Barbárie em Porto Alegre confirma avanço dos crimes contra negros

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Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora

Protestos contra Rede Carrefour se multiplicam após morte de cliente espancado por seguranças: Atlas da Violência mostra alta de homicídios contra população negra

Manifestação em filial do Carrefour no Rio: protesto contra espancamento até a morte de cliente negro em unidade de Porto Alegre (Foto: Carl de Souza/AFP)

Na véspera do Dia da Consciência Negra, dois seguranças brancos de um supermercado da Rede Carrefour, de Porto Alegre, espancaram até a morte do soldador João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, que estava fazendo compras com sua mulher e teve um desentendimento com uma funcionária do estabelecimento. As imagens da agressão foram gravadas, circularam nas redes sociais – como uma prova ao vivo do racismo e da violência contra a população negra na data que lembra a morte de Zumbi dos Palmares e ajudaram a mobilizar protestos contra a rede de supermercado em todo o país




O crime em Porto Alegre entra para as tenebrosas estatísticas registradas pelo Atlas da Violência 2020, estudo que analisa as mortes por causas violentas no Brasil: em 2018, 43.890 pessoas negras foram vítimas, o que corresponde à 75,7% do total de 57.956 assassinatos registrados naquele ano. A taxa de homicídios de negros no Brasil saltou de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes entre 2008 e 2018, o que representa aumento de 11,5% no período, de acordo com o Atlas. Entretanto, os assassinatos entre os não negros no mesmo comparativo registraram uma diminuição de 12,9% (de uma taxa de 15,9 para 13,9 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes).

De acordo com o Atlas da Violência 2020 – elaborado por pesquisadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e divulgado em junho -, a chance de uma pessoa negra ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que a de uma pessoa não negra. Em 2008, essa comparação era de 2,1 vezes. Nos últimos cinco anos, 222.325 pessoas negras foram assassinadas no Brasil. Em dez anos, de 2008 a 2018, houve uma alta de 34,2% no total de homicídios de negros.

Produtos incendiados em loja do Carrefour em São Paulo: manifestantes também quebraram vidros e depredaram carros em protesto contra assassinato de soldador por seguranças no Sul (Nelson Almeida/AFP)
Produtos incendiados em loja do Carrefour em São Paulo: manifestantes também quebraram vidros e depredaram carros em protesto contra assassinato de soldador por seguranças no Sul (Nelson Almeida/AFP)

Onda de protestos e revolta

Nesta sexta, Dia da Consciência Negra, o assassinato de João Beto – como o soldador era conhecido pelos amigos na capital gaúcha – motivou uma onda de protestos em todo o país, com os supermercados da Rede Carrefour como algo principal. Em Porto Alegre, manifestantes tentaram invadir a filial na Avenida Plínio Brasil Milano. O grupo – formado por dezenas de pessoas atirou pedras contra o supermercado; também foram jogados e um coquetel molotov e um sinalizador. Soldados da Brigada Militar usaram bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Houve muita correria, mas não há informações de feridos.

Manifestação na porta do Carrefour em Porto Alegre: protesto contra racismo e palavras de ordem por boicote ao supermercado (Foto: Silvio Ávila/AFP)
Manifestação na porta do Carrefour em Porto Alegre: protesto contra racismo e palavras de ordem por boicote ao supermercado (Foto: Silvio Ávila/AFP)

Na capital paulista, um grupo revoltado entrou na unidade da Rua Pamplona, no bairro dos Jardins: os manifestantes atearam fogo em produtos, quebraram vidros e danificaram ao menos um carro no estacionamento. O ataque à filial do Carrefour ocorreu após a 17ª Marcha da Consciência Negra, que reuniu centenas de pessoas na Avenida Paulista e teve o protesto contra o racismo e o pedido de justiça pela morte de João Beto como temas centrais.

No Rio de Janeiro, mais de 200 pessoas se reuniram na filial do Carrefour, na Barra da Tijuca, para protestar contra a morte de João Beto. O grupo entrou no estabelecimento e encheu carrinhos de compras como forma de protesto, bloqueando o atendimento no local. Os manifestantes percorreram os corredores proferindo palavras de ordem como “Vidas negras importam”, “racistas não passarão” e “Carrefour assassino”. Os cantores Pretinho da Serrinha, Nego do Borel e Tico Santa Cruz e a atriz Patricia Pillar participaram do protesto. Também houve atos de repúdio contra a rede de supermercados em Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba e Brasília.

Barbárie em Porto Alegre

No crime da noite de quinta-feira, João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour, no bairro Passo d’Areia, na zona norte de Porto Alegre. Os assassinos foram presos em flagrante: Giovane Gaspar da Silva, de 24 anos, é policial militar e foi levado para um presídio da PM; o segurança Magno Braz Borges, de 30, contratado da empresa Vector foi detido em unidade da Polícia Civil. A investigação trata o crime como homicídio qualificado. A Justiça decretou a prisão preventiva dos criminosos.

Vídeo flagra espancamento até a morte de cliente negro em supermercado de Porto Alegre: homicídios contra negros sobem no país (Foto: Reprodução)
Vídeo flagra espancamento até a morte de cliente negro em supermercado de Porto Alegre: homicídios contra negros sobem no país (Foto: Reprodução)

Nas imagens que circulam nas redes, é possível ver os dois homens vestindo roupa preta, uniforme dos seguranças, dando socos no rosto da vítima, que já está no chão. Uma mulher próxima a eles parece filmar a ação dos agressores. Em seguida, já com sangue espalhado pelo chão, outras pessoas aparecem em volta do homem agredido, enquanto os dois agressores continuam tentando imobilizá-lo no chão.  De acordo com a Polícia Civil, João Alberto teria discutido com uma funcionária que chamou a segurança. “A esposa da vítima contou que eles estavam no mercado fazendo compras, que o marido fez um gesto, que ela não soube especificar, para a fiscal. E ele teria sido conduzido para fora do mercado”, afirmou a delegada Roberta Bertoldo em entrevista.

Carrefour disse, em nota, lamentar profundamente o caso, acrescentando que iniciou rigorosa apuração interna e tomou providências para os responsáveis serem punidos legalmente. A rede, que atribuiu a agressão a seguranças, também chamou o ato de criminoso e anunciou o rompimento do contrato com a Vector que responde pelos funcionários envolvidos no crime. A Brigada Militar, como a PM é chamada em Porto Alegre, informou que o policial é “temporário” e estava fora do horário de trabalho.

A delegada informou que, pelas imagens internas do supermercado, é possível confirmar que o PM trabalhava como segurança do local, o que o agente nega. “As imagens mostram que ele estava fazendo segurança”, disse Bertoldo. A funcionária que primeiro teria se desentendido com a vítima ainda no caixa também prestou depoimento. “Não posso especificar o que foi dito porque ela está sendo investigada”, afirmou a delegada. O vídeo da agressão circula nas redes sociais desde o fim da noite de quinta-feira. A polícia vai analisar as imagens do vídeo postado e também de câmeras de segurança do local.

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