Está em jogo a possibilidade de Hardt jamais responder, neste ou em outros processos, pela homologação da Fundação Lava Jato
Por Cintia Alves, compartilhado de Jornal GGN
Está marcada para a próxima terça-feira, 5 de março, a retomada do julgamento de uma representação disciplinar contra a juíza Gabriela Hardt que parlamentares do PT apresentaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Presidente do colegiado, o ministro Luís Roberto Barroso – uma das vozes mais ativas em defesa da Lava Jato nos últimos anos – joga duro para que a representação seja arquivada.
O eventual arquivamento dessa representação terá implicações relevantes. O que está em xeque é a possibilidade de Gabriela Hardt jamais vir a responder, neste ou em qualquer outro processo, por ter homologado o acordo “imoral e ilegal” – nas palavras do ministro Alexandre de Moraes – que daria vida à famigerada Fundação Lava Jato.
O acordo foi assinado entre os procuradores de Curitiba e a Petrobras, envolvendo parte da multa que a petroleira aceitou pagar às autoridades dos Estados Unidos para se livrar de processos naquele país.
Na sessão realizada no CNJ no último dia 20, Barroso deixou claro qual é sua posição. Para ele, Hardt apenas homologou um acordo cujos termos foram acertados não por ela, mas pelos procuradores de Curitiba, numa época em que a Lava Jato desfrutava de “prestígio” na sociedade.
“Vingança” contra Hardt
Barroso manifestou que Hardt seria alvo de “vingança” e da “mudança de ventos” que a Lava Jato sofreu nos últimos anos. O ministro pediu “empatia” com a juíza Hardt. Ressaltou também que não há provas de que ela tenha recebido vantagem indevida ou desviado recursos do acordo – a bagatela de R$ 5 bilhões em valores atualizados.
“Conselheiro Bandeira, com um pouquinho de empatia, vossa excelência vai ver a situação dessa moça. Desde 2019 paira sobre ela, uma juíza, um processo administrativo disciplinar cujas consequências podem ser graves. (…) Ninguém na vida deve estar sujeito a ficar quatro anos sob um inquérito que não termina”, disse Barroso, preocupado com a “cobertura midiática expondo essa moça que homologou um acordo, não desviou dinheiro, não. Homologou um acordo.”
Na tese de Barroso, condenar Hardt por ter homologado um acordo – um ato que ele considera meramente jurisdicional – seria um precedente perigoso, pois outros juízes ficariam com medo de sofrerem represálias no exercício da magistratura.
Além disso, mesmo reconhecendo que o acordo foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e que Hardt era incompetente para tê-lo homologado, Barroso argumentou que nada disso configura “infração disciplinar”.
“No dia em que nós dissermos que decisão proferida por juiz incompetente é infração disciplinar, não haverá CNJ que dê vazão, porque todos os dias têm dezenas de decisões considerando juízes incompetentes. Incompetência não é infração. (…) Todos os dias declaramos decisões de juízes de direito inconstitucionais, mas isso não é infração, por mais grave que seja.”Trecho da sessão do CNJ em 20/2/24. Barroso pede “empatia” com a juíza Gabriela Hardt e marca posição firme quanto ao arquivamento da reclamação disciplinar, alegando que não se pode esperar que outras provas surjam contra a juíza.
Tentativa frustrada
Duro e firme na sua posição, causando até a surpresa dos demais pares, Barroso refutou a tentativa de três conselheiros de se chegar a um acordo para que a representação não seja arquivada, mas sim juntada ao trabalho da correição extraordinária que o corregedor Luís Felipe Salomão conduz na 13ª Vara de Curitiba e na 8ª Turma do TRF-4.
A correição investiga, entre outras coisas, o destino dos recursos angariados pela Lava Jato em acordos de leniência e delação – inclusive a verba que seria desviada para a Fundação Lava Jato. Salomão alertou ao CNJ que as informações preliminares apontam que as condutas investigadas são graves e podem ensejar um processo administrativo disciplinar (PAD) contra Hard.
Salomão até arriscou uma proposta a Barroso: “Se eu me comprometer, em dois meses, a trazer o caso dela [em andamento na correição] para [o CNJ decidir se quer] abrir ou não abrir o PAD…”
Mas Barroso rejeitou de pronto a hipótese, dizendo que a única composição possível é: terminar o julgamento da representação em trâmite no colegiado desde 2021, que já acumula 8 votos pelo arquivamento. E reabrir esse mesmo caso no futuro, mas somente se a corregedoria encontrar provas de possível crime dolosamente praticado por Hardt.
“O que vossa excelência vai apurar não é incompetência e inconstitucionalidade. O que vossa excelência vai apurar na correição é se essa juíza teve alguma motivação ilegítima para homologar o acordo. Se vossa excelência apurar isso, é fato totalmente novo, que justifica a reabertura. Agora, não concluir esse julgamento porque vossa excelência está procurando ver se acha alguma coisa errada, com todo respeito…”, disparou Barroso.
Investigação prejudicada
Salomão explicou que se a representação em julgamento no CNJ for arquivada, o que está sendo apurado sobre a conduta de Hardt no âmbito da correição ficará prejudicado, porque uma pessoa não pode ser investigada pelos mesmos fatos em mais de um processo. Logo, não se sustenta a solução apresentada por Barroso para induzir o plenário a concordar com o arquivamento.
“Eu não estou propondo a punição da juíza, eu estou propondo que não seja arquivado, porque se isso for arquivado aqui, vai me atrapalhar a investigação”, disse Salomão na última sessão no CNJ sobre o tema. “Se for arquivada essa aqui, impede o prosseguimento da reclamação [derivada da correição], isso é obvio, porque são os mesmos fatos”, explicou Salomão.
Sem acordo sobre o prosseguimento ou não do julgamento, a sessão foi suspensa por um pedido de vistas.
Fundação Lava Jato
A fundação Lava Jato só não saiu do papel porque, na ADPF 568, o ministro Alexandre de Moraes decidiu, monocraticamente, que o dinheiro pertencia aos cofres da União, e não a uma fundação privada, muito menos uma que seria constituída sob a batuta dos procuradores de Curitiba.
Moraes chamou aquela manobra de “imoral” e “ilegal”. No CNJ, Barroso chamou de “ideia infeliz” e ressalvou que os procuradores já fizeram “mea culpa” e que, para todos os fins, nenhum dinheiro foi movimentado.
A representação contra Gabriela Hardt no CNJ por causa da Fundação Lava Jato foi feita por uma bancada de parlamentares do PT, que ingressou primeiro na corregedoria do TRF-4 – que deu vitória a Hardt – e, depois, recorreu ao CNJ para que se apure se a juíza cometeu infração disciplinar ao homologar um acordo inconstitucional e cuja competência não era da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Ignorando o entendimento do ministro Alexandre de Moraes sobre a imoralidade e ilegalidade do acordo, oito conselheiros do CNJ votaram, em 2021 e 2022, pelo arquivamento da representação contra Hardt. O julgamento está parado por mais de um ano e meio – o que tem sido citado por Barroso como razão para acelerar sua tramitação agora. A pressa impedirá que o plenário do CNJ tenha contato com os resultados da correição na 13ª Vara.