Bolsonarista vai comandar debate ambiental na Câmara

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Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora

Eleita presidente da Comissão de Meio Ambiente, Carla Zambelli ganha poder para pautar propostas do governo Bolsonaro que assustam ambientalistas

Carla Zambelli (à direita), ao lado da nova presidente da Comissão de Agricultura, Aline Sleutjes, e dos deputados Eduardo Bolsonaro e Major Vítor Hugo, todos do PSL: bancada bolsonarista em posições estratégicas (Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

No mês passado, após a eleição dos novos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro entregou a ambos uma lista de 35 projetos considerados prioritários. Para nenhuma surpresa, pelo menos quatro são diretamente ligados a questões ambientais – o Projeto de Lei 191/2020, que permite mineração em terras indígenas; o PL 2633/2020, da regularização fundiária, que substituiu a chamada MP da Grilagem; o PL 3729/2004, que facilita o licenciamento ambiental, e o PL 5518/2020 sobre concessões florestais.




Nesta sexta (12/03), o governo concluiu mais passo decisivo para aprovar essas legislações com textos de acordo com seu interesse – o que, em geral, ameaça a proteção ambiental: a deputado bolsonarista Carla Zambelli (PSL/SP) foi eleita presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Como presidente do colegiado, ela tem poder para escolher os relatores dos projetos – que podem manter ou fazer profundas alterações nos textos – e também definir a pauta de votação.

Na sessão virtual da comissão, Carla Zambelli repetiu o discurso governista de que o Brasil é exemplo de sustentabilidade para o mundo. “Temos 66% da nossa mata nativa preservada e 84% da Amazônia preservada. Temos a lei ambiental mais restritiva do mundo, uma agricultura de baixo carbono. O Brasil é responsável por menos de 3% das emissões de gases estufa”, afirmou a deputada que participou presencialmente da reunião e repetiu, nesse trecho do discurso, argumentações do ministro Ricardo Salles.

A Comissão de Meio Ambiente não pode ser uma porteira aberta para a boiada passar. Essa comissão não pode ficar refém do atraso, da lógica predatória do meio ambiente

Aílton Faleiro
Deputado federal (PT/PA)

A defesa do governo foi temperada por compromisso com o diálogo na comissão, afirmando que vai priorizar a bioeconomia, a regularização fundiária com direitos e deveres para os ocupantes da terra, o combate ao desmatamento ilegal, o aumento da segurança jurídica e a universalização do saneamento básico. “Nós vamos trabalhar em consonância com a Comissão de Agricultura para harmonizar interesses”, disse a parlamentar, que é investigada pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito das fake news

Ativa nas redes sociais, Carla Zambelli nunca teve a questão ambiental como tema prioritário apesar de vir, recentemente, se aproximando do ministro Ricardo Salles, paulista como ela. Em abril de 2019, entretanto, durante evento da ONU, em Berlim, ela responsabilizou ONGs pelas queimadas na Amazônia. “O mundo pensava que a Amazônia estava queimando e os incêndios estão sendo descobertos como criminosos. ONGs, que supostamente deveriam estar protegendo, estavam colocando fogo na Amazônia para criminalizar um governo que é novo, de direita”, denunciou a nova presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, repetindo uma fake news da época.

Carla Zambelli foi levada à presidência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável após acordo partidário, coordenado pelo deputado Arthur Lira. O PSL – que elegeu Bolsonaro, tem a maior bancada e apoiou Lira para presidir a Casa – ficou com a presidência de três comissões que o governo considera estratégicas: a Comissão de Justiça e Cidadania, por onde passam todos os projetos, ficou Bia Kicis (PSL/DF); Aline Sleutjes (PSL/PR), ligado ao agronegócio, foi eleita presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural; e Zambelli foi indicada para a Comissão de Meio Ambiente. As três bolsonaristas estão entre os 11 parlamentares investigados pelo STF no inquérito das fake news.

A Comissão de Meio Ambiente da Câmara vai se tornar a subsede do Salles. É por ali que vão querer passar ainda mais a boiada

Marcio Astrini
Secretário-executivo do Observatório do Clima

A eleição da nova presidente mostrou o desconforto de sua indicação para o cargo. Candidata única, ela recebeu só 10 votos e houve seis votos em branco; o colegiado tem 18 membros titulares. “A Comissão de Meio Ambiente não pode ser uma porteira aberta para a boiada passar. Essa comissão não pode ficar refém do atraso, da lógica predatória do meio ambiente”, enfatizou o deputado Aílton Faleiro (PT/PA), coordenador do Fórum Permanente em Defesa da Amazônia.

Titular da comissão, o deputado Nilton Tatto lembrou que o ministro Ricardo Salles vem conseguindo fazer a “boiada passar” a partir de mudanças nas normas infralegais, com desestruturação de programas ou com corte no orçamento da pasta. “Agora, com a nova direção na Comissão de Meio Ambiente e também da Comissão de Constituição e Justiça, e da Comissão de Agricultura, estão dadas todas as condições para boiada começar a passar, agora também do ponto de vista de retrocessos na legislação. Não poderia ser pior”, afirmou.

Os ambientalistas também alertaram para o perigo de novas leis para enfraquecer a proteção e conservação do meio ambiente. “A Comissão de Meio Ambiente da Câmara vai se tornar a subsede do Salles. É por ali que vão querer passar ainda mais a boiada”, escreveu no twitter o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

Para Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do OC e ex-presidente do Ibama, a deputada Carla Zambelli à frente da comissão “tende a transformar o órgão colegiado em uma arena de confirmação da antipolítica ambiental do governo Bolsonaro”. Ela também espera pelo pior. “A pressão será no sentido de que as boiadas de Ricardo Salles sejam concretizadas também na arena legislativa” “A perspectiva é de um ano muito complicado, de esforços gigantescos contra retrocessos na legislação ambiental”, disse

Para Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa, voltado a políticas públicas sobre o clima, o governo fez uma “articulação sofisticada para emplacar aliados” em posições-chave para o avanço de sua agenda ambiental. Em entrevista a BBC, a ambientalista afirma que a escolha de Zambelli, Sleutjes e Kicis para as chefias das comissões busca fazer com que propostas sensíveis passem o menor tempo possível nos órgãos e sejam logo levadas à votação em plenário.

Garimpo ilegal na terra indígena Munduruku no sudoeste do Pará: indígenas pedem socorro ao MPF e pedem operação para retirada dos garimpeiros (Foto: Marcos Amend/Greenpeace)
Garimpo ilegal na terra indígena Munduruku no sudoeste do Pará: indígenas pedem socorro ao MPF e pedem operação para retirada dos garimpeiros (Foto: Marcos Amend/Greenpeace)

Projetos ameaçam meio ambiente

Na lista entregue pelo presidente Bolsonaro aos presidentes das duas Casas do Congresso, estão quatro projetos que podem se tornar ameaças a conservação e manutenção do meio-ambiente. Apesar de ter emplacado aliadas em comissões estratégicas, o governo tenta levar esses projetos diretos para o plenário da Câmara para apressar a votação e busca o apoio do deputado Arthur Lira.

PL 191/2020 – A proposta que permite a mineração, e outras formas de exploração, em terras indígenas é uma verdadeira obsessão do presidente da República. O projeto foi elaborado em 2019 pelos ministérios da Justiça e Segurança Pública e de Minas e Energia e apresentado em fevereiro de 2020. Com a pandemia, o projeto não andou e deve ser avaliado por uma Comissão Especial. O PL regulamenta a exploração de recursos minerais (inclusive por garimpo), hídricos e orgânicos em reservas indígenas.

PL 2633/2020 – O projeto foi apresentado após a caducidade da Medida Provisória 910, batizada de MP da Grilagem, que alterava critérios para a regularização fundiária no país. O novo texto, do deputado Zé Silva (SD/MG), facilita a regulamentação de terras ocupadas da União, mas reduziu tamanhos de áreas e aumentou o tempo de ocupação necessário para regularização mas ainda é considerado retrocesso ambiental e incentivo à grilagem. Em 25 de fevereiro de 2021, o deputado Neri Geller (PP/MT), um dos líderes da bancada ruralista, foi designado relator pelo presidente Arthur Lira e o projeto pode nem passar pelas comissões.

PL 3729/2004 – O projeto estabelecendo novas regras para simplificar os processos de licenciamento ambiental foi apresentado na Câmara em 2004 e sofreu seguidas modificações que levaram a polêmicas entre ambientalistas e ruralistas. As partes mais criticadas da atual versão do PL são a exclusão da licença de instalação para análise do potencial degradador do empreendimento, o fim da compensação ambiental e a licença por adesão e compromisso — chamada de auto-licenciamento. O projeto aguarda designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça, mas também pode ir direto ao plenário.

PL 5518/2020 – O projeto altera o disposto na Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006), e flexibiliza o modelo de licitação e os contratos para concessões florestais, para tornar o processo mais célere e atrativo. Foi gerado na própria Comissão de Meio Ambiente e apresentado, em dezembro de 2020, pelo deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP), então presidente do colegiado, e outros 10 parlamentares. Chegou nesta sexta à Comissão de Meio Ambiente e Carla Zambelli, como presidente, vai escolher o rekatir.

Ambientalistas lembram outros projetos que não estão na lista prioritária do governo mas também podem voltar a avançar com as deputadas bolsonaristas em posições estratégicas na Câmara:
PDL (Projeto de Decreto Legislativo) 36/2015 – Acaba com a lista oficial de peixes ameaçados de extinção;
PL 6268/2016 – Libera a caça;
PL 4508/2016 – Libera a pecuária em reservas legais;
PL 364/2019 – Tira a proteção dos campos de altitude;
PL 1205/2019 – Acaba com as zonas de amortecimento de unidades de conservação;
PL 292/2020 – Altera os limites do Parque Nacional do Itajaí (SC);
PLS (Projeto de Lei do Senado) 208/2018 – Reduz o Parque Nacional de São Joaquim (SC): só vai à Câmara se for aprovado no Senado.

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