DEPOIS DE SESSÕES tumultuadas e embarreiramentos da oposição, a previsão é que a Câmara dos Deputados vote nesta quarta, 30, a nova taxa de juros cobrada nos empréstimos do BNDES. Pouco conhecida da população em geral, a medida afeta a vida prática do brasileiro porque é com esses empréstimos que investimentos são feitos, e investimentos se convertem em emprego e renda. Caso seja aprovada — o que, pelo andar da carruagem, será — a taxa de juros cobrada pelo banco vai aumentar. O texto prevê uma garantia nos próximos cinco anos para o micro, o pequeno e o médio empreendedor. Depois disso, ficarão entregues à própria sorte: as cobranças seguirão um modelo que privilegia projetos mais caros e dificulta o acesso aos investimentos públicos.




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O presidente do BNDES, Paulo Rabello, chegou a se manifestar contra a nova taxa, mas voltou atrás logo depois, forçado por uma ameaça de demissão de parte da equipe diretora.

A mudança chega ao Congresso por meio de Medida Provisória assinada pelo Executivo (já tradição no governo Temer) no momento exato em que o BNDES vinha anunciando modificações em sua dinâmica de investimentos que aumentam o foco em pequenos negócios. Lembrando que as micro, pequenas e médias empresas são as que mais empregam — 43,7 mil novos empregos só em julho —, enquanto as grandes estão demitindo. São também as pequenas que garantem a saúde da economia regional.Como no caso da PEC do Teto, a bomba-relógio instalada não irá explodir ainda nesse governo. Dois trechos da proposta aprovada pela Comissão Mista do Congresso garantem a transição ao longo de cinco anos:

Brazilian Senate President Eunicio Oliveira gestures during the vote of the labour reform at the National Congress in Brasilia, on July 11, 2017. Oliveira suspended the session and the lights of the plenary were turned off to put an end to a protest, seven hours later the session resumed and the law was passed with 50 votes in favour and 26 against. / AFP PHOTO / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, afirmou que precisa receber a proposta com duas sessões de antecedência para os senadores poderem debater e votar a questão.

Nesta quarta, 30, a proposta está em pauta para ser votada na Câmara, e a promessa do governo é que o texto chegue ainda hoje ao Senado. Pelo regimento interno do Congresso, a proposta precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado até 7 de setembro, ou o texto caduca. O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) afirmou que, para ser aprovada na Casa, a medida precisa ser entregue na próxima segunda, dia 4 de setembro, assim os senadores teriam duas sessões para discutir o assunto e concluir a votação:

“Se a Câmara não votar a tempo, paciência. Se votar a tempo, eu vou colocar no plenário, que decide se aceita ou rejeita. Essa é a regra do jogo.”

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) é um dos que tem feito pressão para que o texto seja aprovado o mais rápido o possível.

TL o quê?

A sopa de letrinhas é proposital. Segundo o Senado, a TLP aumenta os juros nas operações com recursos do FAT. Tradução: os empréstimos do BNDES ficarão mais caros e, dentro de cinco anos, deverão estar equiparados aos oferecidos pelos bancos privados.

Como banco público de desenvolvimento, a função do BNDES é direcionar o dinheiro para iniciativas consideradas importantes na política econômica do país; como, por exemplo, para as pequenas empresas ou para a exportação. O que garante juros mais baixos que a taxa básica do mercado (7% versus 9,25%) é o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Aproximadamente 30% dos recursos do BNDES vêm deste fundo.

Logo of the Brazilian Development Bank (BNDES), in Rio de Janeiro on May 03, 2012.   AFP PHOTO / Christophe SIMON        (Photo credit should read CHRISTOPHE SIMON/AFP/GettyImages)

O logotipo do BNDES, com os dizeres “capacitar para desenvolver”, na parede de sua sede, no Rio de Janeiro.

A economista Beatriz Meirelles, da Associação de Funcionários do BNDES, aponta que, ainda assim, a taxa de juros praticada atualmente pelo banco já é alta: “Quando você coloca os spreads [adicionais de risco impostos pelos bancos comerciais, que elevam as taxas cobradas do cliente final] a taxa já é alta para padrões internacionais. Então esse papo de juros camaradas é uma grande manipulação”.

O uso de um fundo para garantir investimentos e desenvolvimento não deveria sequer ser uma questão. Ferramentas econômicas como essa existem em todo mundo, como explicou Ernani Torres Filho, professor de economia da UFRJ, durante uma das audiências públicas sobre a nova taxa de juros proposta. Ele comparou o modelo brasileiro ao japonês, que usa do Programa de Investimento e Empréstimo Fiscal, nos mesmos parâmetros do FAT:

“A maneira como eles se explicam ao público é igualzinha a que o FAT se explica ao público. Eu existo para quê? Fundos de empréstimos, sem depender de receitas fiscais, para gerar renda e emprego. E em nenhuma dessas circunstâncias isso são considerados subsídios. Em nenhuma dessas circunstâncias esses instrumentos são considerados como afetando a potência da política monetária.”

Em entrevista a The Intercept Brasil, o professor explicou que a taxa menor hoje utilizada pelo BNDES é uma forma de estimular o índice de investimento do país, que é baixo no comparativo internacional. Ele afirma que a nova taxa condenará a todos, o investimento vai se tornar mais caro para empresas de todos os tamanhos. E o poder dos bancos privados vai aumentar “porque o BNDES sai da jogada e a concentração de bancos, que já é alta, aumentará mais ainda”.

O Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, explica que as taxas praticadas pelo BNDES poderão desobedecer a nova regra, contanto que os parlamentares aprovem: “Aí vocês me perguntam: mas e se tiver uma obra, como um metrô de Salvador, que seja importante para a comunidade, se o BNDES quiser emprestar a um juros de 4% ao ano, ele pode? Ele pode. Mas isso terá de ser aprovado pelo Congresso”. Hoje, a equipe econômica tem independência para estipular estes índices.

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Secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, defende que o BNDES só poderá aplicar taxas abaixo da TLP se, a cada decisão, for aprovado pelo Congresso.

O secretário também afirma que o fato de os bancos comerciais — que são quem negocia os empréstimos do BNDES diretamente com o cliente final — aumentarem as taxas por assumirem os riscos de calote, já faz com que a TJLP não chegue “pura” aos empresários. Isso, segundo o secretário, garante que o fim da TJLP não irá afetar os juros cobrados pelos demais bancos.No primeiro semestre deste ano, os bancos comerciais travaram a oferta de empréstimos do BNDES aos pequenos empresários, fazendo o desembolso do cartão BNDES cair 60% entre janeiro e maio. Como alternativa para driblar o bloqueio dos bancos privados — que faziam a ponte entre BNDES e pequenas empresas — o banco público criou em junho um canal online onde o empreendedor entra em contato diretamente com o BNDES.

Em um contexto de aprovação recente da lei de terceirização e da reforma trabalhista, que incentivam a transformação de trabalhadores em microempreendedores, cresce o interesse dos bancos privados por essa nova carteira de clientes. Isso fica mais do que claro na propaganda veiculada semana passada pelo banco Santander, onde o narrador anuncia “você virou empreendedor” e apresenta o que chama de “sua nova carteira de trabalho”: a máquina de pagamentos em cartão de crédito do banco.

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