Por Joel Guimarães, jornalista, Facebook –
Recém- chegado em São Paulo para trabalhar na sucursal do Globo, fui pautado para fazer uma matéria especial sobre o contrabando na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Por ali, passava boi, boiada, café, drogas e armas. Drogas e armas eram compradas pelo crime organizado. Boi, café e soja ficavam a cargo dos latifundiários de Mato Grosso do Sul e do Paraná.
Antes de ir para a fronteira deveria viajar a Brasília. A ideia era entrevistar o Secretário da Receita Federal, Guilherme Quintanilha. Era preciso saber quais as medidas que estavam sendo tomadas pela RF para combater o descaminho naquela região. Apelidada pelos próprios fiscais de “queijo suíço”.
No dia da viagem, acordei cedo. Coloquei o meu melhor terno, o número único e vesti a camisa nova que havia comprado. Enfim, caprichei no “look”. Me olhei no espelho e gostei do visual. Estava bonitão!.
Lépido e faceiro fui até a esquina da rua onde morava (a Fidalga). Peguei um táxi. Pedi ao motorista que me levasse até a rua da Consolação, esquina com a avenida São Luiz. Lá chegando saltei. Tomei um café na padaria, comprei cigarros e atravessei a rua para chegar até o Conjunto Zarvos, onde ficava a redação da sucursal.
Quando atravessava a rua senti um dor e uma ardência terrível no pé direito. Olhei para baixo e só então percebi que estava apenas de meias. Havia esquecido de colocar os sapatos.
Meio sem graça cheguei a sucursal. Fui até a mesa do chefe da redação, Wilson Gomes. Bastante envergonhado disse que eu e o Soneca, o fotógrafo que havia sido escalado para a matéria, iriamos perder o avião.
– Joel, vc nem parece que é paranaense. Mineiro é que sempre exagera e chega sempre horas adiantados. Ainda faltam duas horas para o embarque. O motorista vai leva-los até Congonhas. Dá tempo de sobra- disse o Wilson
– Daria se eu estivesse calçado. Na pressa, esqueci de vestir os sapatos. Só notei isso agora quando atravessava a rua e pisei numa bituca de cigarro acesa, expliquei.
Wilson me olhou e garantiu que já havia trabalhado com repórteres que perderam o avião por várias razões. Mas por ter esquecido de botar os sapatos e ainda pisar em uma bituca acesa era a primeira vez.
Enquanto a secretária da redação ligava para a companhia aérea tentando nos colocar no próximo voo fui, ainda sem sapatos, a uma loja próxima a sucursal comprar um.
Soneca e o Miguel, o motorista que nos levou até o aeroporto, já me esperavam na entrada do prédio. Soneca olhou para os meus pés e disse :
-Agora vc pode pisar em bituca acesa à vontade.
Já no carro respondi:
-Sei não. Meu pé continua doendo. Acho que comprei um número menor ao que eu calço.
Desconfiado, Soneca me aconselhou a tirar o sapato, para dar uma olhada no pé ferido. Tirei e só então percebi que a bituca praticamente destruiu a meia na parte que cobre a sola do pé. Com isso, a ferida ficou em carne viva.
Resultado: embarquei calçando apenas um pé. Ao chegar em Brasília comprei uma sandália havaiana. Fui para entrevista calçando sapato no pé esquerdo e a havaiana no pé direito.
Recebido no gabinete do Quintanilha ele notou aquela estranha combinação e perguntou:
Ué, vocês jornalistas encontraram uma forma diferente de protestar contra o governo? Esse eu não conhecia!