Candidato de Lula na disputa à prefeitura de São Paulo, Boulos critica tentativa de uma parte da esquerda de se alinhar ao centro e diz que foi derrotado pelo consórcio que busca colocar Tarcísio como candidato da 3ª via em 2026
Por Plinio Teodoro, compartilhado de Fórum
Na primeira entrevista após a derrota nas eleições à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) classificou como tentativa de “americanização” da política brasileira os planos de parte da esquerda de se alinhar ao centro e afirmou que foi derrotado em 27 de outubro não por Ricardo Nunes (MDB), mas por um consórcio entre a burguesia, o centrão e a mídia liberal que quer alçar o governador paulista Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) na terceira via anti-Lula em 2026.
“Eu não perdi a eleição para o Ricardo Nunes. Eu perdi a eleição para um consórcio em torno do projeto [da candidatura presidencial de] Tarcísio [em] 2026. Eu pude sentir na pele o peso da aliança de setores econômicos, políticos e midiáticos que sonham com essa ideia de um bolsonarismo moderado, capaz de derrotar o Lula e a esquerda. E que viam a eleição de São Paulo como uma prévia para viabilizar esse projeto”, avaliou na entrevista à Mônica Bergamo, na edição desta terça-feira (5) da Folha de S.Paulo, feita quando ainda descansava com a família na casa da irmã, na praia de Boiçucanga, no litoral paulista.
Antes de voltar ao Congresso, o deputado ainda afirmou que o resultado das eleições municipais mostra que “a esquerda foi derrotada no país todo em 2024” em razão do “sequestro do orçamento” pelo Centrão – que reelegeu 82% dos prefeitos “fortalecidos com grana”.
Além disso, Boulos diz que “o outro lado vitorioso foi o da extrema direita” – citando como exemplo o PL, de Jair Bolsonaro (PL), que “pulou de duas prefeituras para 16 entre as cidades com mais de 200 mil habitantes”.
“E por quê? Porque a extrema direita brasileira fez uma disputa cultural e ideológica de valores na base da sociedade, e deixou a esquerda na defensiva. O que está em jogo, a partir de agora, é o que nós, da esquerda, vamos fazer para que a gente não sofra uma derrota histórica [na campanha à Presidência em 2026] que inauguraria um longo ciclo da extrema direita no poder no Brasil”, avalia.
O psolista, então, afirma que “quem salvou o país da extrema direita em 2022, no fio da navalha, foi o Lula, porque ele é a maior liderança popular da história do Brasil”, ressaltou que o bolsonarismo – “esse fenômeno político com viés fascista, autoritário, fundamentalista – ganhou uma parte expressiva da sociedade e que se fizermos uma avaliação errada dessa derrota, “vamos produzir outras derrotas”.
“Um sonho reúne um segmento que vai do [presidente do PSD, Gilberto] Kassab ao João Campos [prefeito reeleito de Recife pelo PSB], que é o de uma americanização da política brasileira, com democratas contra republicanos [referindo-se aos dois principais partidos dos EUA]. Centro contra a extrema direita. Ou seja, a utopia de uma sociedade sem esquerda”, diz.
Boulos cita como exemplo “setores do PT” que o criticaram afirmando que “a esquerda foi derrotada porque não cedeu o suficiente em suas posições. Não virou centro”.
“Tiram a lição de que não há mais espaço para a esquerda na sociedade. Acreditam que a esquerda tem que se travestir de centro pois esse seria o único jeito de evitarmos o caos da extrema direita. Estão errados. Estão errados. Se a esquerda, agora, lambendo as feridas da derrota, cair nesse canto de sereia, cometerá um suicídio histórico. A extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento, inclusive em setores populares. Se não sairmos da defensiva, ela vai se consolidar. A perspectiva é sombria. Precisamos ir para a disputa”, afirmou.
Disputa cultural
O psolista ainda afirma que “a extrema direita está ganhando a disputa cultural por W.O., ao se referir ao debate sobre posições, valores e ideias na base da sociedade, que deixou a esquerda na defensiva.
Para isso, Boulos acredita que é preciso desnudar a narrativa imposta pela ultradireita de que assumiu o lugar da esquerda como “antissistema”, supostamente oferecendo um modelo que traria mais “prosperidade” às pessoas.
“Mas, quando chegou ao poder, a extrema direita tampouco conseguiu oferecer isso. Porque ela tem um discurso supostamente disruptivo, mas não tem nada de antissistema. O governo Bolsonaro foi antissistema? O Paulo Guedes no Ministério da Fazenda foi antissistema? Pelo amor de Deus! Esse é o sistema mais puro e escancarado. Mas a narrativa pegou. E a esquerda não pode deixar de disputar na sociedade. Não é ser contra a prosperidade. É debater os caminhos para alcançá-la”, disse.
“O [sociólogo] Jessé de Souza já disse que o risco que a gente vive hoje é o de o Brasil se tornar um Irã, no sentido cultural e social, com o domínio de um fundamentalismo monolítico. E eu acrescento: a entrada do crime organizado e da milícia [na política] nos leva à possibilidade de um futuro muito difícil, de uma mistura de Irã com México, historicamente marcado pelo crime, por cartéis e por assassinatos. Por isso essa disputa tem que ser feita agora. Não falta sonho para a esquerda. O que falta hoje é a disputa desse sonho na sociedade”, emendou.
Quaquá e empreendedores da periferia
Boulos ainda rebateu as críticas que recebeu do vice-presidente do PT, Washington Quaquá (PT-RJ), prefeito eleitor de Maricá (RJ), que considerou um erro a candidatura do psolista na capital paulista.
“Engenheiro de obra pronta é o que mais tem no mundo. As pessoas têm que escolher: ou vão fazer disputa politica, ou querem abrir escritório com a mãe Dinah”, ironizou.
“[As críticas] Expressam a diferença de fundo de projeto. O [deputado federal Washington] Quaquá e o [deputado federal] Jilmar Tatto [autores das críticas] entendem que a esquerda, para ser competitiva, tem que se render inteiramente à lógica das emendas e do que virou o sistema político. Eu não concordo com essa visão. A nossa diferença está aí. Não é pessoal. É de perspectiva”, afirmou, falando ainda sobre o deputado petista, com quem disputou a eleição na capital paulista em 2020.
Sobre o diálogo com a “periferia”, Boulos conta que as pesquisas qualitativas mostravam que as pessoas associavam a imagem dele à “defesa dos mais pobres”.
“Mas uma parte delas, mesmo das classes D e E, falava: “Boulos defende o pobre. Mas eu sou empreendedora. Eu não sou pobre”. É parte dessa mudança na sociedade, nas relações de trabalho, em que mesmo quem fica na moto 12 horas por dia para tirar no fim do mês o que paga de aluguel e contas não se enxerga como uma pessoa pobre. Nós não conseguimos construir os termos corretos para dialogar com essas pessoas”.
Fator Marçal
Boulos ainda criticou a “normalização” de Pablo Marçal (PRTB) pela mídia e rebateu as críticas por ter aceitado participar de uma live com o ex-coach no segundo turno.
“Eu não fui dialogar com o Marçal. Eu busquei dialogar com os eleitores do Pablo Marçal. E precisava fazer isso. Ninguém que quisesse ganhar essa eleição, já no segundo turno, avançaria sem conversar com os eleitores dele. Se eu recusasse, seria uma covardia da minha parte, de não tentar ganhar”, disse.
“Agora, eu achei curiosíssimo parte de colunistas e de grupos de mídia virem com o ataque de que eu estava normalizando o Marçal. Espera um pouquinho! Foi isso o que a imprensa fez durante o primeiro turno inteiro. Pela lei, nenhum veículo era obrigado a convidar o Marçal para debates. E todos convidaram. O Marçal dava um peido e era o assunto da semana”, afirmou.