Breve relato de um ex-dono de bar que sempre deixou clara sua posição política e humana, para desespero dos trouxas
Por Julinho Bittencourt, compartilhado da Fórum
Fui dono de bar durante quase vinte anos em Santos, litoral de São Paulo. Foi um boteco que ficou bem conhecido chamado Torto. O nome tinha um simples significado. O estabelecimento ficava em um dos inúmeros prédios tortos da cidade. Eles ficaram assim por terem sido construídos em solo inadequado, sobre um lençol freático. Ao menos foi essa a explicação que sempre ouvi.
Trocando em miúdos, o prédio onde ficava o bar não seria construído se existisse uma legislação adequada. Bem, ao menos é isso o que eu sempre achei disso tudo e de várias outras coisas da vida. Era, enfim, um bar com música ao vivo e ficou conhecido principalmente por isso. Mas havia outras coisas, muitas outras.
O Torto, assim como qualquer outro bar do planeta, refletia a mentalidade dos que o comandavam, no caso eu e outro sócio músico, o Biela, e meu primo Alfredo. E nós éramos todos de esquerda, progressistas e o bar, com os seus frequentadores, refletia essa mentalidade. Exatamente como o bar em Santa Tereza, no Rio de Janeiro, que tinha quadros do Lula e da ex-vereadora Marielle Franco nas paredes. Um vídeo do local foi parar nas redes sociais nesta semana. Nele, um fascista rasga um cartaz com a foto de Marielle e tenta quebrar um quadro com o presidente Lula.
Conselhos e mais conselhos
Sempre ouvi de algumas pessoas que não deveria me expor tanto assim enquanto dono de bar. Eu e meus sócios. E sempre demos de ombros. Em várias campanhas vi músicos falarem, cantarem jingles, hastearem bandeiras e tudo o mais, sempre de esquerda. Alguns poucos clientes furiosos me perguntavam o que eu faria se ocorresse o contrário. Se alguém subisse uma bandeira do então candidato Fernando Collor ou, até mesmo, do Bolsonaro. Respondia que não faria nada, não seria preciso. Que eles experimentassem fazer pra ver a vaia e o repúdio que iriam sofrer.
Da mesma maneira que nunca me imaginei indo a uma casa de tiros falar mal do Bolsonaro. Tenho apego à vida e muito mais o que fazer, diga-se de passagem. O grande problema das pessoas de direita é que os seus lugares, quase que invariavelmente, são chatos, muito pouco divertidos e quase sempre ligados à violência e à morte.
Quando precisam se divertir, que ninguém é de ferro, acabam indo parar em lugares frequentados por progressistas e têm que engolir Chico Buarque, Criolo, Caetano Veloso, Pablo Vittar, Ney Matogrosso, LGBTs, negros, mulheres descoladas que se sustentam, ideias que não admitem e cartazes de gente que não suportam.
Sempre soube que os fascistas estavam por lá, os reconhecia. Desde que mantivessem seu corolário de asneiras calado, estava tudo certo.
Certa vez, no Torto, um sujeito que desfilava pela cidade com um Jeep com uma Cruz de Ferro, símbolo apropriado pelos nazistas, e também uma suástica no braço, abordou uma moça, a tocando no braço. Ela prontamente reagiu: “você acha realmente que um nazista como você vai arranjar alguém em um lugar como esse? Vá procurar sua turma”.
O tal nazista murchou, ficou alguns minutos de cabeça baixa, se levantou e desapareceu para nunca mais voltar.
É só isso que se espera deles.