Levantamento do jornal Le Parisien pesquisou 450 cidades usando critérios como habitação, transportes e emissão de gases de efeito estufa
Por Clarice Spitz, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Ciclistas passeiam ao lado do VLT na Estação Grande Teatro, em Bordeaux, a cidade mais sustentável da França. Foto Philippe Blanchot, HemisFr via AFP
Vitrine internacional do vinho francês, Bordeaux acaba de colher outro fruto de prestígio: foi eleita a cidade francesa onde se vive de maneira mais ecológica. O levantamento do jornal Le Parisien pesquisou cerca de 450 cidades francesas com mais de 20 mil habitantes, com critérios como habitação, transportes e emissão de gases de efeito estufa. Foram os avanços em mobilidade que mais contaram para que a cidade com a população equivalente à de Macaé, no norte fluminense, ganhasse o título de mais verde da França.
Nos últimos dois anos, a cidade ampliou a rede de ciclovias e viu o número de ciclistas acelerar. Crianças recebem aulas de educação no trânsito e os habitantes têm um sistema de empréstimo de bicicletas, além de uma oferta considerável de transporte coletivo limpo.
Um engajamento em torno de um estilo de vida mais ecológico que é de moradores, assim como o de empresários e do poder público. Sempre pareceu natural para a professora de ginástica Myriam Bée se preocupar com saúde e com esporte. Mas foi somente neste ano, depois de o preço do combustível subir na esteira da guerra na Ucrânia, que ela decidiu pôr o capacete e trocar o carro pela bicicleta elétrica.
– Antes eu fazia tudo de carro e agora faço 6 km de bicicleta para o trabalho e, estou orgulhosa de mim mesma, não poluo mais – afirma, lembrando de como é fácil andar de bicicleta na cidade. – É verdade que nós temos ciclovias, tive uma ajuda financeira da região para comprar a minha bicicleta elétrica que custou 2000 euros… você se sente incentivado a usar a bicicleta – resume.
Assim como Myriam, Bordeaux viu o número de ciclistas avançar 20%, enquanto que a circulação de carros caiu 4% nos últimos dois anos. Hoje é a segunda cidade com maior número de ciclistas da França e a 12ª no mundo. A rede de ciclovias na Grande Bordeaux chega a 1400 km.
Com transporte coletivo majoritariamente limpo, Bordeaux tem ainda uma rede de quatro linhas de bonde elétrico. Atualmente, 80% da frota de ônibus funciona à eletricidade e a gás e a previsão é de que, nos próximos dois anos, o restante deixe completamente o diesel.
Redução da velocidade para carros e algumas ‘pedras’ no caminho dos ciclistas
Mas engana-se quem imagina que o ciclista está livre de obstáculos na cidade. A professora reclama dos buracos e das tampas de esgoto das quais tem de desviar no caminho para o trabalho.
– As pistas ainda não foram inteiramente desenvolvidas para quem anda de bicicleta e olha que eu costumo estar bem-equipada – afirma. -E a cidade também precisa de mais árvores – reivindica.
Por ora, Myriam leva a filha Anaïs, de 11 anos, à escola na garupa da sua bicicleta elétrica. Mas a menina se prepara para pedalar por conta própria. Na escola pública que frequenta, ela tem aulas de educação no trânsito para ciclistas como parte do programa escolar. Hoje em Bordeaux são quase mil crianças que terminam o equivalente ao ciclo Fundamental 1 e que aprendem a ver e a ser vistos por carros, ônibus e caminhões.
Para estimular a circulação por veículos menos poluentes, a prefeitura ecologista reduziu a velocidade em 89% das vias da cidade para 30 km/h, universalizou o estacionamento pago para carros e começou obras para ampliar calçadas e parkings para duas rodas.
Em recente polêmica, a gestão destinou a bicicletas e ônibus uma das duas faixas em avenidas de grande circulação – as poucas que ainda têm velocidade máxima de 50 km/h. A medida valeu engarrafamentos e desabafos irritados de motoristas contra o prefeito no Twitter.
– Bordeaux se construiu em torno do carro e estamos mudando essa lógica, tentando dividir de forma mais justa o espaço entre ciclistas, pedestres e motoristas – defende o adjunto do prefeito para Natureza e Cidades Pacificadas, Didier Jeanjean.
A prefeitura publicou ainda um plano de Transição Ecológica e Social, que relaciona as suas ações aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nele, diz contribuir, em especial, para o uso de energias renováveis e para a luta contra às mudanças climáticas.
– Ao tornar explícitos nossos objetivos e ações, temos mais facilidade de alcançá-los – afirma Jeanjean.
O francês tem se mostrado bastante sensível a assuntos relacionados ao meio ambiente, sobretudo os jovens. Em escala nacional, a preocupação com o “planeta” vem em segundo na escala de prioridades, à frente de saúde, mesmo após à pandemia do Covid, e atrás apenas do custo de vida.
Empresas buscam alternativas para reduzir emissões
Segundo o levantamento do Le Parisien, Bordeaux é também a cidade francesa com menor emissão de gases de efeito estufa. O jornal lista, entre outras coisas, os novos bairros ecológicos, organizados segundo o conceito de desenvolvimento sustentável (que inclui transporte coletivo, triagem de lixo, tratamento da água da chuva e construções que seguem normas para limitar as emissões).
A busca por práticas mais sustentáveis, que reduzam a emissão de gases de efeito estufa, também tem norteado o trabalho de alguns empresários da região. A pandemia de covid-19 foi um divisor de águas para a l’Echoppe, que vende uniformes, calçados e acessórios de segurança para hospitais, prefeituras e construção civil.
Desde 2021, a empresa decidiu realocar parte da sua produção, que antes era integralmente feita no norte da África, para Bordeaux. Hoje parte dos uniformes é feita em um ateliê a 500 metros da sede, no bairro do Bacalan, reduzindo a pegada de carbono e a dependência de outros países em caso de restrição de deslocamentos.
Além disso, a empresa tem aumentado o uso de matérias-primas recicladas em suas coleções, os chamados produtos eco responsáveis, para atender a seus clientes públicos. Em parte, isso se deve a mudanças na legislação. Desde fevereiro de 2020, a lei contra o desperdício e a favor da economia circular introduziu a obrigação de que compras feitas pelos entes públicos em licitações contenham entre 20% e 40% de matérias-primas recicladas.
Hoje, os produtos eco responsáveis correspondem a 18% da coleção da L’Echoppe e essa fatia deve ser ampliada a 50% daqui a dois anos, de acordo com o diretor de vendas e de marketing da empresa, Stéphane Sepe.
– Vamos nos alimentar cada vez mais nas linhas ambientalmente responsáveis. As pessoas se sentem mais seguras com produtos que não fazem mal para si nem para o meio ambiente – afirma Sepe.