Boate Kiss, Brumadinho, Ninho do Urubu, Mariana e Maceió: famílias se unem por Justiça

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As associações que representam o conjunto de parentes das vítimas resolveram unir esforços para que os responsáveis pelas tragédias sejam condenados

Por Marcelo Hailer, compartilhado de Fórum




Boate Kiss, Brumadinho, Ninho do Urubu, Mariana e Maceió: famílias se unem por Justiça.Créditos: Reprodução redes sociais

Os familiares das vítimas da Boate KissNinho do UrubuBrumadinhoMariana e Maceió optaram por juntar as associações que representam, respectivamente, cada uma das tragédias, para pressionar as autoridades por Justiça.

Como primeira ação das cinco entidades, foi enviado no último dia 15 de abril um pedido de audiência pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que deve ser realizada no primeiro período de sessões, em julho de 2024.

Em entrevista à Fórum, Paulo Carvalho, pai de uma das vítimas do incêndio da Boate Kiss, revelou que a união das entidades “foi tomando forma a cada tragédia. Familiares acabavam entrando em contato, as associações sendo formadas e também algo que deu um impulso forte foi a escritora Daniela Arbex que escreveu três livros dessas 5 tragédias ela escreveu sobre a Boate Kiss, de brumadinho e do Ninho do Urubu. A de Mariana o livro da jornalista Cristina Serra. Acabavamos nos encontrando em eventos, lançamentos de livros, etc”.

Paulo também explica que outro fator que uniu as famílias foi uma triste coincidência: a omissão do poder público. “A ideia sempre permeava os pensamentos porque a cada história, víamos que as causas iniciais de todas elas sempre foi pela omissão pública e pela ganância de negligentes empresários. Empresários pequenos e grandes empresas. Vale, Braskem Flamengo (tb uma empresa de esportes) e isso se mostrava pela sucessão de tragédias causada pela impunidade que vem do sistema de justiça lento e leniente. Anos e anos com apelos aceitos pelos tribunais vindo de defesas e nenhuma responsabilização”.

“A não responsabilização dos culpados é a característica de todas elas e de muitas outras pequenas tragédias, isoladas na maioria dos casos onde criminosos seja por dolo premeditado ou por dolo eventual quando assumem o risco à vida alheia acabam sem punição e até prescrevendo o crime”, destaca Paulo.

Para o representante da associação de familiares da Boate Kiss, há outro fator comum que conecta as tragédias: “a lentidão e a burocrata ação do judiciário e aceitando, o que todos sabem e os juízes também, que os apelos são feitos por astúcia e malícia de grandes escritórios de advocacia. Sem dúvida não são todos, mas esses que atendem aos mais poderosos são os que fazem essas imoralidades procurando brechas na lei e firulas processuais sem sentido algum ao que está sendo julgado. O Crime.”

A espera da Justiça

As tragédias de Brumadinho, da Boate Kiss, Ninho do Urubu, Mariana e Maceió desnudam a humilhação estatal a que são expostas os familiares das vítimas e a espera pela Justiça, que parece nunca ter fim.

“O caso Kiss é essa aberração maior. Com muito custo pessoal dos familiares se conseguiu que finalmente os 4 réus fossem a julgamento após quase 9 anos, foi em dezembro de 2021. Condenados a penas de 18 a 22 anos, porque não havia dúvidas sobre seus crimes. Tudo estava ali nos documentos do inquérito. Por isso que as defesas só queriam adiar ao máximo buscando a prescrição, o que não conseguiram, porém após o veredicto o juiz recebeu um HC preventivo e os 4 réus saíram pela porta da frente do tribunal. Mas uma mudança muito importante foi a ação do então presidente do STF Luiz Fux que reverteu anulando o HC e os 4 réus foram conduzidos à prisão. A lei que diz com toda clareza que condenados a mais de 15 anos têm que cumprir as penas enquanto se apela da decisão.”

Como se sabe, o juri do caso da Boate Kiss foi anulado. “Infelizmente 7 meses após um TJRS anulou o júri, não sem fazer críticas a decisão do Fux. Uma vergonha dita no voto de um desembargador a favor da anulação. Os 4 réus foram punidos por 7 meses e isso foi o 1º caso de incêndios no Brasil que os responsáveis foram condenados por dolo eventual. Isso criou um precedente muito importante para futuros casos, no entanto com a anulação isso deu um sentimento da continuação da impunidade. Um novo julgamento só seria mais sofrimento e mais anos de espera por justiça com as apelações.”

Em seguida, Paulo explica que um recurso foi enviado ao STF. “Entramos com um recurso contra a anulação e o novo julgamento foi adiado até que o recurso seja julgado. E esse recurso já está no STF e tem muita clareza quanto à inconstitucionalidade da decisão, pois os pedidos de anulação foram feitos depois do resultado do julgamento. Esse julgamento no STF está para acontecer nos próximos meses ou um pouco mais de tempo. E sim, acredito que um basta a isso deve acontecer e os réus serão condenados”

Confira abaixo a íntegra do manifesto de união das associações: 


“UNIÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE FAMILIARES DE VÍTIMAS

Ninho do Urubu-Santa Maria,Kiss-Maceió-Brumadinho-Mariana

1º ATO: Pedido de audiência conjunta à Comissão  Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

Informamos que após estabelecermos essa união das associações com propósitos comuns quanto a Justiça e reparação,  como 1º ato enviamos nesse mês, dia 15 de abril de 2023, um pedido de audiência pública a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a   ser realizada no próximo período de sessões em julho de 2024.

O objeto da audiência pública requerida são as contínuas graves violações de direitos humanos promovidas por particulares e empresas de grande porte no Brasil, que contam com a conivência do poder público brasileiro no sentido de que não sejam prevenidas e com a omissão do sistema de justiça brasileiro para que não haja responsabilização, pavimentando o caminho para a impunidade e a repetição de ditas violações em território nacional.

Obs: A AVTSM já protocolou uma petição em fevereiro de 2017 que está em tramite e estamos aguardando a análise de admissibilidade.

Nesses anos, a Associação de Familiares de Santa Maria teve contato com os familiares das tragédias seguintes. A dura realidade mostra que as irreparáveis mortes de tantas tragédias têm como causa inicial a ganância do setor privado e a omissão do poder Público. A impunidade vinda do sistema de Justiça que não responsabiliza os criminosos perpetua que tragédias continuem ocorrendo porque não há o receio da punição. O breve relato de cada uma dessas tragédias mostra essa linha de omissão, ganância e impunidade.

1) Ninho do Urubu – Clube de Regatas Flamengo

Jovens, todos menores de idade, jogadores da base do clube estavam alojados em um Container, inseguro com péssimas instalações elétricas e sem saídas de emergência. Jovens que seus pais deixaram sob a guarda do clube.

O local inseguro foi denunciado pelo Corpo de Bombeiros e mesmo sendo notificado, a diretoria do Clube não tomou as providencias necessárias à segurança das vidas dos jovens sob sua guarda.

Se omitiu criminosamente como consta nos e-mails obtidos pela investigação policial. Relatórios, investigações e laudos do Corpo de Bombeiros e sem dúvida a inercia das autoridades públicas que não demandaram o fechamento do local que servia de alojamento. O incêndio ocorreu em 08 de fevereiro de 2019 e passados 5 anos ainda não foram julgados os responsáveis que vitimou 10 jovens e deixou 16 feridos.

A morte dos jovens foi causada pelo descaso, negligencia e irresponsabilidade criminosa dos dirigentes responsáveis pelo clube presidente e diretores que tinham conhecimento oficializados da situação.

2)Tragédia da Boate Kiss

A tragedia da boate Kiss em 27 de janeiro de 2013 vitimou 242 jovens e deixou 636 feridos. A 5ª maior do mundo em ambiente fechado. Policia Civil indiciou 28 pessoas. O MPRS arquivou os processos de todos os entes públicos da prefeitura.

Pais foram processados por promotores e pelo próprio MPRS por criticarem o arquivamento. O laudo técnico condenando a boate antes da tragédia foi ignorado pelo prefeito secretários e pelo próprio MPRS. O motivo principal da petição a Comissão da Corte IDH foi esse arquivamento de processos, o processo contra os pais e a lentidão do processo, que só chegou ao julgamento e condenação de 4 réus 9 anos depois. E mesmo com essa justiça parcial ainda 7 meses depois o júri foi anulado por questões processuais preclusas feitas pela astúcias de advogados que todos sabem como agem. 

No momento aguardamos a decisão do STF, que esperamos reverta essa anulação e garanta o Direito e soberania do júri estabelecido na Constituição. Nesses anos tivemos contatos com os familiares das tragédias seguintes e a linha clara das causas iniciais dessa sucessão de tragédia é a ganância do setor privado e a omissão do poder Público.

3) Crime de Maceió – Mineradora Braskem

A tragédia manifestou-se em 03 de março de 2018, quando aconteceu um terremoto de magnitude 2,5 na escala Richter, em Maceió, porque duas minas de exploração de sal-gema se juntaram. Foi uma tragédia anunciada com conhecimento da empresa Braskem que explorou minas de sal-gema desde 1976, de modo ganancioso e sem os cuidados devidos. Relatórios, investigações e laudos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) atestaram a responsabilidade da Braskem.

O desastre/crime socioambiental atingiu aproximadamente 60 (sessenta) mil pessoas diretas, com indenizações materiais e imateriais irrisórias, e mais de 200 mil pessoas sem indenizações, contidos neste número as comunidades com ilhamento socioeconômico que estão condenadas a permanecerem nas localidades que perderam as mínimas condições de abrigar com dignidade seres humanos que lá moram, como as comunidades do Flexal de Baixo, Flexal de Cima, Quebradas, Rua Marquês de Abrantes, Rua Santa Luzia da Vila Saem, Bom Parto e as adjacências da Gruta do Padre.

As violações aos direitos humanos que ocorreram a partir da identificação da tragédia continuam, mesmo após denúncias aos órgãos do sistema de justiça, que na sua maioria continuam inertes ou com uma atuação para ineficaz. O inquérito da Polícia Federal não foi concluído até hoje, e o Ministério Público Federal permanece paralisado quanto à responsabilização penal dos responsáveis, assim após 5 anos os integrantes da empresa continuam sem responder pelos crimes cometidos. 

4) Crime do Rompimento de barragem da mineradora Vale em Brumadinho

O Crime de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, foi um desastre ambiental e humano sem precedentes, resultante do rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, operada pela empresa mineradora Vale. Este incidente devastador resultou na perda irreparável de 272 vidas e causou danos catastróficos ao meio ambiente circundante. Das vidas ceifadas, 249 eram trabalhadores próprios e terceirizados da mineradora Vale, 21 pessoas da Comunidade e turistas, além de 2 nascituros.

A tragédia não foi apenas um acidente, mas um crime premeditado. A empresa Vale estava ciente das condições precárias da barragem muito antes do incidente, mas optou por ignorar as advertências. A investigação revelou uma série de ações dolosas por parte da empresa, incluindo a decisão de que o custo associado à perda de vidas humanas seria inferior ao custo de realizar as reformas necessárias para garantir a segurança da barragem e evitar a interrupção das operações.

A ganância corporativa prevaleceu sobre a segurança e o bem-estar das pessoas, como evidenciado pelos e-mails e relatórios obtidos durante a investigação policial. A empresa Vale falhou em sua responsabilidade de proteger tanto as pessoas quanto o meio ambiente.

Apesar da gravidade do crime e das evidências apresentadas, nenhuma das pessoas indiciadas foi responsabilizada até o momento, mesmo após cinco anos do ocorrido. As violações aos direitos humanos persistem, com a impunidade dos responsáveis ampliando ainda mais a dor das vítimas e de suas famílias. A luta por justiça continua.

5) O CRIME do Rompimento da Barragem Fundão em Mariana

No dia 05 de Novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão pertencentes a empresa Samarco Mineração uma joint-venture entre a Vale e anglo-australiana BHP Billinton.

O rompimento liberou um volume entre 30 e 60 milhões de metros cúbicos, matando 19 pessoas e 1 abortamento, devastando os subdistrito de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, assim como parte da Zona Rural de Mariana, percorreu aproximadamente 35 municípios de Minas Gerais e 05 do Espírito Santo. Gerando cerca de 600km de destruição e prejuízos sociais e econômicos incalculáveis.

Até o momento não houve punição das pessoas físicas e jurídicas envolvidas. Rios continuam poluídos, solo imprestavel, comunidades prejudicas, bens culturais não recuperados. Apenas uma multa foi paga, as demais todas contestadas, a empresa Samarco voltou a operar em 2022. Centenas de pessoas faleceram sem serem indenizadas e reassentadas. Enquanto os que ousam a lutar  por direitos vem sofrendo retaliação por parte da Fundação que foi criada para fazer a reparação, reparação  essa que está sendo feita a conta gotas  enquanto os responsáveis  pelo CRIME ampliam seus lucros, cometem novos crimes e ainda causam instabilidade  nas populações que vivem no entorno de seus empreendimentos.

 Conclusão

Enquanto esse sistema de Justiça continuar a perpetuar a impunidade tragédias continuarão a suceder porque não há receio de empresas irresponsáveis que continuam com o desrespeito à vida humana e ao meio ambiente e contam com a conivência criminosa do poder público com sua omissão antes e depois da ocorrência de crimes contra à vida.
Quem serão as próximas vítimas onde e quando não sabemos, mas se nada for feito efetivamente pelo sistema de Justiça, é só uma questão de tempo.”

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