“Bolsonaro fala bobagem”, diz presidente do Instituto Ethos sobre multas ambientais

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Por Lilian Campelo, publicado em Brasil de Fato – 

Presidente eleito deu a entender durante a campanha que ONGs seriam beneficiadas por suposta “indústria das multas”

Apenas 5% das multas aplicadas pelo Ibama são pagas pelos infratores - Créditos: Divulgação / Ibama
Apenas 5% das multas aplicadas pelo Ibama são pagas pelos infratores / Divulgação / Ibama

Se existisse uma “indústria de multas” do meio ambiente, ela caminharia rumo à falência. É o que mostram os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em média, o órgão ambiental aplica R$ 3 bilhões em multas a cada ano – o valor se mantém estável na última década. Desse montante, somente 5% é efetivamente pago pelas empresas e indivíduos que cometem crimes ambientais.

A hipótese de que existiria uma “indústria de multas ambientais altamente lucrativa” veio à tona a partir de declarações do presidente eleito da extrema direita, Jair Bolsonaro (PSL). Em pronunciamentos públicos, antes e depois das eleições, membros da equipe de Bolsonaro levantaram a suspeita de que Organizações Não-Governamentais (ONGs) e o próprio Ibama estariam embolsando, sem a devida contrapartida, o dinheiro das multas.




Na última semana, o Observatório do Clima, formado por ambientalistas e ativistas vinculados a ONGs, reagiu à postura do futuro presidente e divulgou um material exclusivo sobre as “verdades e mentiras sobre a indústria de multas“.

O sociólogo e presidente do Instituto Ethos, Caio Magri, afirma que Bolsonaro “precisaria ler as coisas, ele precisa que alguém leia para ele, explique o que se trata, porque está falando bobagem”. O instituto, fundado em 1998, é composto por empresários e executivos oriundos do setor privado.

“Não se pode governar de forma a desconhecer a realidade, inclusive das legislações e dos resultados que essas legislações trazem para o benefício público”, analisa Magri.

Quem fica com o dinheiro?

O Ibama afirmou por meio de nota que, em média, realiza 1,4 mil operações de fiscalização ambiental por ano, previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (PNAPA). Na infração ambiental, o Instituto aplica sanções previstas em lei – multa, embargo, suspensão de atividades e apreensão.

Ainda segundo o órgão de defesa ambiental, “nenhum valor arrecadado com multas ambientais se destina ao Ibama: 20% vão para o Fundo Nacional do Meio Ambiente e o valor restante é destinado ao caixa único da União”. Os maiores devedores de multas ambientais atuam nas áreas de siderurgia e de exploração petrolífera.

Não é somente o Ibama que aplica multas. Tarcísio Feitosa, consultor ambiental, explica que, na esfera federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também possui essa atribuição. A nível municipal e estadual, as multas cabem às secretarias de meio ambiente.

“Muitas vezes, o valor do Ibama é muito maior do que da própria secretaria municipal. Isso gera um desequilíbrio nessa questão. Muitas vezes, o infrator prefere ser multado pela secretaria estadual de meio ambiente do que receber a multa do Ibama. Ele usa muitas vezes essa estratégia na justiça”, exemplifica.

Feitosa avalia que a autarquia e as secretarias de meio ambiente aplicam menos multa do que deveriam.

O Observatório do Clima aponta que existem cerca de 100 mil processos de autos de infração acumulados em diversas instâncias de recurso.

Logística

A Terra Indígena Cachoeira Seca, em Altamira (PA) é o território indígena mais devastado pelo desmatamento no país. José Cleanton, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no município, relata que o Ibama não possui a logística necessária para atuar na região.

“Quanto às ações do Ibama, aqui na nossa área infelizmente são ações pontuais. Até porque a logística deles não é tão grande para atuar nessa área, que é de abrangência deles, mas as ações só acontecem quando vêm as denúncias dos próprios indígenas aqui na região”, lamenta.

O Instituto Socioambiental informa que, em janeiro, foram desmatados 1.096 hectares de floresta no interior daquela área, supostamente protegida. Em 2016, foi retirado o equivalente a 1,2 mil caminhões de madeira ilegal. Desde 2009, foram 15.689 hectares de floresta derrubada.

Confira outros temas relativos ao meio ambiente que o futuro presidente trata de maneira superficial e imprecisa:

Conversão de Multas

Segundo nota do Ibama, a conversão de multas ambientais “permite ao autuado ter a multa substituída pela prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente”, o que não significa estar livre do “dever de reparar os danos decorrentes das infrações que resultaram na autuação”.

De acordo com o Observatório do Clima, as multas não pagas ao Ibama até hoje correspondem a R$ 38 bilhões. Como medida para reduzir esse montante, foi editado o Decreto 9.179/2017, em que infratores poderiam ter desconto de 60% nas multas caso destinassem os 40% restantes para apoiar projetos selecionados em edital público para recuperação ambiental. O programa é de adesão voluntária.

Prevista desde 1998 na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605), a legislação teve alterações que, na opinião do presidente do Instituto Ethos, possibilitaram uma modernização, em “consonância com as leis mais avançadas dos países que têm proteção ambiental eficiente”.

Não são da União

Os projetos ambientais para proteção da biodiversidade, que também são alvo de Bolsonaro, costumam ser selecionados por meio de edital, dos quais podem participar organizações públicas, privadas e da sociedade civil – com exceção de ONGs internacionais.

A primeira chamada pública 01/2018 destina-se à recuperação hídrica da Bacia do Rio São Francisco e à adaptação às mudanças climáticas na Bacia do Rio Parnaíba. Em nota, o Ibama afirmou que 44 projetos apresentados e habilitados estão em fase de avaliação técnica. O Instituto recebeu mais de 800 manifestações de interesse para adesão ao programa.

No próprio documento sobre a Chamada, o Ibama informa que “os recursos financeiros necessários à execução dos projetos não são recursos do Orçamento Geral da União” – ao contrário do que disse a futura ministra da Agricultura, deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS). Os custos para execução dos projetos são de responsabilidade dos autuados.

Caio Magri, do Instituto Ethos, afirma que há uma incompreensão do papel do governo eleito e da responsabilidade de cuidar do bem público, e diz não ter dúvidas de o objetivo é criar um ambiente “de asfixia e de intolerância das organizações da sociedade civil”.

“Se algum governo espera criminalizar, afastar, gerar uma intolerância com as organizações da sociedade civil, ele está destruindo patrimônio público”, finaliza.

Edição: Daniel Giovanaz

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