mal-estar enorme, principalmente à noite”, relatou. 

Ele disse que se a água acabasse, o pessoal ficava com sede. “Levávamos de casa e, pela manhã, ficava gelada. À tarde, parecia que tinha sido esquentada no fogão. A gente falava que era água para mate.” 

O horário de almoço era das 11h às 13h, mas não havia onde repousar ou sequer banheiro. Buscar árvores para qualquer necessidade era a única opção.

Depois do intervalo, o trabalho prosseguia até as 17h, sob as ordens de um agrônomo que pedia sempre para acelerar o ritmo, mas que não andava armado. Tampouco fazia ameaças. O resgatado não sabe dizer para quem o agrônomo trabalhava. 

“O arroz vermelho é mais destacado na lavoura. Dá para ver, por causa do tamanho. Ele é maior. A gente ia até ele, agarrava o cacho e cortava rente ao chão para não brotar mais e não ser colhido pela máquina”, explicou. 

Havia trabalhadores de pés descalços

Esse trabalho era feito, em geral, com facas de serra levadas pelos próprios trabalhadores. Não eram fornecidas luvas ou botas. Havia quem trabalhasse de pés descalços.

O homem ouvido por GZH confirmou uma das histórias narradas por outros resgatados: um menor que trabalhava descalço foi acertado acidentalmente pelo ceifar de um dos poucos que atuava de facão.

O menor sofreu um corte profundo no pé, mas não foi levado ao hospital. Amarraram-lhe um pano em volta da região do talho. E seguiu na lavoura até o final do dia.

Galpão não tinha cama nem banheiro

O resgatado diz que os recrutados de outras cidades da Fronteira Oeste ficavam alojados em um galpão. 

“Nunca vi esse galpão, mas o pessoal comentava que era bem ruim. Não tinha cama nem banheiro. E ficavam com os venenos (agrotóxicos) na volta deles. O cheiro era forte”, contou. 

O homem disse que acabou aceitando o serviço pela necessidade de sustentar a família. Agora, afirmou ter maior compreensão dos seus direitos básicos. Ele lamentou que, em Uruguaiana, esteja “difícil” conseguir emprego na zona urbana, salientando que as opções costumam aparecer no campo, em lavouras de arroz ou construção de cercas. 

“Agradeço a Deus todos os dias pelo pessoal que nos ajudou (PF, MPT e MTE). Não quero mais passar por uma situação dessas, de serviços escravos. Era um negócio desumano. Foi uma lição. Eu só quero que nos ajudem. Que tudo isso venha de forma positiva para nós”, frisou.

Responsáveis pelas lavouras ainda não foram indentificados

Os resgatados receberão três meses de seguro-desemprego e as verbas rescisórias, mas este segundo direito ainda depende da identificação dos responsáveis pelas lavouras, o que está em investigação pelas autoridades.

Os órgãos que participaram da operação classificaram o trabalho nas propriedades como análogo à escravidão devido às condições degradantes, o que é previsto no artigo 149 do Código Penal. A pena é de dois a oito anos de reclusão, o que pode ser aumentado de metade em função da presença de menores de 18 anos. 

O resgatado, ouvido pela reportagem de GZH, disse que, até agora, não foi procurado por nenhuma equipe de assistência social de Uruguaiana ou do governo do Rio Grande do Sul para encaminhamento a novo emprego ou qualquer outra ação de acolhimento.  

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