Na capital Porto Velho, apenas 17% da população completou o ciclo vacinal; médico da linha de frente relata que não-imunizados por completo ocupam leitos de urgência. A imagem acima mostra a vacinação contra Covid-19 em Jaci Paraná (Foto: Wesley Pontes/Governo de RO)
Por Leanderson Lima, compartilhado de Amazônia Real
Manaus (AM) – O último boletim do Observatório da Fiocruz, de 10 de fevereiro, indicou uma situação crítica para a capital de Rondônia: a ocupação dos leitos de UTI chegou a 91%, uma das maiores do País. A situação permanece grave, mas os médicos já não se assustam com indicadores tão preocupantes. A segunda onda da pandemia do novo coronavírus, nos meses de janeiro e fevereiro de 2021, foi bem mais caótica. “Chegamos a ter mais de 100 pacientes aguardando leito, e quando chegavam na unidade de UTI já estavam em condições gravíssimas. O índice de óbitos foi altíssimo, e isso deixou bastante abalada toda a equipe”, recorda o clínico-geral Maxweendell Gomes Batista.
O atual aumento nas internações é causado pela chegada da variante ômicron, mas esse cenário só acontece por causa da baixa taxa de imunização. E, Rondônia, que acumula 6.890 óbitos pela doença desde o início da pandemia, está entre os Estados com menor taxa de vacinação. De acordo com a última atualização do Vacinômetro da prefeitura de Porto Velho, apenas 17% da população completou o ciclo vacinal na capital de Rondônia.
“Pelo menos em Porto Velho, comigo, 100% dos pacientes que pioraram (o quadro da doença) foram os pacientes que não tinham feito o uso de nenhum tipo de vacina. Os pacientes que estavam vacinados, que evoluíram para piora, geralmente estavam vinculados a alguma comorbidade. Ou eram idosos, obesos, hipertensos, diabéticos, são os pacientes que mais lotam nossas enfermarias”, explica.
Desde o início da pandemia, Maxweendell atua na linha de frente de combate à Covid-19 em Rondônia. Atualmente, ele é diretor-técnico do Pronto Atendimento Municipal Ana Adelaide, em Porto Velho. Mas nos últimos dois anos atuou também como diretor do hospital de campanha, instrutor em treinamento de emergências para Covid-19 e como médico em UTI aérea.
“Cheguei a ter algumas intervenções esse mês ainda de intubação, em pacientes jovens, porém normalmente pacientes que não apresentavam as duas vacinas ou as duas e o reforço. Nesse momento agora a gente está percebendo na unidade municipal uma queda significativa. Praticamente normalizou os atendimentos já na unidade municipal de emergência e a expectativa é que para os próximos dias a rede estadual que ainda tem pacientes internados venha a diminuir também consideravelmente”, conforta o médico.
O caso de um não-vacinado
A decisão de não se vacinar quase custou a vida do eletricista Hallisson Gonçalves Francisco, de 36 anos. Mesmo portador de asma – uma das comorbidades que podem agravar o estado de saúde de pessoas com covid-19 – ele optou por não fazer uso do imunizante. Ele mora com a família no município de Ouro Preto do Oeste (a 334 quilômetros de Porto Velho). A mãe de Hallisson, a funcionária pública Aleni Gonçalves Francisco, de 58 anos, narra os dias dramáticos em que o filho esteve entre a vida e a morte num leito de UTI.
“Ele sempre teve asma. E ele estava um pouco cansado. Sempre teve a doença, mas tomava o remédio e melhorava. De repente, ele começou a sentir os primeiros sintomas (da Covid-19). Teve todos, só não perdeu o paladar”, recorda dona Aleni.
Depois de ter testado positivo para a doença, Hallisson foi submetido a uma tomografia que mostrou que os pulmões dele já estavam comprometidos em 25%. Os medicamentos pareciam não fazer efeito algum, e sete dias depois de manifestar os primeiros sintomas, o cansaço e as dores no peito – provocadas pela tosse – só aumentavam. No nono dia, ele foi internado no hospital municipal de Ouro Preto do Oeste. Usou cateter, máscara de oxigênio, mas o quadro só piorava.
Para sorte do eletricista, a família conseguiu transferi-lo para o município de Ji-Paraná (a 372 quilômetros de Porto Velho). Em um hospital particular, havia duas vagas de UTI disponibilizadas para o Sistema Único de Saúde (SUS). Quatro dias depois de dar entrada no hospital, Hallisson teve que ser intubado.
“O médico falou para ele que não tinha mais jeito, que o único jeito era intubar. Ele já estava ficando com os lábios roxos”, lembra a mãe. No dia 1º de dezembro, o eletricista foi intubado. Nos dias que se passaram, os pais de Hallisson também testaram positivo para a doença. O marido dela, que já havia tomado as duas doses da vacina, teve os sintomas moderados, sentido coriza, tosse e cansaço. Já Aleni havia tomado a primeira dose e deveria receber a segunda dose no período em que ficou doente. “Praticamente não senti quase nada. Meus sintomas foram falta de paladar e olfato. Além disso, eu tinha vontade de urinar o tempo todo. Parecia que algo queria me desidratar”, conta.
Hallisson ficou internado 35 dias em Ji-Paraná. O eletricista chegou ainda a se submeter a uma traqueostomia. Apesar de todas as complicações, ele conseguiu reagir e, no início do ano, teve alta. Agora passa por um longo processo de recuperação. “Ele saiu com muita fraqueza muscular. Já começou a andar, a andar dentro de casa, pequenas distâncias, mas não mais de 500 metros porque o pulmão fica cansado”, revela Aleni, que ressalta que o filho só foi salvo por um milagre. “Tudo isso serviu para fortalecer os laços familiares, espirituais, porque a vida pode ser curta. De uma hora para outra, tudo pode acabar. Hoje o meu filho fala em ir para igreja porque ele sabe que foi Deus que tirou ele de lá”, conta a funcionária pública. O eletricista, que optou por não se imunizar, já sinalizou à família que vai tomar a vacina, assim que se recuperar.
Cenário devastador
Se Rondônia fosse um país, ele teria cinco vezes mais óbitos a cada milhão de habitantes do que a média mundial. A Amazônia Real tabulou os dados estatísticos do Ministério da Saúde a partir do mesmo recorte proposto pelo Balanço de 2 anos da Pandemia, produzido pela Fiocruz. Nesse levantamento, a Fiocruz apontou que a mortalidade por milhão de habitantes foi de 720. “No Brasil ela alcançou 2.932, ou seja, 4 vezes maior, resultando em uma calamidade que afetou diretamente a saúde e as condições de vida de milhões de brasileiros”, acrescentou.https://flo.uri.sh/story/1130335/embed?auto=1A Flourish data visualization
Rondônia com 3.852 mortes por milhão de habitantes só perde para o Rio de janeiro (4.056) e Mato Grosso (4.047), com dados contabilizados até 3 de fevereiro. No gráfico abaixo, é possível ver que quanto mais escuro, maior a mortalidade por Covid-19. Doze Estados tiveram índice maior que a média brasileira, sendo dois da região amazônica: Roraima (3.468) e Amazonas (3.376). Pará foi o Estado de menor mortalidade no Norte do País, mas ainda assim 2,8 vezes mais do que a média mundial.
Sete municípios de Rondônia estão entre os de maior mortalidade no Brasil: Pimenteiras do Oeste (com 6,92 mortes a cada mil habitantes), Guajará-Mirim (5,00), Ariquemes (4,98), Ji-Paraná (4,89) e a capital Porto Velho (4,82). Manaus, no Amazonas, que viveu duas situações de calamidade pública, na primeira e na segunda ondas da pandemia, figura entre as 15 cidades com mais mortes pela Covid-19 em relação à sua população: Foram 4.402 óbitos a cada milhão de habitantes.
A grave situação em Rondônia, como mostram os números acima, fizeram com que muitos profissionais de saúde se sentissem de “mãos atadas”, nas palavras do médico Maxweendell Gomes Batista. No auge da pandemia, de acordo com Maxweendell, os médicos chegaram a trabalhar de 80 a 120 horas por semana para conseguir manter as escalas.
Diante de tantos casos e mortes, houve alto índice de estresse emocional entre médicos e enfermeiros. “Por diversas vezes a gente teve que afastar profissionais porque teve (síndrome de) burnout – aquele estresse por fadiga emocional. Muitas vezes encontramos profissionais no corredor, ou então no repouso, chorando porque se sentiam culpado pelas mortes. Isso deixa um trauma irreparável, mesmo para quem já tem essa experiência, fica abalado vendo os colegas nessas condições”, pontua.
Sem respostas
A reportagem da Amazônia Real tentou contato com o governo de Rondônia, por meio da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) para falar sobre a terceira doença, a situação de ocupação das UTIs e os dados de vacinação. Ao contrário de outras unidades da federação, Rondônia não dá transparência para os dados da pandemia, como um Vacinômetro adotado pela maioria dos Estados. Os contatos começaram desde quinta-feira (9) e, até a publicação da reportagem, nenhum retorno foi dado. A Sesau é comandada por Fernando Máximo, que em julho de 2020 – durante a primeira onda da pandemia -, foi infectado pelo vírus e chegou a ser transferido para uma UTI, em Porto Velho. (Colaborou Eduardo Nunomura)