Bolsonaro não nomeia mais de 20 reitores eleitos em instituições federais e fere a autonomia universitária

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Por Adilson J. A. de Oliveira, compartilhado de Projeto Colabora – 

Mais votado pela comunidade acadêmica da UFSCar, professor titular Adilson J. A. de Oliveira denuncia, em artigo, ataque à ciência, à educação e à democracia

O início da segunda década do século 21 representa um momento particular da história. Não somente devido à crise pandêmica da covid-19 que afetou todo o globo, mas também pela intensificação aos ataques à ciência e à educação. A partir da propagação de informações pseudocientíficas têm se difundido ideias que podem nos levar a um retrocesso de décadas ou talvez de séculos. O negacionismo do aquecimento global e da eficiência das vacinas, terraplanismo, entre outros têm causado danos que, se não forem revertidos, trarão desastres não somente à produção do conhecimento científico, mas também à educação e à formação dos indivíduos. O que soa mais alarmante é que esses ataques muitas vezes são patrocinados por governos que, embora foram estabelecidos democraticamente, não apresentam em suas ações o verdadeiro exercício da democracia.




Em nosso país, desde que o atual governo assumiu, observamos a implantação de um projeto político que está baseado exatamente nessa estratégia de atacar as instituições que fazem contraponto a essas ideologias pseudocientíficas: as instituições federais de ensino superior

Em nosso país, desde que o atual governo assumiu, observamos a implantação de um projeto político que está baseado exatamente nessa estratégia de atacar as instituições que fazem contraponto a essas ideologias pseudocientíficas: as instituições federais de ensino superior (IFES). Um sistema com mais de uma centena de instituições com centenas de milhares de professores e servidores que recebem mais 1,3 milhão de estudantes, responsável pela formação de profissionais das mais diferentes áreas, como também responsável por uma grande parte da científica brasileira.

A escolha dos ministros da Educação do governo Bolsonaro, que já foram três, nos dá mostras o quanto a educação e a ciência têm baixa prioridade. Todos os ocupantes da pasta não tinham qualquer preparo para o cargo, pouco conhecendo da educação brasileira e praticamente nada das IFES, além de introduzirem um viés ideológico, seja na direção da privatização das IFES, seja a tentativa de imposição de dogmas religiosos em suas políticas.

Além da enorme redução de recursos que as IFES vêm sofrendo ao longos dos últimos anos, algumas com redução de quase 2/3 das suas verbas de custeio e com investimento reduzido a praticamente a zero, sem dúvida nenhuma, o maior ataque que estas vem sofrendo é na interferência direta do Ministério da Educação e da Presidência da República quando não respeitam a escolha de dirigentes das instituições universitárias, reitores e diretores, reitoras e diretoras das instituições federais de ensino superior brasileiras.

Uma questão que sempre surge nesse debate é o porque deve-se seguir sempre o primeiro nome, uma vez que exista uma lista tríplice? Não teria então o presidente o direito de escolher aquele que considere melhor entre os três indicados?

Segundo a Constituição brasileira, no seu artigo 207 temos que as “universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial […]”. Contudo, até hoje esse artigo não foi completamente regulamentado, mas a escolha de dirigentes é regida por legislação de 1968, alterada por um conjunto de outras leis e decretos mais recentes, ou seja, uma lei que remonta a época do regime militar. É a lei nº 5.540, de 68, que estabelece a elaboração de lista tríplice para envio à Presidência da República e prevê a possibilidade de consulta à comunidade universitária para que esta indique a pessoa que deseja à frente da Instituição pelos próximos quatro anos. Desde 2019, durante o atual governo, mais de 20 as instituições de ensino superior brasileiras não tiveram sua escolha respeitada pela Presidência da República.

Uma questão que sempre surge nesse debate é o porque deve-se seguir sempre o primeiro nome, uma vez que exista uma lista tríplice? Não teria então o presidente o direito de escolher aquele que considere melhor entre os três indicados?

Em primeiro lugar, devemos considerar que este dispositivo serve para que, caso ocorra algum impedimento para o primeiro da lista assumir, seja por razões jurídicas ou até de ordem pessoal (saúde ou morte), não atrapalhe o funcionamento das universidades. Contudo, como a nomeação é um ato administrativo discricionário, que na legislação brasileira permite que o gestor público faça sua escolha, esta deve ser justificada, ou seja, deve deixar de maneira clara e inequívoca o motivo da sua escolha. Essa justificativa deve ser feita antes da sua escolha e não a posteriori, pois na democracia, é direito da população saber as decisões que os dirigentes tomam que não estão vinculadas ao que está inteiramente previsto na lei.

Quando o presidente da República desrespeita a escolha feita pela universidade e não explicitando o motivo de suas decisões, ele não está apenas ferindo a autonomia universitária mas  também não respeitando o direito da sociedade de avaliar a sua escolha

Em todos os atos no qual o presidente da República nomeou segundos ou terceiros nas listas das universidades federais jamais houve uma manifestação dos motivos de sua escolha. No meu caso em particular, reitor eleito pela comunidade da UFSCar com 67% dos votos e com o nome referendado de maneira absoluta pelo Colégio Eleitoral constituído pelo Conselho Universitário também não houve qualquer manifestação. Talvez pelo fato de eu ter já sido vice-reitor da UFSCar entre 2012-2016, ser professor titular, cientista, pesquisador do CNPq e divulgador da ciência tenham pesado contra mim. Poderia ainda ser devido as minhas preferências religiosas, políticas, ou ainda, time de futebol pelo qual eu torço.

Quando o presidente da República desrespeita a escolha feita pela universidade e não explicitando o motivo de suas decisões, ele não está apenas ferindo a autonomia universitária mas  também não respeitando o direito da sociedade de avaliar a sua escolha.

Foi sábia decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 incluir a autonomia universitária na Carta Maior para garantir um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma nação: a formação de pessoas, a produção e a disseminação do conhecimento.

A ideia de autonomia nas universidades vem desde final da Idade Média, quando se começou a separação entre o Estado e a Igreja, pois a liberdade para a produção do conhecimento é fundamental. Se não houver autonomia nas universidades existirá o cerceamento das ideias e surgiriam ações contra o livre pensar. As ciências básicas e as ciências humanas poderiam ser negligenciadas. Pesquisas fundamentais para muitas doenças, que não interessam às grandes corporações, também poderiam ser deixadas de lado. Para que tentar entender a origem do universo ou entender a natureza íntima da matéria, se existem outras coisas mais práticas a serem feitas?

Neste momento estão em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações – de inconstitucionalidade e de descumprimento de preceito constitucional fundamental – relativas às nomeações em desrespeito à ordem das listas tríplices ou, até mesmo, fora dessas listas. Foi amplamente divulgado por muitos veículos de comunicação que essas questões já teriam sido decididas pelo STF, mas ao contrário, o que houve foi apenas julgamento de decisão em caráter liminar, já que esta apenas repetia o que já está na lei. Está agendado para junho de 2021 o julgamento da ação de inconstitucionalidade que foi feita pelo Partido Verde em setembro de 2020 (ADI 6565).

O que está por de trás desses atos contra a autonomia das universidades, sem dúvida nenhuma, é a busca por um aparelhamento ideológico das IFES

Sabemos também que essa interferência que vem ocorrendo de maneira sistemática não é sem nenhum propósito. O que está por de trás desses atos contra a autonomia das universidades, sem dúvida nenhuma, é a busca por um aparelhamento ideológico das IFES. A grande maioria dos escolhidos pelo presidente da República estão alinhados com a sua visão de mundo.

Garantir a autonomia universitária não é apenas proteger as universidades, que ainda são tão jovens no Brasil quando comparadas ao resto do mundo, mas também a sociedade brasileira do autoritarismo, desinformação, obscurantismo, negacionismo, discriminação, desinformação e preconceito. Nesse sentido, é de fundamental importância que toda a sociedade se mobilize em defesa desse seu patrimônio, que dever ter a sua missão realizada, independente do governo.

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