Por Cíntia Alves, compartilhado de Jornal GGN –
A reforma ministerial de Jair Bolsonaro, com mudanças na cúpula das Forças Armadas, pode ser analisada sob dois primas: de um lado, ele, de fato, cedeu ao Centrão e precisou entregar algumas cabeças que lhe eram caras (como Eduardo Pazuello e Ernesto Araújo). Mas Bolsonaro, claramente, aproveitou para avançar sobre instituições de Estado (Forças Armadas e as bases das polícias) ao mexer nos ministérios da Defesa e da Justiça e Segurança Pública.
Poderia Bolsonaro alojar militares mais alinhados ao seu projeto pessoal de poder em setores estratégicos para tentar um golpe? Quando se trata do extremista de direita, tudo é possível. Mas a boa notícia é que se ele precisou fazer tantas mudanças no governo, é porque encontra muita resistência às suas ideias transloucadas.
E, no quadro geral, Bolsonaro não reúne as condições para um golpe de Estado. Falta-lhe apoio popular, apoio das Forças Armadas, da imprensa, dos empresários, da comunidade internacional.
Como cartada final, restaria a Bolsonaro a tentativa de emular a resistência de Donald Trump ao deixar a presidência dos Estados Unidos e o consequente atentado ao Capitólio, lançando mão de apoiadores mais radicais ou dissidentes das polícias.
A esta altura do campeonato, porém, os governadores dos estados brasileiros devem estar monitorando as movimentações das forças de segurança. E estudiosos das polícias militares afirmam que Bolsonaro não é unanimidade dentro da corporação. Dificilmente um grande contingente embarcaria na “aventura” de apoiar um golpe, sabendo do risco de perder a carreira.
“Seria uma ação transloucada que causaria um estrago danado, mas não vejo possibilidade disso prosperar. Você pode ter terror. Nós temos idade para lembrar de bombas em banca de jornal, Riocentro, algo nesse sentido. O que é ruim, péssimo, mas não vejo força mesmo para fazer esses enfrentamentos todos.”
A avaliação é do cientista político e professor do Insper, Carlos Melo, que participou do programa “TVGGN20h”, na noite de terça (30).
De segunda à sexta, sempre às 20h, o jornalista Luis Nassif comanda o programa no canal do GGN no Youtube, analisando e repercutindo os principais assuntos do dia, eventualmente com convidados.
Confira os principais trechos da entrevista de Carlos Melo e assista à íntegra do programa abaixo, que contou ainda com a participação do sociólogo e pesquisador João Roberto Martins e o ex-deputado José Genoíno:
USO DAS BASES MILITARES EM TENTATIVA DE GOLPE, CASO AS FORÇAS ARMADAS NÃO EMBARQUEM
“Se você olhar para o contingente das PMs, é enorme se comparado ao das Forças Armadas. É algo que [se instrumentalizado] produz um estrago muito grande. Mas tenho alguns colegas que estudam polícias militares e eles dizem o seguinte: não é essa festa toda para o bolsonarismo. Tem hierarquia. Os serviços reservados têm informações sobre essas movimentações todas. E me parece que, depois de dois anos, os governadores, no mínimo, devem estar atentos a isso. Ainda acredito nas contradições internas, acho que estão presentes, que Bolsonaro não leva todo o contingente das PMs para seu lado. Mas é uma aventura que pode causar um estrago danado, não tenho dúvida. Agora, dando um passo à frente: há condições para isso? Se olhar para os processos que ocorreram no Brasil e na América Latina, você tem alguns elementos que não estão presentes hoje. A começar pelo apoio popular. Não há apoio popular, não há apoio de mídia. Por mais condescendentes que setores da economia sejam, não há apoio a um golpe. Não há apoio internacional. Seria uma ação transloucada que causaria um estrago danado, mas não vejo possibilidade disso prosperar. Você pode ter terror. Nós temos idade para lembrar de bombas em banca de jornal, Riocentro, algo nesse sentido. O que é ruim, péssimo, mas não vejo força mesmo para fazer esses enfrentamentos todos.”
AS MUDANÇAS FEITAS NA ÚLTIMA REFORMA MINISTERIAL
“Se ele pudesse, seria [uma reforma para] uma tentativa [de golpe]. Como ele não reúne condições para isso – porque golpe não é questão de vontade, é uma questão de poder – [a reforma] é também um esperneio. A reforma, divido em duas partes: uma parte é Bolsonaro reagindo às pressões conjunturais mais imediatas. Ele cedeu ao Centrão. Deu a cabeça do Pazuello [Saúde], do Ernesto Araújo [Relações Exteriores], e teve que aceitar, no Palácio, uma espécie de intervenção do Centrão, que é a Flávia Arruda [assumindo a Casa Civil], que vai acompanhar a execução orçamentária para ver se as medidas do Centrão estão liberdadas. É claro que Bolsonaro sabe que perdeu, que ele cedeu. Por outro lado, ele tenta reagir tentado tomar para si as instituições de Estado. Que instituições são essas? A Advocacia-Geral da União, para fazer enfrentamento com governadores e oposicionistas, e até com o STF; a Justiça, para ele tentar avançar mais sobre a Polícia Federal, estabelecer conexões maiores com as polícias militares e também com a questão das armas, porque passa por ali. E com as Forças Armadas, no sentido de puxá-las em apoio a ele. A boa notícia nisso tudo é que se ele teve que fazer isso tudo, é porque ele estava encontrando resistência.”
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