Baltasar Garzon ao 247: impeachment é farsa

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Por Paulo Moreira Leite, Brasil 247 – 

Um dos mais influentes juízes da Europa, o magistrado espanhol Baltasar Garzon é o mais novo integrante da relação de juristas de prestígio reconhecido que têm críticas à Operação Lava Jato — e também denunciam o impeachment da presidente Dilma Rousseff.




Para Garzon, o “processo de impeachment de Dilma é uma farsa, com uma   finalidade política evidente, ” afirma em entrevista exclusiva ao Brasil 247, apresentando argumentos que você poderá conhecer em detalhe alguns parágrafos adiante.

Paul White: <p>Spanish judge Baltasar Garzon speaks during an interview with international press agencies in Madrid Wednesday Aug. 1, 2012.</p>

No mesmo depoimento, Garzon reconhece méritos indiscutíveis nas investigações da Lava Jato, mas faz uma crítica direta: “num país onde todos os partidos estão envolvidos em esquemas de corrupção, você não pode optar por um investigar apenas um deles, o Partido dos Trabalhadores. Ou investiga e pune todos os implicados, ou fará um trabalho que não tem a ver com Justiça mas com política.”

Aos 60 anos de idade, Baltasar Garzon Real tornou-se uma celebridade mundial a partir de 1998, quando  deu voz de prisão ao ditador chileno Augusto Pinochet, que se encontrava em tratamento médico numa clínica em Londres. Pinochet ficou detido por 503 dias para escapar de um mandato de prisão internacional assinado por Garzon com base nas investigações da Comissão  da Verdade chilena, que apontava suas responsabilidades em casos de tortura e morte de cidadãos espanhóis. Após um ano e meio, só escapou de uma extradição para Espanha, onde seria ouvido por Garzon, graças a proteção de sua madrinha ideológica, a primeira ministra Margaret Tatcher,  e um atestado médico dizendo que sofria de problemas mentais.

Garzon também entrou com uma ação judicial contra o Secretário de Estado Henry Kissinger, em função do apoio do governo norte-americano a Operação Condor, dedicada a localizar e eliminar integrantes de organizações de esquerda na América do Sul. Entrou com ações para libertar cinco prisioneiros detidos em Guantânamo e celebrizou-se, na Espanha, por dois casos de impacto. Foi responsável pela investigação do caso Gurtel, envolvendo um grandioso esquema de corrupção do Partido Popular, que acusou duas centenas de pessoas. Em 1993, investigou crimes de terrorismo de Estado, condenando  um antigo ministro do interior, ligado ao Partido Operário Socialista Espanhol.

Em 2012, numa investigação sobre crimes que remontavam a ditadura franquista, que dividiu o judiciário espanhol e a imprensa internacional, mesmo tendo recebido sustentação de entidades como a Anistia Internacional e do jornal New York Times, Baltasar Garzon foi proibido de atuar no país e desde então é assessor na Corte Internacional de Justiça de Haia. Sua entrevista:

PERGUNTA — Como o senhor avalia o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff?

GARZON — Não custa lembrar que estou falando como uma pessoa de fora, que não conhece todos os fatos com a proximidade e profundidade de uma pessoa nascida e criada no Brasil. Mas confesso que há um fato que qualquer pessoa tem o direito de estranhar. Num país onde a corrupção contamina absolutamente todos os partidos, e atinge boa parte dos políticos — e isso não é de hoje — não consigo imaginar que se possa fazer um caso assim, com um único envolvido e uma única culpada, a presidente Dilma Rousseff. Está na cara que tivemos um processo dirigido, onde as ações foram inteiramente contaminadas pelas forças políticas.  A Justiça não se faz dessa maneira. Deve agir para punir um crime, qualquer que seja ele. Não pode ter um alvo concreto, um setor determinado, o PT, e ocupar-se apenas dele.

PERGUNTA — Por que o senhor diz isso com tanta segurança?

GARZON — Basta comparar dois fatos idênticos: as denúncias contra Dilma e contra o vice, Michel Temer, que agora ocupa a presidência, ao menos temporariamente. Enquanto Dilma foi investigada e afastada do cargo, e corre o risco de ser condenada, a investigação sobre Michel Temer, que autorizou operações fiscais idênticas, sendo impossível distinguir umas de outras, sequer foram iniciadas. A Câmara de Deputados não formou sequer uma comissão para que Temer seja investigada, embora haja até uma determinação da Justiça para que faça isso.

PERGUNTA — Como o senhor avalia uma decisão tomada por um plenário onde dezenas de senadores e deputados parlamentares estão respondem a processos judiciais, acusados de crimes muito mais graves?

GARZON — Não dá para concordar. É uma demonstração de falta de ética e falta de escrúpulos. Parlamentares investigados, considerados réus pela Justiça, não poderiam acusar nem condenar.

PERGUNTA — O que deveria ser feito, então?

GARZON — Para começar, essas pessoas deveriam ter sido impedidas de votar. Seria um cuidado elementar, mínimo. Teria evitado que seus interesses contaminassem uma decisão. O que se pode pensar de uma condenação tomada por um plenário no qual 40% dos votantes são considerados suspeitos pela Justiça? Qual o valor disso? 

PERGUNTA — Um passo essencial do processo, que foi a abertura do impeachment na Câmara de Deputados, foi iniciado pelo deputado Eduardo Cunha. Acusado de possuir contas na Suiça e de comandar um esquema de cobrança de propinas, ele dirigiu a fase inicial do impeachment.  Como o senhor avalia isso?

GARZON — É uma demonstração de que, ao contaminar-se pela política, tivemos um caso que não tem nenhuma relação com a justiça. O papel de Eduardo Cunha mostra a falta de qualquer limite.

PERGUNTA — Como o senhor avalia a atuação da própria Dilma Rousseff neste caso?

GARZON — Dilma acreditou em si mesma. Como não havia feito nada, Dilma raciocinou que não poderia ser acusada. Tinha certeza de que não seria condenada nem afastada. Não imaginou que se poderia chegar a tal absurdo: até o relator da denúncia no Senado (Antonio Anastasia, ex-governador de Minas Gerais) é acusado de ter feito as mesmas operações fiscais que Dilma. Não é qualquer um. É o relator do processo contra a presidente.

PERGUNTA — O senhor se referiu várias vezes ao objetivo político do impeachment e mesmo da Lava Jato. Do que estamos falando, exatamente?

GARZON — Acho difícil negar que se quer atingir o Partido dos Trabalhadores e que um dos objetivos é neutralizar Lula da Silva. Ele continuou sendo perseguido mesmo depois de dizer que estava aposentado, que não pretendia disputar novos cargos públicos. A grande pergunta é saber o que vai acontecer com o Lula, o próximo passo.

PERGUNTA — Qual sua conclusão de tudo isso?

GARZON — Minha reflexão é que a Justiça se deixou instrumentalizar pela política. Não teve forças para separar-se do jogo do partidos e seus interesses. Passou a dar muita importância a opinião dos grandes meios de comunicação, que sempre pressionaram para que a Justiça fizesse o que queriam.  É um processo tão claro que você pode até imaginar que se acertaram para escolher quem seria o bode expiatório. 

PERGUNTA — Esses problemas não apareceram em todos países que lutaram contra a corrupção?

GARZON — Não. Sou amigo de juízes e procuradores da Operação Mãos Limpas, da Italia. Nunca se disse que aquela Operação perseguia um partido e protegia outros. Sempre se entendeu que era uma operação  que queria enfrentar a corrupção e punir o corruptos, fossem quem fossem. Investigaram, puniram e prenderam políticos do PS do Betino Craxi e da Democracia Cristã do Giulio Andreotti. Na época, falava-se que o Partido Comunista, que era um dos grandes partidos da Italia, tinha ficado de fora porque muitos juiízes eram comunistas. Era um comentário errado. O  PCI  ficou de fora porque não participava do esquema. 

PERGUNTA — Como foi o caso Gurtel, que o senhor investigou pessoalmente?

GARZON —  Nunca fomos acusados de parcialidade neste caso, embora todos os investigados fossem do Partido Popular.  Também não fomos acusados de parcialidade quando investigamos os GAL (Grupos Anti-Terroristas de Libertação), demonstrando que tinham vínculos com o governo do PSOE, o que levou a condenação do (ministro do Interior)  José Barrionuevo.  Acho que a Justiça é importante demais para se dar ao luxo de fazer opções políticas. Deve seguir seu curso.

PERGUNTA — Como o senhor avalia o uso de longas prisões preventivas para se obter delações premiadas?

GARZON —  A experiência italiana com os arrependidos, do terrorismo e da máfia, ensinou muita coisa. Mostrou que é preciso ter muito cuidado com os benefícios oferecidos a quem está preso e, sentindo-se injustiçado, pode ser estimulado a acusar quem está fora da cadeia. É um comportamento humano, compreensível. As delações podem ser úteis mas não podem representar a última palavra. É necessário conseguir outros elementos de prova e nunca se pode acreditar no depoimento de uma só pessoa. Há uma dialética neste processo. Mesmo sabendo que vai obter um benefício, a pessoa deve falar quando quer falar.

PERGUNTA — Hoje, no Brasil, muitas pessoas falam em “limpar o país” e eliminar a corrupção. Como o senhor encara isso?

GARZON — Eu acho que é possível tomar medidas práticas. Nós sabemos hoje que, na maioria dos países, a corrupção sempre esteve ligada ao financiamento de campanha dos partidos.  As mudanças nesse campo sempre foram úteis, ainda que possam ter demorado. Na Espanha, foi preciso aguardar vinte anos por uma reforma no financiamento eleitoral.  Estou convencido de que os delitos sempre irão existir. Sempre haverão pessoas convencidas de que vale a pena cometer crimes. O importante é  você mostrar o contrário, induzindo outro comportamento. A situação fica grave quando as pessoas não tem medo de cometerem atos de corruptos.

PERGUNTA — E como se impede isso?

GARZON — Quando se mostra que a Justiça não funciona  seletivamente.

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