por Tommaso Koch, publicado em El País –
O papel no último filme de Tarantino, o enésimo renascimento do ator, de 55 anos, o posiciona nas apostas para o Oscar. Agora estreia ‘Ad Astra – Rumo às Estrelas’
Houve um tempo em que Brad Pitt era um frango. Literalmente. Nada a ver com o cinema: de fato, era a vida real de um jovem recém-desembarcado em Los Angeles (Califórnia, EUA). Chegava à agência, olhava o quadro e escolhia um dos estranhos trabalhos oferecidos naquela semana. “Fui motorista, stripper; entreguei geladeiras portáteis para estudantes universitários …”, diz o ator. E também se converteu no homem imagem de El Pollo Loco (o frango louco), um restaurante no Sunset Boulevard. Seu trabalho era simples, embora talvez não muito gratificante: entrava em uma fantasia de penas, se posicionava na calçada e começava a dançar. Quantos transeuntes devem ter fugido daquela ave! Piadas e revanches do destino: hoje, muitos pagariam para passar 30 segundos na companhia do mesmo cara.
“É mesmo. Eu era o trouxa dentro daquela fantasia. Mas me permitia pagar as aulas de interpretação”. Pitt agora ri daquilo em uma entrevista durante o último festival de cinema de Veneza. De alguma forma, esses trabalhos a la Bukowski foram precisamente o primeiro passo de seu caminho triunfante.
Há muitas estrelas na galáxia de Hollywood, mas poucas brilham com sua intensidade. E por tanto tempo. Ator, produtor, filantropo, ativista. Sabe pilotar aviões, toca violão e foi escolhido duas vezes pela revista People como o homem mais sexy do ano.
Com 55 anos, seu encanto não cessa, parece se multiplicar. E sua carreira voltou pela enésima vez a alcançar a crista da onda. Primeiro, encarnou o dublê Cliff Booth no último filme de Quentin Tarantino, Era Uma Vez em … Hollywood. “Seu estúdio é o paraíso, ele é Deus e os hereges não têm permissão para entrar”, resume sobre a experiência. E agora chegará aos cinemas Ad Astra – Rumo às Estrelas, de James Gray, uma viagem ao espaço e à solidão de um homem, onde o personagem de Pitt (Roy McBride) ocupa quase todos os planos. “Talvez seja o meu filme mais poderoso. Me forçou a ser dolorosamente honesto em minha atuação.”
Um astronauta com um obscuro mundo interior e um monumento zen, dedicado a deixar a vida fluir. Dois papéis radicalmente distintos, que o ator conecta com um fio: “Todos temos que adentrar em algum grau de Roy para chegar até Cliff”. Ambos também estão unidos pelo resultado final.
Os críticos o aplaudem, os fãs nunca deixaram de adorá-lo e a palavra Oscar volta a ressoar em torno dele. “É muito cedo”, diz. “É uma questão de fazer filmes que tenham significado para as pessoas. Se você faz este trabalho pelos prêmios, está ferrado”. Mais do que o normal, de todo modo, que o ator esteja de muito bom humor quando aparece na porta. E isso porque dedicou um dia inteiro a uma única atividade: “Jetlaguear“.
De fato, de perto, seus olhos azuis revelam certa fadiga. Daí que a combata com uma coca-cola. E com uma simpatia imediatamente contagiante. “Estou justo naquele momento do dia em que bate o sono”, admite depois de estancar em uma resposta.
Mesmo assim, bastam apenas duas piadas para que ele tenha de novo o jornalista na palma da mão. Usa uma camiseta verde apertada, um boné de pintor, várias pulseiras, incluindo um cadeado de bicicleta que um amigo lhe deu. E no antebraço esquerdo, uma tatuagem que é uma declaração de intenções: “Invictus”.
“Viver é algo complicado pra caralho. E isto é o que diz alguém que acabou de ganhar na loteria”
E isso com a conversa seguindo por rumos opostos. Porque Ad Astra fala sobre um filho que viaja para o outro lado do universo para encontrar o pai. Mas no caminho tem tempo de sobra para interrogar a si mesmo. “O que é ser homem? Crescemos com uma ideia de masculinidade focada em ser forte, sem mostrar fraquezas nem vulnerabilidades. Isso nos leva a reprimir uma parte de nós e, com ela, nossas dores, arrependimentos, feridas. Você constrói uma barreira que se torna um obstáculo na relação com os outros e também consigo mesmo”, reflete o intérprete.
Mais ainda em Shawnee, a pequena cidade de Oklahoma onde o ator nasceu em 1963 e cresceu. A religião foi um pilar de sua educação, que ele não deixou para trás até os 20 anos: agora se considera 80% agnóstico e 20% ateu. Mas, acima de tudo, a marca de sua cidade natal permanece no subconsciente: “Lá, se você quebra o braço, não se queixa. Segue em frente. E o mesmo com os sofrimentos interiores. É algo indelével, provavelmente desde o berço. Também tem a ver com a ideia do homem americano do pós-guerra, que sempre vence.”
Durante a conversa, estavam de volta as recordações da casa de Pitt. Admite que servem para ancorar sua cabeça na terra, para perfurar a bolha da fama. Anos atrás confessou em uma entrevista que o segredo de sua humildade residia em suas raízes. E compartilhou o exemplo mais claro: uma vez, seu avô disse ao telefone que tinham acabado de ver um de seus filmes. “Qual?”, perguntou o neto.
— “Betty, como se chamava aquele filme de que não gostei?”— ele escutou o avô dizendo do outro lado da linha.
“À medida que a gente envelhece, ganha sabedoria e perde poder físico, mas tenho orgulho de aceitar o que sou”
Pitt diz que pensar na infância também o ajuda. Há detalhes de sua biografia, de fato, que a posteriori são surpreendentes. Até a adolescência, ele não havia ido além de seu pequeno microcosmo. Suas únicas viagens aconteciam na tela do cinema: “Eu amo filmes. Foram minha válvula de escape, me mostraram o mundo. Eu nunca tinha estado nem sequer mais a oeste do Colorado”. E já havia completado 23 anos quando subiu pela primeira vez em um avião. Agora calcula que até seus filhos mais novos já voaram por todo o mundo pelo menos duas vezes.
Talvez a sede de aventura do pequeno Pitt só estivesse reprimida, talvez estivesse se acumulando durante anos. A verdade é que, um dia, explodiu de repente. Pitt diz que foi como “um comichão”. Na época, estudava jornalismo na Universidade do Missouri: faltavam apenas dois créditos, “uma folha”.
E justo nesse momento, porém, entrou no carro que tinha ganhado do pai e deu uma guinada na sua existência. Pegou a estrada e foi para Los Angeles, enquanto seu diploma desaparecia no espelho retrovisor. Garante que quando cruzou a divisa com o Colorado, gritou. E já em Hollywood, também não se conformou. Diz que tentavam enquadrá-lo na sitcom, mas não tinha dirigido até lá para isso: “Minha missão era ir parar nos filmes. Eram as histórias que eu queria”. Como seus adorados Fitzcarraldo ou Um Estranho no Ninho, duas de suas obras favoritas.
O primeiro trampolim foi com Thelma e Louise (1991), onde aparecia apenas sete minutos. Pitt deve tê-los aproveitado bem, porque não parou mais depois disso.
Vieram o detetive Mills, de Seven – Os Sete Crimes Capitais, a primeira indicação ao Oscar com Os 12 Macacos, Encontro Marcado, o baderneiro Rusty Ryan de Onze Homens e um Segredo, O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, O Curioso Caso de Benjamin Button, A Árvore da Vida e Bastardos Inglórios. E Tyler Durden, o papel que talvez resuma melhor o que o ícone Brad Pitt significa para muitos. “Sou como você gostaria de ser, fodo como você gostaria de foder …, estou livre de todas as inibições que você tem”, dizia o personagem em um momento de O Clube da Luta.
Talvez essa bagagem de feridas lhe sirva quando a câmera é ligada. Mesmo no dia a dia, pelo menos, terá servido de alguma lição. Pitt responde com serenidade: “É só envelhecer. Você ganha sabedoria e perde poder físico. Mas eu me orgulho de aceitar o que faço e o que sou”.
Nesse sentido, o ator acredita que a paternidade também lhe transmitiu algumas aulas de equilíbrio. E o aproximou dos próprios progenitores: “À medida que a gente cresce, os entende mais, assim como certos comportamentos deles que nos machucaram quando criança. Vejo meu pai em tudo que faço, 100%. Sinto que quero ser ele, imitá-lo ou me rebelar contra sua figura. Ele veio da pobreza, esforçou-se para nos dar uma vida melhor que a dele, e conseguiu. Quero fazer o mesmo com meus filhos.”
E não só. Também se envolve em dezenas de causas em todo o planeta. Viajou para a Caxemira paquistanesa e o Haiti. Distribuiu milhões em ajuda em Darfur e no Chade. E quando o furacão Katrina arrasou Nova Orleans, lançou um projeto para construir 150 casas para realocar famílias despejadas pela catástrofe. A Fundação Jolie-Pitt, criada pela ex-mulher em 2006, também ajuda a agência de refugiados da ONU e a Médicos Sem Fronteiras.
E desse mesmo ano vem a doação mais controversa feita pelos dois intérpretes: contrataram a agência Getty Images para distribuir e vender as primeiras fotos exclusivas de sua filha recém-nascida, Shiloh Nouvel. As ofertas milionárias de revistas e outras publicações, que somaram o equivalente a 41 milhões de reais, foram destinadas inteiramente a causas beneficentes.
Sua frente de amigos também é famosa: astros do celuloide como George Clooney, Julia Roberts, Matt Damon, Edward Norton e Cate Blanchett, para citar os mais íntimos. Com todos, dividiu o papel principal em algum filme. E se pode dar como certo, presumivelmente, que se lembre de todos. Não é brincadeira: o intérprete suspeita que sofre de prosopagnosia.
Ou seja, muitas vezes é impossível para ele recordar os rostos de pessoas que já viu ou conhece. Do ponto de vista dos fãs, o lado positivo é que todo o encontro com Brad Pitt pode ser novo. O negativo: mesmo se um dia se encontrarem com ele, é uma utopia pretender se tornar inesquecível. Algo que lhe causou dezenas de situações desconfortáveis e reações de indignação, como contou à Esquire. A ponto de deixar de fingir que se lembrava para adotar uma nova estratégia: demonstrar interesse e perguntar toda vez de onde e como conhecia seu interlocutor. Descartou-a logo, assim que descobriu que as pessoas encaravam essa atitude como algo ainda pior.
E isso considerando que Pitt tem doutorado em gerenciar situações embaraçosas. É o que significa ser amigo de Clooney e a competição de pegadinhas que ambos mantêm há anos. Durante as filmagens de Onze Homens e um Segredo, Pitt alertou toda a equipe italiana de que ninguém deveria jamais manter contato visual com o altivo George e que o ator exigia que se referissem a ele com o nome de seu personagem, Danny Ocean. A vingança de Clooney incluiu, anos depois, fazer os paparazzi acreditarem que sua villa no Lago de Como, na Itália, seria o local do casamento entre Brad e Angelina.
E em outra de suas peças, o diretor de Boa Noite e Boa Sorte até envolveu Meryl Streep. Clooney lhe enviou em um envelope uma gravação em CD com um curso sonoro para melhorar a prática dos dialetos. A carta incluía uma mensagem que dizia à melhor atriz do planeta que as gravações certamente a ajudariam em seu papel em A Dama de Ferro. E tinha a assinatura, claro, de Pitt. “Enviei cartas para muita gente, como sendo de Brad, e durante um ano ou dois não lhes disse que fui eu”, revelou Clooney em uma entrevista. Pitt deu risada, como em muitas outras coisas.
Há um conceito que confirma hoje de modo idêntico ao que expressou anos atrás. Por um lado, reitera: o que gosta é de ser ator e produtor com sua empresa Plan B Entertainment. Com cada faceta conquistou três indicações ao Oscar, embora só tenha ganhado quando 12 Anos de Escravidão, de Steve-McQueen, foi escolhido o melhor filme de 2014.
Também produziu Os Infiltrados, mas a Academia de Hollywood só reconheceu Graham King na hora de entregar a estatueta principal. De qualquer forma, adora procurar talentos que “saibam contar histórias de qualidade” e defender um cinema alternativo: “Muitos estúdios não podem trabalhar com materiais mais complexos”.
Por outro lado, tem claro que não pretende jamais ficar atrás de uma câmera. Dirigir não é para Brad Pitt: “Não tenho paciência para ficar três ou quatro anos por trás de um projeto. E, sobretudo, não tenho nada a oferecer, nada a contar”. Qualquer um diria justo o contrário.