Por Rafael Neves, compartilhado de The Intercept Brasil –
Ambientalistas e Ministério Público barram a obra há duas décadas. Agora, empresário decidiu mandar na cidade para cortar caminho.
O CANDIDATO MAIS RICO DO BRASIL nas eleições municipais de 2020 aparecerá nas urnas usando apenas seu primeiro nome, João. Trata-se do empresário João Carlos Ribeiro, que decidiu estrear na vida pública aos 79 anos para cuidar dos próprios interesses empresariais.
Com patrimônio de R$ 1,55 bilhão declarado à Justiça Eleitoral, Ribeiro quer ser prefeito de Pontal do Paraná, litoral do estado, para fazer deslanchar a construção do porto que quer instalar no município de 27 mil habitantes.
A obra é alvo de uma disputa que Ribeiro trava há 18 anos contra ambientalistas e o Ministério Público local. Ele espera, a partir de 2021, ter no prefeito da cidade – ele mesmo – um fator adicional de pressão política a favor do negócio.
Perguntei a Ribeiro o que o levou a buscar a cadeira de prefeito. O bilionário não esconde do eleitorado – e das autoridades – que seu porto é a base da campanha: ele promete colocar a cidade entre as 30 mais ricas do Paraná. “O salto realmente significativo [no PIB do município] virá em decorrência de um grande projeto que eu tenho para o município, que é o terminal de contêineres”, elogiou-se.O Intercept contou a história da disputa em dezembro passado, em reportagem de Lorena Klenk. O porto de Ribeiro é um negócio privado, mas para ser construído vai custar, além do dano ambiental irreversível, muito dinheiro público. É que o governo do Paraná precisará construir uma rodovia de pista dupla para acesso de caminhões e veículos ao terminal.
Ela está estimada em R$ 309 milhões (e obras públicas, no Brasil, costumam custar muitas vezes mais do que a previsão inicial) e irá devastar pelo menos 288 hectares de Mata Atlântica num dos trechos mais conservados do bioma no Brasil – ou a área de aproximadamente 270 campos de futebol. Terras indígenas e de comunidades tradicionais de pescadores serão afetadas.
Paralelas à rodovia, estão previstas ainda uma ferrovia, um gasoduto, uma linha de transmissão de energia elétrica e um canal de macrodrenagem de águas pluviais. Apesar de tudo isso, o governador Ratinho Júnior, do PSD e filho do apresentador do SBT, é um entusiasta da obra.
Para o eleitorado local (19 mil pessoas), ele acena com a promessa de seis mil postos de trabalho – uma oferta irresistível numa localidade que vive basicamente do dinheiro deixado pelos turistas nos meses de verão. “E sabe quem pode ter um desses empregos que vamos ter? Você, seus filhos e todos que precisam de emprego”, diz o trecho de uma propaganda do candidato.
O bilionário reclama da “falta de vontade política” do governo do Paraná, em gestões anteriores, com o seu projeto. Mas ele ficou animado com a empolgação de Ratinho Júnior, com quem se gaba de ter intimidade. O governador luta na justiça para tirar do papel a obra da rodovia, apesar do licenciamento dela ser alvo de suspeitas de irregularidades, como também revelamos.
Não é só Ratinho quem está com Ribeiro. Na disputa pela prefeitura, ele tem apoio do atual prefeito da cidade, que também quer ver o porto sair, e de alguns figurões da política local, como Cida Borghetti, ex-governadora do Paraná e casada com o poderoso deputado federal Ricardo Barros, do Progressistas, líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Na outra ponta, o Ministério Público do Paraná tenta suspender o aval para a obra. A disputa que começou na justiça estadual está hoje no Superior Tribunal de Justiça, o STJ, que é palco de uma guerra de liminares sobre a licença prévia. O julgamento de um recurso dos promotores contra a autorização estava marcado para 7 de outubro, mas acabou adiado.
“Eu quero deixar claro que não preciso de mais nada da prefeitura para construir o porto”, me falou Ribeiro, para dizer que não irá usar a máquina administrativa do município a favor de seu negócio. Pode até ser verdade. Mas a pressão política que o prefeito pode fazer a favor do empreendimento dele – e, principalmente, contra os opositores do porto – estará em disputa nas urnas.
Correção: 19 de outubro, 13h10
A primeira versão deste texto afirmava, incorretamente, que 288 hectares de Mata Atlântica que devem ser devastados pela rodovia equivalem a quase o dobro da área cidade de São Paulo. O município, porém, tem 152 mil hectares, e não 152 hectares. O texto foi corrigido
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