Por Washington Luiz Araújo, jornalista –
Nunca fui corporativista em relação aos erros cometidos pela imprensa nem condescendente com as minhas próprias falhas. Além disso, sempre procurei ter faro para distinguir equívocos não intencionais daqueles propositais. Entendo que esse sistema de alarme faz parte da profissão.
Por isso (e para isso), costumo me fazer algumas perguntas, rotineiramente. Por exemplo: qual é a diferença entre os atos de José Maria Marin que contribuíram para a prisão e morte de Vladimir Herzog e a atitude de donos de veículos de comunicação que deturpam e mandam deturpar fatos políticos, levando informações calculadamente distorcidas ao leitor, telespectador, ouvinte ou internauta, influenciando para prisões arbitrárias?
Preso recentemente na Suíça, sob acusação de ter cometido descalabros como dirigente esportivo, Marin, em 1975, desfiou, da tribuna da Assembléia Legislativa de São Paulo, um rosário de inverdades sobre Vladimir Herzog e elogiou o trabalho do delegado Sergio Paranhos Fleury, que se celebrizaria, entre outras atrocidades, como algoz do jornalista. Com sua atitude, Marin carimbou definitivamente sua participação no nefasto elenco de apoio aos atos da ditadura militar que levaram Vlado à prisão e morte.
No transcorrer de meus 33 anos de profissão, entendi que os erros voluntários, as cascas de banana, foram aumentando exponencialmente conforme acontecia a ascensão da esquerda na política brasileira. Esses erros cresciam de acordo com o aumento da quantidade de pobres melhorando de vida, com o número de filhos de pobres indo para universidades, com o aumento da frequência de pobres dentro de aviões e de moradias dignas.
Chegamos ao tempo em que cometer uma “barriga” (no jargão jornalístico, informação errônea publicada com destaque, o contrário do “furo”) não envergonha mais quase ninguém. Aliás, parece haver uma disputa sobre quem comete a “barriga” mais estrondosa, desde que seja para enlamear um governo, um partido ou uma categoria trabalhadora que não faça parte de suas predileções.
Os veículos de comunicação que vêm se notabilizando por essa prática nada diferem de José Maria Marin, que, ao enaltecer um notório torturador e apontar, indiretamente, quem ele deveria torturar, incentivou a ditadura militar a “suicidar” Vladimir Herzog. Aliás, grande parte da imprensa muito colaborou não só com matérias como também com bens materiais, como caminhonetes, para órgãos da repressão policial. Hoje posam de críticos daqueles atos, numa tentativa de lavagem de imagem.
A prática atual de relacionar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à corrupção, sem nenhuma prova, com o intuito de criar um dossiê de notícias negativas para envenenar a opinião pública e o judiciário, faz parte desse contexto e, sobretudo, dessa estratégia. Só para ficarmos num exemplo mais recente, o Brasil 247 destaca que “Folha dá aula de leviandade em manchete”. O site de notícias aborda o título da matéria principal do jornal Folha de S. Paulo, de 25 de junho, que traz: “Ex-diretor ligado a Lula continuará preso, decide juiz”. A leviandade apontada pelo Brasi l247 está no fato de que, no corpo da matéria, não é dito que o ex-diretor da Odebrecht tenha qualquer ligação com o ex-presidente da República. “De fato, como ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Alexandrino fazia a ponte entre as construtora e grupos de influência, ou seja, com políticos de todos os partidos, incluindo FHC, e também com meios de comunicação, como a própria Folha; a questão é: por que na manchete ele é apresentado como ligado a Lula?, diz o noticioso.
Numa época em que muito se fala na leviandade de internautas que, nas redes sociais, caluniam, injuriam e difamam, alguns meios de comunicação, em vez de trilhar o caminho da ética jornalística, cerram fileiras com aqueles que usam a rede de forma irresponsável, obtusa e nociva, dão mau exemplo e sinalizam: “Continuem a enxovalhar a vida de pessoas, com boatos, suposições furadas e deturpações, pois nós fazemos o mesmo e os alimentamos”.
Escolho o lema do grande jornalista Claudio Abramo para finalizar este texto: “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. Infelizmente, hoje, a inteligência está cada vez mais a serviço da prática de um mau-caratismo sem tamanho e de objetivos caracterizados por uma terrível indigência política, ética e moral.