Blocos do carnaval de Pernambuco combinam folia e mobilização social

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Cerimônia religiosa-cultural Ubuntu e tradicionais Nem com uma Flor e Eu acho é Pouco combatem, respectivamente, intolerância religiosa, violência de gênero e totalitarismo político

Por Adriana Amâncio, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Bloco Nem com uma Flor, no Carnaval de Recife: mensagens e ações contra a violência de gênero (Foto: Andrea Rego / Prefeitura do Recife)

Quando o assunto é impacto social, o frevo, o maracatu e o afoxé, ritmos que imperam no carnaval de Pernambuco, dividem o seu reinado com mensagens e ações sociais. A programação, que tem alegria e mobilização social, é assim: um pé na folia e o outro na impacto social. Há 22 anos, o bloco Nem com uma flor invade as ruas do Recife com uma multidão lilás para dizer não à violência contra a mulher. Fundada em 2001, a agremiação – que tomou emprestado os versos do frevo de Capiba, que diz: ‘sempre ouvir dizer, que em uma mulher, não se bate nem com uma flor” – antecede o carnaval do Recife com muito frevo e prepara os foliões para aproveitarem a festa conscientes de que carnaval bom não tem violência de gênero.

O bloco Nem com uma Flor volta às ruas do Recife, neste primeiro carnaval após a pandemia da Covid-19, nesta quinta-feira, 16, com concentração na Praça do Arsenal, no Bairro do Recife, às 15h. Ao som de muito frevo, os organizadores prestam informações e divulgam os serviços de atendimento às vítimas de violência. A Secretaria da Mulher do Recife estará com um stand de atendimento, funcionando entre os dias 17 e 21, à noite, ao lado do Paço do Frevo. Nos palcos descentralizados, também serão instalados stands de atendimento às vítimas de violência durante o reinado de Momo.

Afoxé Oxum Panda no primeiro ensaio geral de 2023 do Ubuntu: cerimônia religiosa-cultural, com 26 afoxés, foca no combate à intolerância religiosa e ao racismo (Foto: Tales Pedrosa)
Afoxé Oxum Panda no primeiro ensaio geral de 2023 do Ubuntu: cerimônia religiosa-cultural, com 26 afoxés, foca no combate à intolerância religiosa e ao racismo (Foto: Tales Pedrosa)

Em um misto de festa e religiosidade, o Ubuntu – proteção e paz para o carnaval, um ritual espiritual do Candomblé – purifica as ruas e pede bênçãos aos orixás para a folia do Recife. Ubuntu é uma filosofia africana, que significa eu sou, porque nós somos. Essa mensagem inspira desejos de que o altruísmo e a empatia sejam sentimentos que se sobreponham à violência e à discriminação no carnaval. A programação envolve dois ensaios gerais, encontros que reúnem os 26 afoxés participantes. No domingo de Carnaval, 19 de fevereiro, os afoxés promovem seu segundo (o primeiro foi em 10/02) ensaio geral no Pátio de São Pedro, no bairro de São José.

A programação do Ubuntu inclui ainda a lavagem da Rio Branco, que será realizada também nesta quinta, dia 16 de fevereiro. Ialorixás e babalorixás preparam o Amaci/Omieró, uma mistura de ervas usada na lavagem simbólica ao longo do cortejo pela Avenida Rio Branco até o Marco Zero do Recife. Integrante do Afoxé Oxum Pandá, do terreiro Abassá Bao Oxum, localizado no bairro de Jardim São Paulo, na Zona Oeste do Recife, Jorge Seo destaca que a grande mensagem da cerimônia é o combate ao racismo. “O preconceito contra as religiões de matriz africana está ligado ao racismo, que graças a Deus, no Brasil, é crime. O Candomblé é uma religião brasileira, que tem a matriz na África. Quem nega o Candomblé, está negando a si mesmo. A lavagem é uma prática ancestral que serve para entender o quanto somos diversos. Quem vier para o Ubuntu, vai encontrar muito amor, muito axé, que quer dizer paz”, explica.

Dragão, alegoria histórica do bloco Eu acho é Pouco, nas ruas de Olinda: resistência aos totalitarismos (Foto: Aurélio Velho)
Dragão, alegoria histórica do bloco Eu acho é Pouco, nas ruas de Olinda: resistência aos totalitarismos (Foto: Aurélio Velho/Divulgação)

Os ares democráticos que voltaram a pairar no Brasil são o motivo da celebração do bloco olindense Eu acho é Pouco, que volta a animar os foliões no carnaval 2023. Essa, que é uma das agremiações mais tradicionais do carnaval pernambucano, ganhou as ruas pela primeira vez em 1977, pedindo, de forma irreverente, por democracia, em plena ditadura militar. Driblando a repressão, um grupo formado, em grande parte, por arquitetos, engenheiros, advogados e outros profissionais, encontrou na licença poética do carnaval uma maneira de se expressar politicamente, mesmo em meio ao horror da repressão dos anos de chumbo. O bloco é conhecido pelas cores vermelha e amarela, que simbolizam a vibração da folia, mas também as raízes comunistas chinesas, inspiradoras das suas convicções políticas.

A agremiação já está na segunda geração e, hoje, é tocada pelos filhos e netos do grupo fundador. A alegoria, que já se tornou ícone do carnaval pernambucano, é um dragão, que arrasta foliões do mundo inteiro pelas ladeiras de Olinda. Esse dragão foi introduzido à agremiação, em 1986, pelo folião paraibano Breno Matos e caiu no gosto do público. Para este carnaval, o Eu acho é Pouco escolheu o tema “A gente não arreda o pé”, que Segundo a jornalista Luciana Veras, integrante do bloco, tem a ver com a folia e com o momento político atual.

“Essa frase representa a resistência do povo preto, LGBTQIA+, indígena, as mulheres, todos que resistiram aos últimos anos obscuros no Brasil. Mas também representa o nosso compromisso com o carnaval, a gente não larga o carnaval, não arreda o pé do carnaval”, explica. O desfile do bloco Eu acho é Pouco acontece no Sábado de Zé Pereira e na terça-feira de carnaval, dia 21. Aqui tem outras dicas da programação do carnaval de Pernambuco

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