Será a correição do CNJ capaz de dar transparência ao fluxo de dinheiro controlado indevidamente pela 13ª Vara desde 2016?
Por Cintia Alves, compartilhado de Jornal GGN
Um mês antes de ter sido afastado da 13ª Vara de Curitiba sob o pretexto de ter feito um suposto trote ao advogado João Malucelli – que, por acaso, vem a ser sócio e genro de Sergio Moro, e filho do desembargador Marcelo Malucelli, do TRF-4 – o juiz federal Eduardo Appio tentava descobrir o paradeiro de milhões de reais controlados indevidamente pela Lava Jato.
A misteriosa cifra, fruto de multas pactuadas em acordos de leniência e delação premiada, agora está na mira da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ainda mantém Appio afastado de suas funções.
Em condições normais de temperatura e pressão (ou seja, sem boicote ao gabinete de Appio, nem afastamento brusco da 13ª Vara), possivelmente esse mistério estaria mais perto de ser resolvido. De toda forma, parece que o CNJ já não pode ignorar o tamanho do elefante escondido embaixo do tapete. No relatório parcial da correição extraordinária, a Corregedoria corroborou as suspeitas de Appio.
O boicote a Appio
Em 25 de abril de 2023, Appio requereu à secretaria da 13ª Vara, “com máxima urgência”, informações atualizadas sobre o saldo disponível na conta judicial que fora “criada” por Sergio Moro para concentrar os valores arrecadados nos acordos. Um dia depois, Appio foi comunicado pela secretaria de que o servidor oficial de seu gabinete acabara de sair de férias. Ou seja, não havia nenhum servidor disponível para atender à demanda de Appio.
O boicote ao trabalho de Appio, por meio do esvaziamento de seu gabinete, foi reportado pelo GGN aqui. Somente por requisição do TRF-4, a 13ª Vara perdeu seis servidores. Três foram atender ao desembargador Luiz Antonio Bonat, o sucessor de Moro; outros três foram para o gabinete de Loraci Flores – que veio a ser o relator da suspeição de Appio.
Curiosamente, em seu voto pela suspeição, Loraci debochou da situação. Disse que a “assertiva” de Appio, de que seu trabalho na Lava Jato vinha sendo prejudicado pela falta de servidores, era um “escárnio”. “Até porque, ao que sabido, a unidade judiciária mantém quadro de servidores equivalente às demais varas que atuam com a matéria penal em Curitiba”, defendeu Loraci.
No mesmo 25 de abril de 2023, Appio também requereu informações sobre quanto dinheiro a 13ª Vara repassou (irregularmente) à 12ª Vara de Curitiba – a mesma que cuidou da execução da pena do presidente Lula. Appio questionou aos juízes da 12ª Vara – Danilo Pereira, titular, e Carolina Lebbos, substituta – qual destinação fora dada aos recursos. Ficou novamente sem respostas. A 12ª Vara de Curitiba teria sido presenteada com ao menos R$ 2 milhões.
Loraci, Danilo Pereira e outros magistrados do TRF-4 vão responder ao CNJ por desrespeito a ordens do Supremo Tribunal Federal.
As digitais de Sergio Moro
O fluxo do dinheiro dos acordos da Lava Jato, agora na mira do CNJ, é o tema central da reclamação criminal nº 502560598.2016.4.04.7000/PR, instaurada de ofício por Sergio Moro em 2016. Moro não queria saber de deixar os recursos parados em conta judicial. Ele argumentava que os valores estavam sujeitos à depreciação.
Moro criou a reclamação criminal para “dar transparência para a destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência”. Sete anos depois, neste mesmo processo, a correição parcial do CNJ identificou problemas graves no modo como Moro distribuía recursos em parceria com o Ministério Público Federal.
Segundo a jornalista Mônica Bergamo, é possível que na conta judicial tenham passado R$ 3,1 bilhões arrecadados pela Lava Jato. Do total, R$ 2,2 bilhões teriam sido “pulverizados” por ação de Moro e sucessores, restando em caixa, em setembro de 2022, cerca de R$ 842 milhões. Em fevereiro de 2023, quando Appio assumiu a 13ª Vara, o saldo já estava em R$ 200 milhões. “A aplicação dos bilhões, no entanto, seguiria envolta em mistério“, anotou Bergamo. Os números teriam sido levantados a partir do trabalho de Eduardo Appio.
As providências do CNJ
Na última sexta-feira (22), o CNJ determinou abertura de investigação para apurar a conduta de Moro e de Hardt na “gestão caótica” dos recursos.
O relatório parcial da correição apontou que boa parte do dinheiro arrecadado a partir de acordos de leniência e delação foi depositada para a Petrobras “sem diligência do juízo (…) e sem a prudência do juízo em manter acautelados os valores, uma vez que a companhia era investigada em inquérito civil público conduzido pelo MPSP e por autoridades norte-americanas.”
Corroborando as suspeitas de Appio, o CNJ afirmou que é necessário “seguir o fluxo do dinheiro referido no âmbito da representação criminal nº 502560598.2016.4.04.7000/PR, desde o depósito de valores feitos por signatários de acordos de colaboração e de leniência em contas judiciais vinculadas, até o retorno de valores no interesse da força-tarefa, por meio do acordo de assunção de compromissos.”
Fundação Lava Jato
A famigerada Fundação Lava Jato é talvez o caso mais escandaloso do esquema montado pela República de Curitiba para colocar as mãos em parte das multas decorrentes de acordos com empresas investigadas.
O CNJ verificou a existência de um “possível conluio” para destinar valores no Brasil para a Petrobras. Esta, por sua vez, pagou multas no exterior que retornaram ao Brasil e, por meio de um acordo de assunção de compromisso com a 13ª Vara, seriam destinadas irregularmente para “interesse exclusivo” da própria força-tarefa da Lava Jato.
Na prática, essa espécie de triangulação aconteceu assim: a 13ª Vara repassou R$ 2,1 bilhões à Petrobras. Houve, depois, o “retorno” de R$ 2,5 bilhões “no interesse da força-tarefa” comandada por Dallagnol, “por meio de acordo de assunção de compromissos” homologada pela juíza Gabriela Hardt.
Deltan foi ouvido na correição determinada pelo CNJ na 13ª Vara, assim como Hardt, que também virou alvo de processo disciplinar ao lado de Moro.
Entre outras providências adotadas pelo CNJ, está a “constituição de um grupo de trabalho (…) com proposta de regulamentação da destinação de valores oriundos de acordos de colaboração e leniência, bem como o controle para destinação de multas penais e bens apreendidos.”