Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora –
Enquanto isso, governo segue sem ministro da Saúde, sem testes para o coronavírus e sem dar orientações para a população
O Brasil, pelo segundo dia consecutivo, bateu mais um recorde de mortes, ficando novamente no primeiro lugar no deplorável ranking diário de vidas perdidas. No mundo, foram 4.927 óbitos pela covid-19, sendo 1.349 falecimentos no Brasil (27%), 1.083 nos EUA (22%) e 470 no México (10%). O Brasil também registrou 28.633 novos casos, valor também superior aos 20.578 casos registrados nos EUA. As preocupantes cifras brasileiras foram divulgadas pelo Ministério da Saúde após as 22 horas, do dia 03 de junho.
Assim, mais um dia se passa e, claramente, existe um vazio de liderança no combate à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Depois da troca de dois ministros em meio ao crescimento do surto pandêmico, o Ministério da Saúde continua sem um titular efetivo da pasta, não tem realizado coletivas para esclarecer os dados e fornecer informações à população, não tem mais publicado os boletins epidemiológicos e não esclarece se o país deve reforçar a quarentena ou afrouxar o isolamento social.
Pior de tudo são as atitudes e as palavras do presidente da República. Algumas pessoas consideram que os rompantes do capitão Bolsonaro são apenas falas de efeito midiático, sem muitas consequências práticas, como na expressão: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. Porém, falas como esta têm lastro nas ações concretas, como o esvaziamento do conteúdo técnico e científico das políticas de saúde e o veto presidencial ao uso do saldo remanescente do Fundo de Reservas Monetárias (FRM), de cerca de R$ 8,6 bilhões, para o combate ao novo coronavírus, que havia sido aprovado pelo Congresso Nacional. Em consequência, o presidente da República age como se fosse um médico que trai o juramento de Hipócrates, retira recursos da saúde e se recusa a operar qualquer paciente, com o argumento de que a morte “é o destino de todo mundo”. Triste sina!
Panorama nacional quinzenal
Para avaliar a evolução da pandemia no Brasil e no mundo vamos fazer uma análise quinzenal dos dados, pois as variações diárias possuem grande volatilidade e muitas vezes dificultam o entendimento. O número de pessoas infectadas foi de 198 casos registrados na primeira quinzena de março, passou para 5.517 na quinzena seguinte, para 22.603 casos na quinzena de 1 a 15 de abril, em seguida para 57.060, para 132.843 na quinzena de 1 a 15 de maio e para 296.626 casos na quinzena de 16 a 31 de maio. No mês de março foram 5.715 casos, 79.663 em abril e impressionantes 429.469 casos em maio. Somente os números de maio já seriam suficientes para colocar o Brasil no 2º lugar do ranking global de doentes pela covid-19. Provavelmente, antes do dia 30 de junho, a marca de 1 milhão de casos deve ser superada.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos no Brasil nas 4 quinzenas dos meses de março e abril de 2020. No dia 01 de março havia somente 2 casos da covid-19 no Brasil e passou para 200 casos no dia 15 de março, um aumento de 100 vezes (ou 35,9% ao dia). O número de casos passou para 5,7 mil em 31/03, um aumento de 24,4 vezes na segunda quinzena de março (ou 23,8% ao dia). No dia 15 de abril o número de casos chegou a 28,3 mil, um aumento de 5 vezes na primeira quinzena de abril (ou 11,3% ao dia). No dia 30/04 o número de casos no Brasil chegou a 85,4 mil, um aumento de 3 vezes na 2ª quinzena de abril (ou 7,6% ao dia). No dia 15/05 o número chegou a 218,2 mil, um aumento de 2,6 vezes (ou 6,5% ao dia) e no dia 31/05 chegou a 514,8 mil, um crescimento de 2,4 vezes na segunda quinzena de maio (ou 5,5% ao dia). Portanto, o número absoluto de casos está crescendo muito, mas a variação relativa está diminuindo nas quinzenas.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes no Brasil pela covid-19, nas últimas 3 quinzenas. A primeira morte no Brasil aconteceu no dia 17 de março e o número cresceu rapidamente até 201 mortes no dia 31/03, um aumento de 201 vezes (ou 46,1% ao dia). O número de mortes atingiu a cifra de 1,73 mil no dia 15 de abril (aumento de 8,6 vezes ou 15,5% ao dia). No dia 30/04 o número de mortes no Brasil chegou a 5,9 mil (aumento de 3,4 vezes ou 8,5% ao dia). No dia 15/05 chegou a 14,8 mil (aumento de 2,5 vezes ou 6,3% ao dia) e no dia 31/05 chegou, o número de óbitos chegou a 29,3 mil (um aumento de 2 vezes ou 4,4% ao dia).
Portanto, o número absoluto de casos e de mortes está crescendo muito, mas o número relativo (variação percentual) tem diminuído. Isto acontece, fundamentalmente, por conta das barreiras sanitárias e das medidas de higiene e de isolamento social que evitam a propagação do contágio. Quanto mais efetivas forem as medidas de prevenção e contenção, menor será a taxa de reprodução e menores serão os efeitos danosos da pandemia. Para aquilatar a situação brasileira, vamos comparar com a média mundial e avaliar os diferentes ritmos.
O panorama global quinzenal
No dia 31 de maio, a pandemia global ultrapassou a marca de 6,3 milhões de casos e de 374,5 mil mortes. A taxa de letalidade ficou em 6%. O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos no mundo nas 6 quinzenas dos meses de março, abril e maio de 2020. No dia 01 de março havia 88,6 mil pessoas infectadas pela covid-19 no mundo e passou para 170 mil casos no dia 15 de março, um aumento de quase duas vezes (ou 4,6% ao dia). Na segunda quinzena de março o número de casos chegou a 935 mil em 31/03 (10,9% ao dia). No dia 15 de abril o número chegou a mais de 2 milhões de pessoas infectadas (6,1% ao dia). No dia 30/04 o número chegou a 3,3 milhões (3,2% ao dia). No dia 15/05 chegou a 4,6 milhões (2,3% ao dia) e, no dia 31 de maio havia 6,3 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 no mundo, um aumento de 1,35 vezes na quinzena (ou 1,9% ao dia).
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes no mundo pela covid-19, nas últimas 6 quinzenas. Havia 3 mil mortes no mundo no dia 01 de março e passou para 6,5 mil, um aumento de 2,2 vezes (ou 5,3% ao dia). No dia 31 de março a quantidade de mortes atingiu 42,3 mil (12,6% ao dia). Entre os dias 01 e 15 de abril o número de mortes passou de 47,2 mil para 138,5 mil mortes (7,2% ao ano). Na quinzena de 16 a 30 de abril o número de mortes chegou a 234 mil (3,6% ao dia). No dia 15/05 o número de mortes chegou a 308,5 mil (1,9% ao dia) e no dia 31 de maio o número chegou a 374,6 mil, um aumento de 1,2 vezes na quinzena (ou 1,2% ao dia).
Assim, a despeito do elevado número absoluto de mortes, o ritmo da mortalidade está diminuindo e parece que o pico (o ponto máximo) da variação diária de óbitos já foi ultrapassado e, na média mundial, a tendência é descer a curva. Porém, existem países que ainda apresentam taxas elevadas e que ainda não ultrapassaram o pico, como é o caso do Brasil.
Comparação entre os ritmos de crescimento no Brasil e no mundo
O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que na primeira quinzena de março o ritmo da pandemia no Brasil foi exponencial, pois as medidas de quarentena só começaram na segunda metade do mês. Como o contágio foi grande, a taxa de crescimento na segunda quinzena de março também foi grande, mas ficou em 2,2 vezes a média mundial.
Na primeira quinzena de abril, a taxa de crescimento dos casos no Brasil continuou caindo e ficou a 1,8 vezes maior do que o ritmo global. Porém, a partir da 2ª quinzena de abril, as taxas brasileiras caíram em ritmo mais lento do que a média mundial e a diferença aumentou para cerca de 3 vezes no mês de maio. Isto sugere que a quarentena no Brasil não funcionou tão bem como em outros lugares e o país falhou nas medidas de prevenção.
O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das mortes da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que na segunda quinzena de março o ritmo da pandemia no Brasil foi muito grande (a primeira morte ocorreu no dia 17/03), cerca de 3,5 vezes mais rápido do que a média mundial. Na segunda quinzena de março a taxa de crescimento do Brasil caiu mais rápido do que no mundo (ficando em 2,1 vezes maior). Mas a posição do Brasil piorou nos meses de abril e maio, quando o ritmo do número de mortes ficou mais de 3 vezes acima do ritmo da média mundial. Ou seja, quando o país perdeu o controle do contágio comunitário, perdeu também a capacidade de evitar um colapso do sistema de saúde. Desta forma, o Brasil já ultrapassou a França e a Espanha em número de óbitos, deve ultrapassar a Itália até o dia 06 de junho e o Reino Unido até 15 de junho, para se consolidar no segundo lugar isolado no ranking internacional de vidas perdidas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) voltou a afirmar que a América Latina é o atual epicentro da pandemia global, sendo o Brasil e o México os países com maior número diário de mortes depois dos EUA. Como mostramos nos gráficos acima, o ritmo da pandemia internacional está se reduzindo e diversos países já voltaram às atividades econômicas, enquanto outros países estão estabelecendo regras de flexibilização da quarentena, na medida que a propagação do vírus é controlada e o número de vítimas fatais é reduzido.
Os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro bateram recordes de mortes no dia 03/06, mas já estão relaxando o isolamento. A flexibilização da quarentena paulista é complicada, pois o próprio governo de São Paulo prevê que o mês de junho terá de 1,7 a 2,4 vezes mais casos de coronavírus do que em maio. A cidade de São Paulo deve ultrapassar o número de mortes acumulados de toda a China até amanhã (05/06). Na cidade do Rio de Janeiro, que também bateu recorde de mortes no dia 03/06, há um plano gradual de reabertura econômica. Porém, os dados mostram que a capital fluminense ainda não ultrapassou o pico da pandemia, já registrou 4 mil vidas perdidas para a covid-19 e deve ultrapassar o número de mortes da China nos próximos seis dias.
Neste quadro, é temerário um relaxamento da quarentena, principalmente, se não for muito bem executada e monitorada. O Brasil insiste em fazer tudo errado e ainda de maneira intempestiva. Parece ser uma triste sina brasileira!