Por Katia Guimarães, publicado em Socialista Morena –
A notícia de que o governo está monitorando manifestações pessoais publicadas nas redes sociais não é bem uma novidade. O agravante agora, para ativistas digitais e movimentos sociais, é saber que o Palácio do Planalto utiliza uma empresa privada para conferir cada passo dos influenciadores políticos na internet, o que é vedado pelo Marco Civil da Internet. A avaliação é de Joana Varon, diretora da Coding Rights, um think tank fundado pela pesquisadora, membro do grupo ciberfeminista DeepLab, criado para contribuir para a proteção e promoção de Direitos Humanos no mundo digital.
“É chocante. Há limites para monitoramento por motivos de segurança, para estratégia de marketing. O problema é o que o Brasil não tem uma Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, como outros países da América Latina”, ressalta Joana. Na última semana, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o governo não só vigia tudo na internet como repassa dados de usuários para órgãos públicos, inclusive agentes de segurança. Para o serviço de big data, foi contratada a agência de publicidade Click Isobar, que recebeu do governo federal R$ 17,6 milhões em 2016 para vasculhar as timelines de oposicionistas
O PT também está questionando essa prática e vai convocar o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Sérgio Etchegoyen, para dar explicações sobre a espionagem de cidadãos na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. No documento, protocolado na semana passada, os deputados acusam o governo Temer de violar direitos e garantias básicas do Estado Democrático. “Espionagem e controle de opinião sobre política são práticas dos regimes totalitários”, ressalta Paulo Pimenta (PT-RS). Para ele, a obsessão de Temer por medidas de extremo autoritarismo decorre da falta de legitimidade de seu governo. “Tenta se manter pelo uso da força e de práticas que são condenáveis por sociedades democráticas”, diz.
O parlamentar refere-se ao fato de a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) estar subordinada ao GSI, uma das primeiras medidas de Michel Temer ao assumir o Palácio do Planalto. “Começa com essa Medida Provisória e na escolha de um general para comandar o GSI. Sérgio Etchegoyen foi aquele sujeito que classificou a Comissão Nacional da Verdade como ‘patética’, após a revelação de que um de seus familiares era responsável pela Casa da Morte, local de tortura e morte de presos políticos da ditadura, localizada no município de Petrópolis, Rio de Janeiro”, lembra. Para Pimenta, o monitoramento do governo é mais um escândalo que põe em risco a privacidade e segurança de milhões de brasileiros. “Revela, mais uma vez, o desprezo pela legalidade e institucionaliza a espionagem, a deduragem com dinheiro público, pratica usual das ditaduras”, critica.
Mercado de vigilância
Na visão de Joana Varon, com a realização de megaeventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Brasil virou um grande mercado de vigilância. “Houve um aumento de compra de equipamentos de vigilância, aumento das competências dos poderes, foram criados centros integrados de comando e controle, houve treinamento com agentes norte-americanos”, destaca, lembrando os preparativos para os eventos. Desde os protestos de 2013, passando pelas manifestações anti-Copa e anti-Olimpíadas, policiais e militares aumentaram o monitoramento e coleta de informações publicadas nas redes ou em grupos ativistas sob a justificativa da garantia da segurança nacional.
Três casos emblemáticos revelaram a vigilância abusiva e, inclusive, a infiltração de agentes de segurança disfarçados entre militantes. Conhecido como o “o processo dos 23″, ativistas foram presos após protesto às vésperas da final da Copa, entre eles Elisa Quadros, vista como líder do movimento e conhecida nacionalmente como Sininho, e a advogada Eloísa Samy. Reportagem da Agência Pública de janeiro desse ano conta como Eloísa teve sua vida devassada por policiais –ligações grampeadas e postagens no Facebook monitoradas. Uma das peças fundamentais do inquérito foi justamente o testemunho de um policial militar de Brasília que trabalhava na Força Nacional durante a Copa para coletar informações e se infiltrou num grupo do Telegram em que a advogada estava.
Mais recentemente, em 2016, a Ponte Jornalismo descobriu que o capitão de inteligência do Exército Willian Pina Botelho também se infiltrou em um grupo de manifestantes e ajudou a prender 21 jovens. Ele foi pego quando a Polícia Militar de São Paulo realizou uma megaoperação com ônibus, helicópteros e diversas viaturas para prender os manifestantes que estavam reunidos no Centro Cultural São Paulo (CCSP), na região central, antes do ato contra o presidente Michel Temer, na Avenida Paulista. Sob o codinome de Baltazar Nunes, o Balta, o falso militante usou oaplicativo Tinder para se aproximar de grupos de esquerda.
Durante a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, em março, veio à tona que a Polícia Federal está monitorando de perto a atividade de vários militantes de esquerda no Facebook. No inquérito, era citado que os investigadores chegaram até a fonte que antecipou ao blogueiro a condução coercitiva de Lula porque ela “curtiu” comentários de perfis críticos à Lava-Jato no face, entre eles o escritor Fernando Morais. O perfil do escritor na rede social foi escarafunchado pelos policiais. “Muitas de suas externalizações são feitas de maneira desrespeitosas para com as instituições e as autoridades públicas envolvidas na condução da assim denominada operação Lava-Jato”, diz o texto sobre Morais, como se fosse crime criticar o juiz Sergio Moro e sua turma.
Proteção de dados
Para a Coding Rights, o Marco Civil da Internet não é suficiente para proteger a comunicação nas redes. Aprovado em 2014, prevê a inviolabilidade e sigilo de suas comunicações, garantindo o direito à privacidade. O uso de conteúdo por terceiros, incluindo o governo, depende de consentimento ou ordens judiciais. Há penalidades para empresas que descumprirem as regras, podendo chegar à suspensão de suas atividades.
Joana Varon defende a aprovação do PL 4060/2012, enviado pela presidenta Dilma Rousseff ao Congresso, que cria a Lei Geral de Proteção de Dados, disciplina a privacidade de informações e protege o direito à liberdade de expressão, comunicação e opinião publicadas na web. Anexada ao PL 5276/2016, a matéria regula o tratamento de dados pessoais, destacando os chamados “dados sensíveis”, que incluem informações relativas à origem social e étnica, à informação genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e filosóficas do titular. O texto ainda prevê a responsabilização de pessoas jurídicas, de direito público ou privado. Ele garante maior segurança na web também ao tornar crime, inclusive de estelionato, os acessos não autorizados.
Estudo assinado pelo consultor legislativo da Câmara dos Deputados, Cláudio Nazareno, destaca a importância do projeto e afirma que esse rigor na proteção de dados é um movimento global. Vale lembrar que os EUA, por exemplo, aprovaram em 2015 reforma da Lei de Vigilância. Isso ocorreu após o analista Edward Snowden revelar a espionagem cibernética feita em massa pela Agência Nacional de Segurança (NSA) norteamericana. Guardadas as devidas proporções, lá como aqui, o pretexto era segurança nacional –no caso dos EUA, prevenir ataques terroristas, o que avançou após o 11 de setembro de 2001.
O texto ainda regulamenta a transferência internacional das informações com base no princípio da reciprocidade e completa os avanços do Marco Civil, garantindo segurança aos usuários. Fruto de um amplo debate público promovido on-line pelo Ministério da Justiça durante quase seis meses, recebeu mais de 50 mil visitas e mais de 1.100 contribuições. Agora, está em discussão numa comissão especial da Casa relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
(Com informações da Agência Câmara)